Acórdão nº 90/22.5GCLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução09 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., foi o arguido AA submetido a julgamento em Processo Abreviador, tendo o Tribunal, por sentença de 14 de dezembro de 2022, decidido: - Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 3 (três) meses de prisão.

- Suspender a execução da pena de 3 (três) meses de prisão pelo período de 1 (um) ano, ao abrigo do disposto no art. 50º do Código Penal.

- Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 (doze) meses, nos termos do art. 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

* Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1ºVem o presente recurso interposto exclusivamente sobre a pena principal e a medida da pena acessoì ria a que o recorrente foi condenado no processo abreviado que correu termos junto do Juýzìo Local Criminal de ... (...) mais precisamente quanto aÌ pena de prisaÞo de 3 meses suspensa na sua execuçaÞo pelo período de um ano e na pena acessoìria de proibiçaÞo de conduzir veículos com motor pelo período de 12 meses tendo este sido condenado pela praìtica de um crime de desobediência, pp. pelo artigo 348º, nº1, al.a) e 69º, nº1 c) ambos do Coìdigo Penal.

  1. Ora, no que concerne aÌ pena principal, entende o recorrente que, naÞo obstante os seus antecedentes criminais, se justificava ainda a sua condenaçaÞo em pena de multa, jaì que, salvo melhor opinião, a mesma ainda realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da puniçaÞo.

  2. Na verdade, se o recorrente anteriormente aÌ praìtica dos factos dos presentes autos, jaì havia sofrido três condenaçoÞes em penas de multa, importa ter em consideraçaÞo, o tempo que mediou entre a praìtica dos referidos crimes (o primeiro em 2011) sendo que nenhum deles foi por crime idêntico ao dos presentes autos.

  3. Entende assim, o recorrente que a culpa e as necessidades de prevençaÞo geral e especial saÞo medianas.

  4. Tendo o Tribunal a quo, ao ter decidido pela aplicaçaÞo da pena de prisaÞo, apesar de suspensa, ultrapassado as necessidades de ressocializaçaÞo do recorrente, constituindo um sacrifício que vai aleìm da culpa, inadequado ao que o presente caso requer.

  5. NaÞo tendo tido em consideraçaÞo o criteìrio geral orientador da seleçaÞo da pena concreta, estabelecido no art.70º, do Coìdigo Penal, nos termos do qual, no caso de ao crime ser aplicaìvel pena privativa ou naÞo privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência aÌ segunda sempre que esta realize de forma adequada e suiciente as inalidades da puniçaÞo, isto eì, ”a proteçaÞo dos bens jurýdìicos e a reintegraçaÞo do agente na sociedade” -artigo 40º, nº1 do Coìdigo Penal 7ºDevendo a escolha da pena ser perspetivada em funçaÞo da adequaçaÞo, proporçaÞo e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no mencionado artigo 40º do Coìdigo Penal 8ºTambeìm a pena acessoìria de proibiçaÞo de conduzir veýìculos com motor resultante da praìtica do crime de desobediência, pelo período de doze meses eì exagerada e ultrapassa, tambeìm ela, o grau de culpa e as necessidades de prevençaÞo geral e especial que o presente caso requer.

  6. Jaì que tambeìm aqui deveraì atender-se aos mesmos criteìrios que regem para a pena principal.

  7. Devendo a mesma ser reduzida para nove meses de forma a naÞo exceder a medida da culpa e mostrar-se a mesma adequada e proporcional aÌs exigências de prevençaÞo.

  8. Devendo assim sentença ser revogada e substituýdìa, por se mostrar inadequada e desproporcionada, ao ter optado por pena de multa em vez de pena de prisaÞo e por ter aplicado uma pena acessoì ria inadequada, tendo feito uma errada interpretaçaÞo e aplicaçaÞo dos artigos 40º, 71º 348º. nº1,a), e 69º, nº1 todos do Coìdigo Penal.

Termos em que nos demais de direito, deve ser dado provimento ao recurso e por via dele, ser revogada a sentença quanto aÌ pena principal e quanto aÌ medida da pena acessoìria nos termos acima descritos, tudo com as legais consequências Com o que se faraì a acostumada JUSTIÇA * O Ministério Público respondeu ao recurso interposto nos seguintes termos: “(…) 1.º QUESTÃO – DA PENA PRINCIPAL Entende o arguido, ora recorrente, que “naÞo obstante os seus antecedentes criminais se justificava ainda a sua condenação em pena de multa já que, salvo melhor opinião, a mesma ainda realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da puniçaÞo”.

Para fundamentar a sua posição alega o arguido, ora recorrente no que toca às condenações já sofridas “o tempo que mediou entre a pratica dos referidos crimes” e que “nenhum deles foi por crime idêntico ao dos presentes autos”.

Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Resulta do artigo 40º do Código Penal que a aplicação das penas e medidas de segurança, visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Está aqui consagrada a ideia de que o fundamento das penas é a prevenção geral e especial positivas, que têm como limite o princípio da culpa.

A prevenção geral pode ser positiva ou negativa. A primeira significa que a pena aplicada ao agente mantém e reforça a confiança na validade e eficácia das normas jurídico-penais como instrumentos de tutela de bens jurídicos. A segunda significa que a pena aplicada ao infractor intimida as demais pessoas a não cometer crimes.

A prevenção especial pode ser positiva ou negativa. Na primeira situação, a pena tem como finalidade reinserir socialmente o agente através da sua adesão a valores da comunidade, evitando cometer novos crimes. No segundo caso, a pena tem como objectivo neutralizar a perigosidade social do agente, exercendo sobre ele um efeito retroactivo.

A pena não pode, em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A culpa consiste num juízo de censura dirigido ao agente que, tendo podido actuar segundo o dever e a lei, optou por agir ilicitamente evidenciando uma atitude contrária ao direito. Assim, como refere Anabela Miranda Rodrigues, “Em primeiro lugar a medida da pena eì fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo essas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome das exigências preventivas” (in, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, RPCC 12, 2002, p. 181/182).

O artigo 71º do Código Penal, refere igualmente que a determinação da medida da pena tem de ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n º 2 do referido artigo 71º do Código Penal estabelece que na determinação da medida concreta da pena se deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, assumem relevância, quer para favorecer, quer para desfavorecer o arguido.

Dando aqui por reproduzido todos os argumentos constantes da douta decisão recorrente, considerando as circunstâncias descritas na sua globalidade, a pena mostra-se perfeitamente adequada.

Na verdade, foram adequadamente ponderadas as exigências de prevenção geral e as exigências de prevenção especial.

Sobre o crime de desobediência em causa nos autos, bem jurídico protegido e determinação das penas veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 08-06-2021, processo 81/20.0GGSTC.E1 e de 08-02-2022, processo 161/21.5GABNV.E1 com cuja posição e argumentos concordamos na integra.

Pode-se ler neste ultimo processo relativamente à determinação da pena principal e da pena acessória: “Pena principal: De acordo com o art.º 71.º, n.º 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

''A redacção dada ao nº 1 harmonizou esta norma com a do novo art.º 40.º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.”(6) Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo.

Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respectivo preâmbulo que “toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta”. A eleiçaÞo legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena (7), sendo desta última que agora nos ocuparemos.

De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção? A jurisprudência alemaÞ (8) desenvolveu a chamada “teoria do espaço livre”: segundo esta, não é possível determinar-se de modo exato uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo...

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