Acórdão nº 358/22.0T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelANTERO VEIGA
Data da Resolução11 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AA, intentou a presente ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CENTRO SOCIAL E PAROQUIAL ... DA freguesia ..., pedindo que se declare a ilicitude do despedimento e, em consequência, seja o réu condenado: 1. a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou de qualquer outro direito, que detinha à data do despedimento, decorrente da execução do seu contrato de trabalho e da sua extinção, com a exceção dos pedidos das alíneas seguintes; 2. a pagar-lhe as retribuições que deixou de receber desde o despedimento e já vencidas até à presente data (fevereiro de 2022), retribuições que importam em 7.234,50€; 3. a pagar-lhe as demais retribuições que deixar de receber até ao trânsito em julgado da sentença; 4. a pagar-lhe os juros moratórios, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada prestação pecuniária pedida, nas alíneas anteriores, até ao efetivo pagamento; 5. a suportar as custas do processo.

*Para tanto, alegou, em síntese, que o réu, enquanto instituição particular de solidariedade social se obrigou, nos acordos de cooperação com a Segurança Social, a capacidade da sua ERPI pudesse ir até aos 30 utentes, a existência de “um Diretor Técnico a 50%” (meio tempo), funções que exercia desde 2008, mediante contrato a termo sucessivamente renovado, sendo o horário de trabalho ajustado de 20 horas semanais.

Alega que o réu, em 21 de Julho de 2021, comunicou-lhe a extinção do contrato individual de trabalho, invocando a caducidade do mesmo, por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de prestar o trabalho, a qual não se verifica, manifestando «total disponibilidade para cumprir as funções de Diretora Técnica para as quais [fora] contratada, com a mesma competência, zelo e empenho que sempre demonstrara», considerando que o réu “engendrou um expediente fraudulento para se ver livre da Autora, por portas travessas, sabendo que não há qualquer razão lícita para o despedimento, visando tão só privilegiar uma “afilhada protegida”, colocando-a no cargo em questão (Diretora Técnica)”, atuando em abuso de direito, na modalidade do “tu quoque”, sendo que facilmente se para se evitar incumprir a Portaria 67/2012, de 21 de março, bastaria deixar de admitir um utente para não atingir o limite, que diz ser proibido, de trinta utentes, o que pouparia todos os encargos decorrentes de um Diretor Técnico a tempo inteiro (em vez do meio tempo), pelo que se o réu se colocou na situação de incumprir uma clausula do Acordo de Cooperação, que livremente acordou, sibi imputet.

*O réu pugna pela total improcedência da ação, impugnando a versão da autora, nomeadamente defendendo, em síntese, que a mesma pretende continuar a exercer o cargo de Enfermeira no Hospital ... e simultaneamente exercer o cargo de Diretora Técnica do réu, nem que isso signifique que este tenha de “deixar de admitir um utente para não atingir o limite”.

Alega que, nos termos do disposto n.º 3 do artigo 11.º da Portaria 67/2012 de 21 de março – diploma que define as condições de organização, funcionamento e instalação a que devem obedecer as estruturas residenciais para pessoas idosas – o quadro de pessoal exigido para 30 utentes, tantos quantos tem o réu, deve contemplar obrigatoriamente um Diretor Técnico a tempo inteiro, sendo que tal ilegalidade já havia sido alertada pelo Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais da Segurança Social, na sequência de ação inspetiva levada a efeito no ano de 2019, situação que a Direção do réu tinha de solucionar, sob pena de ser violado o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do referido diploma legal, constituindo assim contraordenação prevista e punível pela alínea f) do artigo 39.º - B e alínea b) do artigo 39.º- E do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 33/2014 de 4 de março.

Defende que a existência de uma Direção Técnica a tempo inteiro corresponde não só a uma imposição legal, mas também a uma necessidade funcional e organizacional do réu, mercê do seu crescimento nos últimos anos, nada movendo a atual Direção do réu contra a autora, podendo mesmo assegurar-se que a autora estaria atualmente a desempenhar o cargo de Diretora Técnica, desde que manifestasse a sua disponibilidade para assumir tal cargo a tempo inteiro, por 35 horas semanais.

Alega que enviou comunicações escritas à autora, uma vez que se encontrava de baixa, propondo-lhe de adaptar o horário da Direção Técnica à realidade vigente da instituição, que acolhia, à data, 30 utentes, dos quais 4 acamados, e 23 colaboradores, realidade que era bem diferente da que existia em 2008, ano que tinha sido celebrado o contrato de trabalho a tempo parcial com a autora, solicitando que esta se pronunciasse objetivamente sobre a possibilidade de desempenhar o cargo de Diretora Técnica a tempo inteiro, convidando-a inclusive a formalizar uma contraproposta de distribuição do tempo de trabalho por cinco dias, sendo que a autora manifestou indisponibilidade para tal, remetendo para o contrato de trabalho, até que o réu lhe comunicou a caducidade do contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestar trabalho, na aceção da alínea b) do artigo 343.º do Código do Trabalho.

A autora enfermeira com vínculo contratual por tempo indeterminado com o Hospital ..., emprego esse que tem cariz estável e duradouro, é absolutamente incompatível o cumprimento do vínculo de trabalho com o Hospital e a assunção do cargo de Diretora Técnica no réu, a tempo inteiro, bem como com o exercício de outras funções diferentes das que desempenhava, face à especificidade das funções do cargo de Diretora Técnica, não se afigurando razoável modificar o objeto do contrato em função da limitação de tempo da trabalhadora, colocando-a a desempenhar funções em categoria de menor relevo dentro da estrutura organizacional do réu, não sendo exigível a este aguardar indefinidamente pela futura e sempre incerta viabilização das relações contratuais por parte da autora.

*Realizado o julgamento foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgando-se a ação totalmente improcedente, em consequência, decide-se absolver o réu CENTRO SOCIAL E PAROQUIAL ... DA freguesia ... de todos os pedidos formulados pela autora AA.

(…)” Inconformada a autora interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões: … 2. O triunfo da tese da sentença constituiria espantosa surpresa e um precedente inaudito, pois ficaria inventada ou criada uma nova “justa causa” de despedimento ou de extinção dum contrato de trabalho.

… 15 Exclusividade que, no caso dos autos, a Autora declarou aceitar, perante o Meritíssimo Juiz, em sede da obrigatória diligência de conciliação, que antecede o início da audiência de julgamento, propondo ao Réu que contrapusesse as condições retributivas que estaria disposto a garantir, o que mereceu, como resposta, um rotundo não.

sem sequer ter de indicar qual seria o valor do eventual aumento da retribuição, sem ter de assegurar que a empresa tem boas condições económico-financeiras de viabilidade e durabilidade, sem ter de demonstrar que não dispõe de outro posto de trabalho compatível com as aptidões profissionais do trabalhador excluído, sem ter de demonstrar que o seu ato de gestão de pôr fim ao contrato é a única medida possível, enfim, de modo incondicional 16 –, quando, por ato da sua livre gestão no âmbito da sua atividade, crie uma situação que justifique passar a receber e opte por receber a prestação de trabalho em causa durante mais horas para além das ajustadas no contrato de trabalho e o trabalhador não aceite, bastando notificá-lo para declarar se aceita passar a trabalhar em horário a tempo completo, com a advertência de que, respondendo “não!” ou ficando em “silêncio”, verificar-se-á a imediata e irremediável “rutura”, “rompimento”, despedimento ou extinção da relação laboral, por caducidade.

  1. Ora, salvo sempre melhor entendimento, face aos imperativos constitucionais e demais normas legais aplicáveis tal consequência ou penalização para o trabalhador é uma aberração, um absurdo, não tendo qualquer sustentação válida no nosso ordenamento jurídico-laboral.

  2. Não é minimamente aceitável a tese de que a livre criação e opção por receber mais 15 horas semanais ou 3 horas diárias de trabalho podem configurar a justa causa da cessação do contrato por caducidade derivada da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da entidade empregadora receber a prestação anteriormente contratada e vigente das vinte horas semanais.

    … 17 No caso dos autos, está invocada a norma duma portaria, mas tal norma, como adiante se fundamentará, não é uma norma de natureza laboral, que sempre padeceria de inconstitucionalidade formal, e, em todo o caso, jamais se poderia sobrepor à norma fundamental da nossa Constituição que proíbe os despedimentos sem justa causa, norma que o Código do Trabalho repete, sendo certo que, no caso dos autos, havia e há soluções alternativas ao despedimento, acrescendo que a norma da portaria em causa não impõe a solução de despedir.

  3. A concreta justa causa da extinção do contrato de trabalho da Autora, aqui em apreço, tem de ser apreciada necessariamente à luz da CRP, art. 53 (segurança no emprego e proibição dos despedimentos sem justa causa) e à luz do CT, arts. 150 e ss. (regime do trabalho a tempo parcial, destacando-se a norma do art. 155/1, quanto à exigência de acordo escrito, para a alteração da duração do tempo de trabalho) e arts. 338, 339 e 343 (proibição dos despedimentos sem justa causa e caducidade).

    … 10. A matéria de facto verdadeiramente relevante, no presente caso, resume-se à celebração e existência do contrato de trabalho entre a Autora e o Réu, que durou por mais de 13 anos, e à declaração da sua extinção pelo Réu, com o único fundamento de que a Autora não aceitou aumentar o seu horário de trabalho contratado de 20...

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