Acórdão nº 95/16.5GCABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução09 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: No Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Albufeira, J2 - corre termos o processo comum singular supra numerado, tendo a Mmª Juíza da comarca lavrado despacho (de 08-09-2022 a fls. 390-395) a revogar a suspensão da pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão - suspensa na sua execução por igual período mediante a sujeição do arguido a tratamento de adição de estupefacientes, em regime de prova, imposta por sentença de 20-06-2018 (suspensão que decorreu desde 06-09-2018).

Tal revogação teve como fundamento o facto de o arguido não ter cumprido «culposamente, a condição que lhe foi imposta para suspender a execução da prisão (…), Pelo contrário, revelou mesmo um total alheamento à condenação sofrida mediante a sua ausência voluntaria para local incerto, assim como desinteresse em cumprir as condições de suspensão da execução da pena de prisão e falta de interiorização do sentido da pena que lhe foi aplicada, pelo que, nada mais resta do que revogar a suspensão da execução da pena de prisão».

*Inconformado, o arguido interpôs recurso deste despacho, pedindo a sua revogação e a sua substituição por outro que declare, com as seguintes conclusões: A) Salvo o devido respeito, não esteve bem o Tribunal “a quo”, quanto à matéria de facto e na aplicação do direito, no Despacho proferido de que ora se recorre, que declarou revogada a suspensão da pena aplicada ao arguido e determinou que este cumpra a pena de três anos e nove meses de prisão; B) Não há prova que “(…) o arguido incumpriu sistematicamente as obrigações impostas, (…) e que (…)sempre manteve uma postura de desinteresse quanto ao cumprimento do plano social estabelecido, (…)tendo mantido os seus hábitos de consumo de substâncias psicoativas, para além da ausência de colaboração quer no acompanhamento do regime de prova instituído, quer no próprio agendamento das entrevistas junto da DGRPS, (…).

  1. Apesar do plano homologado constar que tratamento de adição de estupefacientes seria com acompanhamento na ETET - Equipa Técnica Especializada de Tratamento de Albufeira, foi imposto que o mesmo fosse feito na ETET - Equipa Técnica Especializada de Tratamento de Olhão, conforme se pode confirmar nos relatórios seguintes juntos aos autos a fls. .

  2. O que, aliado à alteração da vida do ora recorrente e à situação de pandemia, veio a revelar-se determinante para que o plano não tivesse sido ainda integralmente cumprido.

  3. Também não existe prova nos autos que o arguido manteve os seus hábitos de consumo de substâncias psicoativas e que tenha faltado sistematicamente às entrevistas.

  4. Como consta da informação da DGRSP de 22/02/2021, a fls , o ora recorrente sujeitou-se à análise para despiste do consumo de cocaína em 18/11/2020 e a mesma teve resultado negativo.

  5. E o ora recorrente não se refugiou na ausência de condições económicas. O arguido passou efetivamente por graves alterações familiares, que o deixaram desorientado, o colocaram a viver “na rua”, como se expressou “um mês na casa de um amigo, um mês na casa de outro”, conforme declarações que prestou aquando da sua inquirição em 09/06/2022.

  6. Para além do aumento das dificuldades provocado pelo estado de pandemia que, impediu as deslocações quer a Faro e Olhão, limitou todos os serviços e prejudicou a possibilidade de obtenção de emprego.

  7. O ora recorrente não teve o apoio que precisava, nem da família, nem dos técnicos, estava muito fragilizado com o fim do seu relacionamento e a sua saída abrupta de casa, ficando sem residência fixa, mas era ele que tinha de tratar de alterar o seu tratamento para Albufeira, que foi por estes técnicos recusado até, conforme o mesmo declarou em 06/06/2022 e acima se transcreveu.

  8. Deve assim proceder-se à alteração dos fatos, no sentido de que o ora recorrente iniciou o cumprimento do plano, mas por alteração anormal das circunstâncias pessoais e gerais não foi ainda possível cumprir integralmente o plano.

  9. Para além do exposto, falta, no Despacho ora em recurso, a apreciação das circunstâncias atuais em que se encontra o condenado e se, pelas mesmas, é ou não possível que as finalidades que estiveram na base da suspensão possam ser alcançadas.

  10. Desde Setembro de 2021, data em que o ora recorrente foi preso preventivamente à ordem de outro processo que tem cumprido com todos os programas e planos para ele delineados, o que demonstra que nunca se quis eximir a qualquer cumprimento, conforme suas declarações e do atual técnico de 09/06/2022 e acima transcritas, esclarecendo que “(…) há uma evolução favorável “(…) os indicadores que tenho destes 5 meses de prisão parecem indiciar que de facto já caiu nele (…)” M) Portanto deveria constar dos fatos que, desde Setembro de 2021 o ora recorrente tem condições, especificamente psicológicas, para o cumprimento de quaisquer medidas que lhe sejam aplicadas.

  11. Não basta que o condenado não se empenhe pelo cumprimento integral das condições que pendiam sobre si, para que possa ser revogada a pena de prisão suspensa na sua execução, O) Necessário se torna que, a atuação do condenado seja de tal modo que impeça sequer qualquer possibilidade de ajustamento do plano e, tal circunstância nunca se verificou ou provou.

  12. No caso, não só o plano inicial não foi o aplicado – devia ter sido em Albufeira, afinal tudo foi planeado para Faro e Olhão (mais 100Km) -, como as circunstâncias vivenciais do ora recorrente e as alterações sociais e económicas decorrentes da Pandemia, com a paralisação do País, impediram o cumprimento integral das condições impostas.

  13. Não se verifica, assim, infração grosseira do plano de reinserção e, está o ora recorrente a acompanhar todas as propostas que permitirão a sua ressocialização tendo hoje condições, nomeadamente psicológicas, para cumprir mesmo que deixe de estar detido pois “já caiu nele”.

  14. Pelo que, não há fundamento também de direito para que se revogue a suspensão da execução da sua pena de prisão.

  15. O nosso sistema continua a preferir sempre a ressocialização fora do cumprimento de pena privativa da liberdade e, portanto não só em último ratio de culpa grave e grosseira, mas também em último ratio de quaisquer alterações ou outras medidas não serem adequadas face àquele condenado, deve ser determinada a revogação da pena de suspensão.

  16. No caso, podia e devia o Tribunal o quo ter-se socorrido de qualquer das medidas previstas no artº 55º do Código Penal, medidas que ainda hoje podem e devem ser aplicadas ao presente caso, como seja a prorrogação do período de suspensão.

  17. Verificar um incumprimento, no caso porque o ora recorrente não tinha condições, nem económicas, nem familiares, nem mentais, com a imediata aplicação de revogação da pena suspensa, revela-se mais como uma nova sanção, do que como consequência de incumprimento parcial.

  18. Não se verifica um modo de agir especialmente reprovável, uma culpa grave do arguido que permita o preenchimento da alínea a) do nº 1 do artº 56º do Código Penal.

  19. Não nos encontramos face a uma situação limite que tenha em definitivo inutilizado por completo o capital de confiança atribuído com a suspensão da pena de prisão.

  20. Se a intenção do legislador é lutar contra a pena de prisão a revogação da suspensão da mesma só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem, de todo, ineficazes as restantes providências constantes do artº 55º do Código Penal, o que ainda não sucedeu.

    Pelo exposto deve o Douto Despacho ser revogado e substituído por outro que determine uma das medidas previstas no artº 55º do Código Penal, assim se fazendo a Acostumada JUSTIÇA.

    ***A Digna Procuradora no Tribunal recorrido respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência, com as seguintes conclusões: 1.ª AA da pena de 3 anos e 9 meses de prisão foi condenado na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução sujeito a condições.

    1. Determinante para a decisão de suspensão foi apenas a integração socio-profissional, a colaboração com o tribunal e o arrependimento manifestado (ponto IV, 4.3.1. da sentença), 3.ª Foi persistente na decisão de não cumprir o regime de prova.

    2. A suspensão foi ineficaz no que respeita aos fins preventivos.

    3. Das suas declarações resultou a desresponsabilização, não razões objetivas que tornem compreensíveis as ausências perante a DGRSP.

    4. Verificam-se os requisitos para a revogação da pena de suspensão da execução da pena de prisão.

    Deve negar-se provimento ao presente recurso e manter-se a decisão de revogação da suspensão de execução da pena de prisão determinando-se o cumprimento por AA da pena de 3 anos e 9 meses de prisão.

    *O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer defendendo a improcedência do recurso.

    Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal.

    *B - Fundamentação: B.1.a) - Os factos relevantes para apreciação constam do antecedente relatório e dos factos que a seguir se enumeram (assentes que estão nos autos pela mera consulta dos mesmos): 1 – O arguido foi condenado nos presentes autos Processo Comum Singular nº 95/16.5GCABF do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo local Criminal de Albufeira, J1 – por sentença de 20 de Junho de 2018, pela prática de um crime de...

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