Acórdão nº 129/17.6T9SEI. C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelROSA PINTO
Data da Resolução25 de Outubro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

… Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

A – Relatório 1.

… foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, os arguidos AA … BB … CC … DD … EE … e FF … 2.

O “Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.”, veio deduzir pedido de indemnização contra os arguidos, peticionando a sua condenação no pagamento do montante de 207.700,95 euros …, acrescido de juros legais vincendos até efectivo pagamento.

Requereu ainda que, no caso de condenação dos arguidos em pena de prisão suspensa na sua execução, esta seja condicionada ao pagamento ao IFAP,I.P. das quantias em que venham a ser condenados.

  1. … foi proferida sentença, a 20.2.2023, decidindo-se: “a) Absolver as arguidas BB …, CC … e DD … da prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, … b) Condenar os arguidos AA …, EE … e FF … pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto e punido pelos artigos 2º, 8º, alínea f), 36º, nº1, alíneas b) e c), nº2, nº4 e nº5, alínea a) do Decreto Lei 28/84 de 20 de Janeiro, respectivamente, nas penas principais de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, 3 (três) anos de prisão e 3 (três) anos de prisão.

    1. Suspender a pena de 3 (três anos) e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido AA …, por igual período de tempo, subordinada ao cumprimento do seguinte dever: - Entregar ao Demandante (IPAF) a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) até ao terminus do período da suspensão da execução da pena.

    2. Suspender a pena de 3 (três anos) de prisão aplicada ao arguido EE …, por igual período de tempo, subordinada ao cumprimento do seguinte dever: - Entregar ao Demandante (IPAF) a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) até ao terminus do período da suspensão da execução da pena.

    3. Suspender a pena de 3 (três anos) de prisão aplicada ao arguido FF …, por igual período de tempo, subordinada ao cumprimento do seguinte dever: - Entregar ao Demandante (IPAF) a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) até ao terminus do período da suspensão da execução da pena.

    4. Condenar os arguidos AA …, EE … e FF … nas penas acessórias de privação do direito a subsídios ou subvenções outorgados por entidades ou serviços públicos, respectivamente, pelos períodos de 3 (três) anos, 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e na publicidade da decisão condenatória.

    … b) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido pelo “Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.” e, em consequência: - Absolver as arguidas … - Condenar os arguidos/demandados … a pagar ao Demandante a quantia de 187.375,75€ …, acrescida das quantias devidas a título de juros de mora calculados à taxa legal e contados desde a data da notificação para contestar o pedido de indemnização civil; … Proceda-se à recolha de amostras de ADN do arguido (cfr. artigo 8.º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro).

    Oportunamente, proceda-se à publicidade da sentença condenatória nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 19º, n.º1 e 3, do Decreto-Lei 48/84, de 20 de Janeiro”.

  2. Inconformados com a douta sentença, vieram os arguidos EE …e FF … interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões: … T. Ainda quanto ao facto 21 dado como provado, … U. Este relatório foi feito já depois dos recorrentes terem sido constituídos arguidos, daí que o MP deveria tê-los notificado, em menagem ao disposto no art. 32.º, n.º 5 da CRP, já que esta norma constitucional obriga a que os actos instrutórios, em processo criminal, estejam subordinados ao princípio do contraditório e no caso sem prejuízo para a investigação, sendo certo que a impossibilidade de os recorrentes contribuírem para o objecto da apelidada perícia (que não é), impossibilitou que o relatório da mesma pudesse ser mais específico, designadamente o facto de a técnica poder avaliar toda a obra, não obstante a mesma ter tido o cuidado de evidenciar que o que lá estava contruído era bem mais amplo do que estava nos autos, como se alegou supra, daí que seja materialmente inconstitucional a norma ínsita no art. 164.º, n.º 1 do CPP, talqualmente foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “É admissível prova por documento, sem que se verifique a participação do arguido para a sua elaboração, quando a mesma é possível sem prejuízo da investigação”, por violação, entre outras, das normas dos arts. 2.º, 16.º, n.º 1, 18.º, 20.º, e 32.º, n.º 5, todos da CRP, a qual se argui com todas as legais consequências, devendo ser interpretada em sentido oposto e enformada pelo supra alegado.

    … ZZZZ. Conjugando a tutela dos interesses da vítima por um lado, o reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, por outro, mas sem esquecer os referidos princípios de exigibilidade e proporcionalidade a que aludem o n.º 1 al. a) e n.º 2 do art. 51º do Cód. Penal, entende-se que as condições económicas actuais dos recorrentes não lhes permitem, efetivamente, cumprir a obrigação que lhe foi imposta na decisão recorrida, dentro do indicado prazo de suspensão da execução da pena de prisão, uma vez que os elementos dos seus agregados familiares recebem um valor per capita bem inferior a um SMN, sendo certo que o estatuto de arguido não pode atentar contra este minimum de dignidade existencial, … AAAAA. Assim, é inconstitucional a norma ínsita no art. 51.º, n.º 2, do CP, talqualmente foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que “os deveres impostos podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento o faça incorrer em indignidade existencial, familiar, profissional e social, por afectar o mínimo remuneratório”, por violação das normas dos arts. 1.º, 2.º, 13.º, 18.º, 24.º e 58.º, todos da CRP (devendo ser interpretada em sentido oposto e enformada pelo supra alegado).

    … Da pena acessória: HHHHH. Face à natureza, pressupostos, fundamentos e efeitos das penas acessórias enquanto verdadeiras penas criminais obriga ao íntimo respeito pelo princípio da proporcionalidade entre a aplicação da pena principal e da pena acessória, daí que face ao facto de os recorrentes serem primários, não terem actualmente e há mais de 10 anos quaisquer ligações empresariais que os possam levar à prática deste crime nem se encontram tão-pouco a residir em Portugal, não se encontra fundamento para a declaração da perigosidade do agente e em concomitância para o decretamento das penas acessórias de privação do direito a subsídios ou subvenções outorgadas por entidades ou serviços públicos e na publicidade da decisão condenatória, motivo pelo qual não deverá ser aplicada aos recorrentes qualquer pena acessória.

    … NNNNN. Assim, a condenação dos recorrentes solidariamente na quantia de EUR. 187 375,75 corresponde a mais um erro notório de julgamento, devendo, a responsabilidade dos recorrentes circunscrever-se a valor não superior a EUR. 10 000,00 cada.

    Da recolha de amostras de ADN: PPPPP. O bem jurídico protegido que a tipificação do crime em causa visa tutelar e, por um lado, a confiança à vida económica, e, por outro lado, a correcta aplicação dos dinheiros públicos no domínio da economia, sendo que a realização de um exame e perícia coactiva de ADN coloca em causa os direitos à integridade física, à autodeterminação corporal e autodeterminação informativa genética e privacidade dos visados, aqui recorrentes. Perante isto, apesar de a Constituição não proibir, em absoluto, a possibilidade de restrição legal dos direitos, liberdades e garantias, submete-a a múltiplos e apertados pressupostos, formais e materiais, de validade.

    QQQQQ. O próprio Tribunal de Justiça da União Europeia orienta-se no sentido de que o tratamento de dados sensíveis pelas autoridades competentes apenas é suscetível de ser autorizado se for estritamente necessário e deve ser enquadrado por garantias adequadas, bem como estar previsto no direito a União Europeia ou no direito nacional. … RRRRR. A norma em causa apenas atrela a necessidade da sanção acessória em causa à moldura penal, o que se revela manifestamente insuficiente para assegurar os desígnios garantístico da norma do art. 30.º, n.º 4 da CRP, desde logo, em conjugação com as normas dos arts. 15.º, n.º 2, 17.º, n.ºs 1 e 3, 18.º, n.º 6, 19.º, n.ºs 1 e 3 a 7 e 19.º-A a 22.º da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro … SSSSS.

    Assim, é inconstitucional a norma ínsita no art. 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, talqualmente foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença e independentemente das concretas circunstâncias e sem a previsão de uma cláusula de salvaguarda de manifesta desproporção”, por violação, entre outras, das normas dos arts. 1.º, 2.º, 13.º, 16.º, n.º 1, 18.º, 20.º, 25.º, n.os 1 e 2, 26.º, 30.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, todos da CRP e art. 51.º, n.º 1 da CDFUE (devendo ser interpretada em sentido oposto e enformada pelo supra alegado), enquanto direito constitucional formalmente recepcionado.

    TTTTT. É ainda é inconstitucional a norma ínsita no art. 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro quando interpretação conjugadamente com as normas dos arts. 15.º, n.º 2, 17.º, n.ºs 1 e 3, 18.º, n.º 6, 19.º, n.ºs 1 e 3 a 7 e 19.º-A a 22.º, talqualmente foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, com o sentido de que na “A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença sem se determinar com...

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