Acórdão nº 23/19.0TELSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023
Magistrado Responsável | CARLOS DE CAMPOS LOBO |
Data da Resolução | 09 de Maio de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1.
No processo nº 23/19.6PBEVR.E1 da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., foi proferida sentença em que se decidiu condenar a arguida AA, filha de BB e de CC, natural de ..., nascida a .../.../1995, solteira, titular do número de identificação civil ..., residente na Rua ..., ..., - pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1 alínea a) e nº 2, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h) do CPenal, praticado na pessoa de DD, na pena de 4 meses de prisão; - pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nº 1 alínea a) e nº 2, com referência ao artigo 132º, nº 2, alínea h) do CPenal, praticado na pessoa de EE, na pena de 6 meses de prisão; - em cúmulo jurídico, na pena única de 7 meses e 15 dias de prisão, substituída pela pena de 240 dias de multa à razão diária de €5,00, o que perfaz o montante de €1200,00.
Mais se decidiu, descontar, ao abrigo do artigo 80º, nº 1 do CPenal, na pena aplicada, um dia de prisão, atenta a detenção sofrida, encontrando-se por cumprir uma pena de um 7 meses e 14 dias de prisão.
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Inconformado com o decidido, recorreu o Digno Mº Pº questionando a decisão recorrida, concluindo: (transcrição) 1.º- Nos presentes autos de processo comum perante o Tribunal Singular, o Ministério Público acusou a arguida AA, imputando-lhe a autoria material dos factos descritos no despacho de acusação de fls. 108 a 110, que consubstanciam a prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e puníveis no artigo 145.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, com referência ao artigo 143.º n.º 1 e 132.º n.º 2 alínea h) do Código Penal.
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- Realizada Audiência de Julgamento foi julgada procedente por provada a acusação pública, e decidido condenar a arguida nos seguintes termos: ”a) Condenar a arguida AA pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º1, 145.º, n.º1 al. a), n.º2, com referência ao artigo 132.º, n.º2, al. h) do Código Penal, praticado na pessoa de DD, na pena de 4 meses de prisão; b) Condenar a arguida AA pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º1, 145.º, n.º1 al. a), n.º2, com referência ao artigo 132.º, n.º2, al. h) do Código Penal, praticado na pessoa de EE, na pena de 6 meses de prisão; c) Condenar a arguida AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 meses e 15 dias de prisão.
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Descontar, ao abrigo do artigo 80.º, n.º1 do Código Penal, na pena aplicada um dia de prisão, atenta a detenção sofrida, encontrando-se por cumprir uma pena de um 7 meses e 14 dias de prisão.
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Substituir a pena de 7 meses e 14 dias de prisão pela pena de 240 dias de multa à razão diária de €5,00, o que perfaz o montante de €1200,00; (…)”.
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- Contudo, o Ministério Público não se conforma com a Douta Sentença proferida na parte em que decidiu descontar um dia de prisão na pena única aplicada, atenta a detenção sofrida, bem como não se conforma com a substituição da pena única aplicada por 240 dias de multa à razão diária de €5,00, o que perfaz o montante de €1200,00.
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- Com efeito, a privação da liberdade referida na Douta Sentença ocorreu na fase de inquérito, na sequência de falta injustificada a diligência processual para a qual havia sido regularmente notificada e faltou de forma injustificada – conforme resulta de fls. 78 a 86 e 98 a 101.
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- Ora, entendemos que o Tribunal a quo efetuou uma incorreta interpretação do regime previsto no artigo 80.º do Código Penal. Com efeito, citando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 10/2009, “Nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, não é de descontar o período de detenção a que o arguido foi submetido, ao abrigo dos artigos 116.º, n.º 2, e 332.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, por ter faltado à audiência de julgamento, para a qual havia sido regularmente notificado, e a que, injustificadamente, faltou.” (Relator Santos Monteiro, publicado em DR 139 SERIEI de 2009-07-21).
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- Desta forma, embora o dispositivo daquele AUJ apenas refira expressamente a falta acorrida em sede de Julgamento, os mesmos fundamentos devem ser usados relativamente a detenções ocorridas na fase de Inquérito (e Instrução) ocorridas por falta injustificada a diligência processual.
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- Pelo exposto, a Sentença recorrida violou o disposto no artigo 80.º do CPP, devendo ser alterada no sentido de não ser realizado o desconto e ser mantida a pena única de 7 meses e 15 dias de prisão.
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- Acresce que o Ministério Público considera que a pena de prisão não deve ser substituída por pena de multa.
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- As razões de prevenção geral e especial não se mostram devidamente acauteladas com a substituição operada na Douta Sentença Recorrida.
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- Para além disso, sublinhar que o artigo 145.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, do Código Penal, define como moldura penal abstratamente aplicável a pena de prisão, inexistindo alternativa com a pena de multa, pelo que a substituição naqueles termos apenas deve ocorrer em casos excecionais e devidamente fundamentados.
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- A arguida permaneceu sempre totalmente alheada dos presentes autos, não tendo comparecido nas diversas sessões de julgamento e apenas compareceu na diligência em Inquérito na sequência da emissão de mandados de condução. A postura da arguida demonstra que não refletiu de modo crítico sobre a gravidade da conduta.
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- Pelo exposto, a Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 45.º, n.º 1, e 50.º, n.ºs 1 e 5, ambos do Código Penal, devendo ser alterada no sentido de aplicada a pena única de 7 meses e 15 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.
Contudo, Vªs. Exªs.
Decidirão Conforme for de LEI e JUSTIÇA.
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A arguida não apresentou qualquer resposta ao recurso.
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Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se no sentido da procedência do recurso, referindo, em síntese: Ponderando os termos da decisão recorrida e a motivação do recurso interposto pelo Ministério Público, manifestamos a nossa concordância com os termos desta, pugnando pela procedência do recurso[1].
Não houve resposta ao parecer.
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Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.
II – Fundamentação 1.Questões a decidir Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do mesmo complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo Digno Mº Pº e os poderes de cognição deste tribunal, surgem como questões colocadas para apreciação, abarcando todos os pontos referidos nas conclusões apresentadas: - desconto de um dia de detenção na pena imposta à arguida, por força do plasmado no artigo 80º do CPenal; - o regime de execução da pena de prisão aplicada.
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Apreciação 2.1. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição) A) Factos Provados 1. No dia 6/01/2019, pelas 5 horas, a arguida AA conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros, de cor ..., de marca ..., modelo ...00, com a matrícula ..-OP-.., na Rua ..., em ....
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Em tais circunstâncias, a arguida AA avistou DD e EE que caminhavam naquela rua.
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Ato contínuo, a arguida conduziu aquele veículo na direcção de DD, atingido a sua perna esquerda e provocando a sua queda no chão.
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Em seguida, a arguida conduziu o mesmo veículo na direcção de EE, atingindo-o nas pernas, provocando a sua queda e o embate da sua cabeça no chão.
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Em consequência da conduta da arguida, DD sofreu dores e traumatismo do membro inferior esquerdo, com escoriação do joelho esquerdo, o que lhe determinou 6 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
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Em consequência da conduta da arguida, EE sofreu dores e traumatismo crânio-encefálico e traumatismo dos membros inferiores, com edema parietal direito do crânio, o que lhe determinou 5 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.
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A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente.
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Ao conduzir o veículo automóvel, nos moldes sobreditos, na direcção de DD e EE, a arguida agiu com o propósito de molestar o corpo e a saúde daqueles, através da utilização de um veículo automóvel, tendo consciência da perigosidade, capacidade de agressão e das lesões graves que podia infligir, realidade que quis e representou, e que logrou conseguir.
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A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Ficaram ainda provados os seguintes factos relativamente à situação económica e pessoal do arguido: 10. A arguida tem as seguintes condenações averbadas no certificado de registo criminal: a. Condenada no processo n.º 7/21.... do Juízo Local Criminal ... – J... por decisão de 03/05/2021, transitada em julgado em 23/09/2021, pela prática em 17/04/2021, de um crime de desobediência, na pena de 70 idas de multa à razão diária de €5,00.
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A arguida não se encontra registada como proprietária de bens móveis sujeitos a registo ou imóveis.
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A última remuneração conhecida à arguida data de Setembro de 2022, no valor de €624,00, tendo sido colocada à disposição pela sociedade J M..., Lda. pessoa colectiva n.º ..., onde a arguida trabalha desde 01/08/2022.
**Resultaram demonstrados, ainda...
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