Acórdão nº 150/19.0TELSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Maio de 2023

Data09 Maio 2023

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, n.º 150/19...., do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., foi submetido a julgamento o arguido AA, nascido a .../.../1958, melhor identificado nos autos, acusado da prática, como autor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de quarenta e cinco crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, n.º 5, do Código Penal e de quarenta e cinco crimes de pornografia de menores, agravados, p. e p. pelos artigos 176º, n.ºs 1, alíneas c) e d) e 8 e 177º, n.ºs 1, al. c), 7 e 8, ambos do Código Penal.

1.2. No decurso do julgamento, finda a produção da prova, o Tribunal Coletivo procedeu à comunicação ao arguido, ao abrigo do disposto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP, da alteração não substancial dos factos descritos na acusação, bem como da respetiva qualificação jurídica, sendo esta última, em termos de os factos pelos quais foi acusado serem puníveis com as penas acessórias previstas nos artigos 69º-B e 69º-C do Código Penal. Perante tal comunicação, o arguido nada requereu.

1.3. Foi proferido acórdão em 06/12/2022, depositado nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(...) acordam os Juízes que compõem o Tribunal Coletivo em: a) Absolver o arguido, AA, da prática, como autor material, de 40 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 5 do Código Penal, de que se encontra acusado; b) Absolver o arguido, AA, da prática, como autor material, de 37 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, als. c) e d) e nº 8 e art. 177º, nº 1, al. c) e nºs 7 e 8 do Código Penal, de que se encontra acusado; c) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material de 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, al. c), e agravado pelo art. 177º, nº 7 do Código Penal, na redação vigente na data da prática dos factos, 5ª versão, ou seja, a decorrente das alterações pela Lei 103/2015, de 24/08, na pena de 2 (dois) anos de prisão (factos de 03/08/2018); d) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material de 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. p. e p. pelo art. 176º, nº 1, al. c), e agravado pelo art. 177º, nº 7 do Código Penal, na redação vigente na data da prática dos factos, 5ª versão, ou seja, a decorrente das alterações pela Lei 103/2015, de 24/08, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão (factos de 19/11/2018).

  1. Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material de 1 (um) crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 1 p. e p. pelo art. 176º, nº 1, al. c), e agravado pelo art. 177º, nº 7 do Código Penal, na redação vigente na data da prática dos factos, 5ª versão, ou seja, a decorrente das alterações pela Lei 103/2015, de 24/08, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos de 30/11/2018).

  2. Efetuado o cúmulo jurídico das penas referidas em c) a e), condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão.

  3. Suspender a pena de prisão referida em f) pelo período de 3 anos e 3 meses, sob a condição de o arguido pagar à ... a quantia de € 2.000 (dois mil euros), no prazo de 3 anos, devendo efetuar o pagamento de pelo menos € 500 no primeiro ano e de pelo menos € 500 no segundo ano, devendo fazer prova nos autos dos pagamentos, no prazo de 10 dias após o terminus de cada período de pagamento estipulado.

  4. Condenar o arguido, AA, nas penas acessórias de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, p. e p. pelo art. 69º-B, nº 2 do Código Penal, pelo período de 5 anos em relação a cada um dos crimes cometidos e referidos em c), d) e e); i) Efetuado o cúmulo jurídico das três penas acessórias referidas em h), condenar o arguido na pena acessória única pelo período de 6 anos; j) Condenar o arguido, AA, nas penas acessórias de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, p. e p. pelo art. 69º-C, nº 2 do Código Penal, pelo período de 5 anos em relação a cada um dos crimes cometidos e referidos em c), d) e e); k) Efetuado o cúmulo jurídico das três penas acessórias referidas em j), condenar o arguido na pena acessória única pelo período de 6 anos; l) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs; m) Determinar a recolha de amostra-referência.

    (...).».

    1.4. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as conclusões que seguidamente se transcrevem: « I - O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática do crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º do CP.

    II - O tribunal a quo considerou provado que o recorrente tinha consciência dos atos praticados serem ilegais.

    II - Tal convicção assentou apenas em provas obtidas ilegalmente, conhecidas no nosso ordenamento jurídico como Metadados.

    IV - Contradiz-se o Tribunal a quo no art.º 33.º e ss. da douta Sentença, ao confessar que o arguido não tinha consciência e consequentemente não estaria arrependido, pois até ao momento compreende porque é que tais atos são ilícitos.

    V - Não fez o Tribunal a quo prova de que o Recorrente não padece de patologia que o leve a não ter consciência das ilegalidades cometidas.

    VI - Foi o ora Recorrente confrontado com prova da sua esfera pessoal e intimidade, sendo obrigado a confessar factos da esfera pessoal, estando esta prova envenenada e ferindo o Princípio do Contraditório e o Princípio da Não auto incriminação.

    VII - Assim, os factos ocorridos nos referidos dias 03.08.2018, pelas 14:06:07; a 19.11.2018, pelas 16:49:14; 19.11.2018, pelas 16:49:17; e 30/11/2018, pelas 14:38:37; foram incorretamente julgados como provados.

    VIII - Ora, um dos princípios em que assenta o processo penal é o princípio do acusatório ou da acusação consagrado no art. 32º, nº 5, da CRP, nos termos do qual o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.

    IX - Pelo exposto, a sentença recorrida é nula.

    X - A audiência de julgamento, violou, ainda, o disposto no art.º 355º, nº 1, do CPP.

    XII - Pelo exposto, o tribunal não interpretou, nem aplicou, corretamente o art.º 176.º CP.

    XIII - Em suma, não restam dúvidas de que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado.

    XIV – Nos termos do supra alegado e não tendo o recorrente praticado o crime em que foi condenado, deve o mesmo ser absolvido dos crimes de pornografia de menores.

    XV - Assim, por tudo o supra exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, devem V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, atenta a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral e com efeitos retroativos – desde 2008 – dos artigos 4.º, 6.º e 9.º, da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, XVI - Revogar a decisão condenatória, por assentar em prova nula – obtida unicamente através de Metadados - Com o que farão, como sempre, inteira Justiça material e evitando, assim, mais uma vez um ato de denegação de justiça ao aqui Recorrente.

    PEDIDO Pela fundamentação de factos e de direito acima explanada, deve ser dado provimento ao presente recurso nos termos apresentados atenta a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral e com efeitos retroativos – desde 2008 – dos artigos 4.º, 6.º e 9.º, da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, e revogar a decisão condenatória, por assentar em prova nula – obtida unicamente através de Metadados.

    Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o recorrente absolvido dos crimes de pornografia de menores, p. e. p. art.º 176.º do CP, em que foi condenado, triplamente, o que também não é permitido por lei, sendo que ainda caso a prova fosse considerada legal, teria de ser condenado num único crime com a atenuação do facto de ficar provada a negligência inconsciente (art.º 15.º b) CP), não podendo ser ultrapassada a pena suspensa de 3 anos, fazendo-se assim a habitual e necessária Justiça.» 1.5. O recurso foi regularmente admitido.

    1.6. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta, pugnando para que seja negado provimento ao recurso e mantido o acórdão recorrido, nos seus precisos termos.

    1.7. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.

    1.8. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.

    1.9. Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir: 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

    Delimitação do objeto do recurso Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais: O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cf. artigo 428º do CPP.

    As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do CPP.

    Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.

    No caso vertente, considerando os fundamentos do recurso, são as seguintes as questões suscitadas: - Nulidade do acórdão...

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