Acórdão nº 307/21.3PAENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução09 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 307/21.3PAENT, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo de Competência Genérica … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido AA condenado, por sentença de 09/11/2022, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, por referência ao disposto no artigo 132º, nº 2, alíneas b) e e), todos do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sendo esta acompanhada de regime de prova assente num plano de reintegração a elaborar pelos Serviços de Reinserção Social, subordinada à condição de o arguido, nesse prazo, comprovar o pagamento a BB da indemnização no montante de mil euros em que foi condenado

Foi ainda o arguido/demandado condenado a pagar à demandante BB, a título de indemnização civil, a quantia de mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação para contestar, até efectivo e integral pagamento

  1. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. O procedimento criminal pela prática do crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art. 143º, nº 1, do CP, depende de queixa, nos termos do nº 2 do art. 143.º do Código Penal

  2. Não foi apresentada queixa relativamente aos factos descritos no ponto 4 da matéria de facto provada. Da inexistência de queixa resultou a não dedução de Acusação pelo Ministério Público, quanto a tais factos

  3. É nula a sentença recorrida, que condenou por factos não descritos na acusação nem objeto de Queixa, referentes a crimes de natureza semi-pública e se pronunciou sobre questões de que não podia tomar conhecimento, nos termos do artigo 379.º 1, b) e c) do Código de Processo Penal

  4. Não basta a verificação objetiva de qualquer uma das circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 132º CP para qualificar o crime de ofensa à integridade física. O facto de a demandante e o arguido terem vivido em condições análogas às dos cônjuges não constitui circunstância suficiente para se poder afirmar que o arguido perpetrou uma agressão qualificada

  5. Dos autos resulta que os factos pelos quais o arguido vem acusado e condenado nenhuma conexão têm com a relação que “havia terminado há muito” (cfr despacho de arquivamento e de acusação)

  6. A matéria de facto provada não revela um grau de censurabilidade que mereça ser qualificado de especialmente censurável ou de especialmente perverso, pelo que dos autos não resulta a qualificação do crime de ofensa à integridade física por que o arguido foi condenado

  7. Da “concatenação” da matéria de facto atinente ao facto objetivo com as regras da experiência, a sentença recorrida concluiu os elementos subjetivos do ilícito criminal qualificado, ao mesmo tempo que reconheceu não serem tais elementos suficientes para decidir com o grau de certeza necessária

  8. A decisão judicial que julga provados todos os elementos subjetivos do crime “representações e intenções do Arguido referidas de 20 a 25 dos factos provados” com base na “extração” judicial a partir dos factos objetivos ou acontecimentos que considerou demonstrados, é inadmissível e viola a presunção de inocência do arguido

    Pelo que, deverão ter-se como não provados os factos 20 a 25

  9. O único meio de prova considerado pelo Tribunal a quo acerca da prática dos factos foi o depoimento da Demandante. A sentença recorrida não tem base real que sustente a imputação do crime ao arguido

  10. As “regras da experiência comum” não são meio de prova e não sustentam a demonstração de factos penalmente relevantes. À sentença recorrida que conclui pela condenação do arguido pela prática de um crime de ofensas à integridade física qualificada, falta a objetivação necessária

  11. O recorrente não praticou qualquer facto ilícito

  12. Foram também incorretamente aplicados os princípios da livre apreciação da prova, in dubio pro reo, culpa, proporcionalidade e subsidiariedade do Direito Penal

    Termos em que, concedendo provimento ao recurso e revogando a decisão recorrida, Vossas Excelências farão Justiça

  13. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo

  14. A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu não provimento

  15. Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente

  16. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta 7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência

    Cumpre apreciar e decidir

    II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995

    No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, nº 1, alíneas b) e c), do CPP

    Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo

    Enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente

  17. A Decisão Recorrida O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição): Factos da acusação e factos que resultaram da prova produzida 1. O Arguido AA viveu com a Ofendida BB como se fossem marido e mulher, em condições análogas às dos cônjuges, desde cerca de outubro ou novembro de 2015 até ao final do ano de 2020

  18. No dia 10-09-2021, entre as 10h30m e as 11h00m, na loja da empresa …, sita na loja … do Shopping …, na Rua …, n.º …, no …, o Arguido dirigiu-se à Ofendida, que estava a trabalhar, ocasião em que se originou uma discussão, por motivos relacionados com a empresa, entre o Arguido e a Ofendida

  19. Nesta sequência, o Arguido ficou exaltado e puxou o braço direito da Ofendida, pela zona acima do cotovelo, com força, a ponto de lhe deixar nódoas negras nessa área durante vários dias

  20. Em seguida, a Ofendida levantou-se e o Arguido deu-lhe um murro na zona do peito, do lado esquerdo, acima do seio, seguido de outro murro no lado direito da barriga, na zona abaixo das costelas

  21. Após, como a Ofendida tivesse agarrado o seu telemóvel com a mão esquerda, o Arguido agarrou-lho e arrancou-lho da mão com força

  22. Nestas circunstâncias, a Ofendida saiu do escritório e foi até ao corredor do centro comercial onde o mesmo se situa, onde encontrou CC, que aí passava, e disse-lhe que o Arguido lhe batera e não lhe dava o telemóvel, pedindo-lhe ajuda

  23. CC entrou no escritório e pediu calma a ambos, após o que o Arguido devolveu o telemóvel à Ofendida

  24. Após CC ter saído do escritório, a Ofendida pegou no telemóvel e telefonou à irmã do Arguido, na presença deste, com o telemóvel em «alta voz»

  25. Nessa conversa, a Ofendida disse à irmã do Arguido que já não tinha de se entender com o Arguido pois tinha outra pessoa na sua vida, com mais caráter do que aquele que o Arguido teve

  26. Nesta sequência, estando a Ofendida sentada em frente ao computador, o Arguido debruçou-se sobre a secretária e desferiu um murro na cara da Ofendida, atingindo-a no lado esquerdo do nariz

  27. Após, o Arguido deslocou-se novamente na direção da Ofendida e esta agarrou uma vassoura, que impeliu na direção do Arguido

  28. Ato contínuo, o Arguido agarrou a vassoura que a Ofendida segurava contra si e puxou-a com força para si, sem que a Ofendida estivesse à espera, o que fez com que o seu corpo se deslocasse na direção do Arguido, atrás da vassoura, e lhe provocou uma dor imediata no braço esquerdo com o qual segurara o objeto, fazendo-a largar a mão esquerda de imediato

  29. Após, o Arguido abriu a porta e saiu

  30. Na sequência da conduta do arguido, a Ofendida teve de receber assistência médica no Serviço de Urgência do Hospital de …

  31. Também na sequência da conduta do Arguido, a Ofendida ficou com dores e ferimentos e apresentou posteriormente: 15.1. na cabeça: equimose arroxeada, ténue, na vertente lateral direita do nariz, medindo 0,4 centímetros por 0,2 centímetros; equimose arroxeada com halo amarelado na região bucal esquerda, medindo 1,2 centímetros por 0,4 centímetros; bordo oclusão dos dentes 11, 21 e 22, 31, 32 e 41 irregular; 15.2. no tórax: equimose fortemente arroxeada com zonas amareladas no quadrante súpero-medial da mama esquerda, medindo 3,5 centímetros por 3,3 centímetros; 15.3. no abdómen: equimose amarelada com centro arroxeado no hipocôndrio direito, medindo 2 centímetros por 1,5 centímetros; 15.4. no membro superior direito: três equimoses arroxeadas com halo amarelado no terço distal das faces lateral e posterior do braço, ocupando uma área medindo 9 Centímetros por 9 centímetros, a maior medindo 7 centímetros por 5 centímetros; 15.5. no membro superior esquerdo: mobilidades do ombro limitada por dor aos 90º na antepulsão e na abdução ativas, consegue com dificuldade e dores levar a mão à nuca e à coluna dorsal; permanente limitação da mobilidade do ombro esquerdo, na antepulsão e na abdução

  32. As lesões sofridas pela Ofendida importaram 167 dias para a consolidação médico-legal: com afetação da capacidade de trabalho geral (167 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (167 dias)

  33. Cerca de 6 meses antes da data referida em 2, a Ofendida fora operada ao septo nasal para...

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