Acórdão nº 09/21.0BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução10 de Maio de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, junto do TAF do Funchal, visando a revogação da sentença de 04-05-2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou procedente a impugnação intentada por A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.

, melhor sinalizada nos autos, contra as liquidações de “Ecotaxa” - aprovada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril, relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2019 e, bem assim, aos meses de Fevereiro e Março de 2020.

Irresignado, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, junto do TAF do Funchal, as seguintes conclusões:

  1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial e, em conformidade, determinou a anulação das liquidações de ecotaxa [criada pelo Decreto Legislativo Regional (DLR) n.º 8/2012/M, de 27 de abril] relativas aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2019 e, bem assim, aos meses de fevereiro e março de 2020.

  2. Para assim decidir, o douto tribunal a quo assentiu na ilegalidade das liquidações por considerar que as normas que definem a incidência subjetiva e objetiva e as “taxas” constantes do DLR n.º 8/2021/M violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade [artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)].

  3. Com a devida vénia, a Fazenda Pública não se pode conformar com tal sentido decisório, considerando existir erro de julgamento quanto à matéria de direito, na medida em que o douto Tribunal faz uma interpretação incorreta da legislação em causa.

  4. O douto Tribunal, após fazer enquadramento legal do sistema de gestão resíduos de embalagens, fazendo alusão ao regime constante do Decreto-lei nº 366-A/97 de 20 de dezembro [ que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 94/62/CE, do Parlamento e do Conselho, de 20 de dezembro de 1994], que estabelece os princípios e as normas aplicáveis ao sistema de gestão de embalagens e resíduos de embalagens, com vista à “[prevenção] da produção desses resíduos, à reutilização de embalagens usadas, à reciclagem e outras formas de valorização de resíduos de embalagens e consequente redução da sua eliminação final, assegurando um elevado nível de proteção do ambiente, e ainda a garantir o funcionamento do mercado interno e a evitar entraves ao comércio e distorções e restrições da concorrência na Comunidade.”; e) Referindo que tal regime foi adaptado à Região Autónoma da Madeira, respetivamente, pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 13/98/M, de 17 de julho, e pela Portaria n.º 157/98, de 12 de outubro, que estabelece no seu o artigo 6.º, que os embaladores regionais são responsáveis pela gestão e destino final dos seus resíduos de embalagens, podendo transmitir a sua responsabilidade a uma entidade gestora do “sistema integrado”. E que nesse contexto foi instituído o Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE), tendo sido atribuída licença à Sociedade B..., S.A. (B...), nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 366- A/97, de 20 de dezembro, e do n.º 1 do artigo 8.º da Portaria n.º 29-B/98, de 15 de janeiro, ao que aderiram diversos operadores económicos, entre os quais a sociedade impugnante através do contrato nº ...79, celebrado a 24 de março de 2017, transferindo para esta entidade gestora do sistema integrado as suas obrigações neste domínio.

  5. Cuidou de aferir da natureza jurídica da Ecotaxa criada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril, assentindo que: “(…) a criação deste tributo teve como fito desincentivar comportamentos potenciadores do risco ambiental, fornecendo um estímulo à adoção de condutas mais sustentáveis, assim como promover a redução dos custos de gestão de resíduos, e da sua recolha seletiva, transporte, tratamento e destino final (até então suportados pelo erário público e pelo consumidor final, segundo o que avançado no preâmbulo do Decreto-Legislativo Regional n.º 8/2021/M).

    Subjaz, portanto, ao tributo uma ideia de prevenção em vista à sustentabilidade ambiental, à economia de custos, à modulação de comportamentos no sentido de uma utilização dos recursos mais eficiente do ponto vista ecológico e no estímulo à mudança, numa área que é alvo de preocupação do legislador, dada a insularidade e às alegadas dependências do exterior para o tratamento dos resíduos.

    A “ecotaxa”, orientando condutas através da tributação da utilização de embalagens não reutilizáveis, tributa comportamentos que determinam um risco acrescido ou esforço especial sobre os recursos naturais, mas também (em tese) um esforço especial sobre o erário público. Sendo um instrumento de receita fiscal, dado que os valores cobrados entram no orçamento da Região Autónoma da Madeira.

    O legislador não afeta a “Ecotaxa” a despesas ou prestações determinadas, não identificando a sua finalidade no interior do orçamento de uma determinada entidade pública, fazendo a mesma recair sobre particulares específicos, transparecendo a intenção de reforçar o esforço fiscal dos operadores visados, aliviando o erário público e o consumidor final, entrevendo-se, pois, na literalidade do Decreto-Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril, que a mesma se assume como uma contribuição financeira.

    ”.

  6. E nesse contexto, ajuizou da (in)constitucionalidade da ECOTAXA, concluindo que “as normas que definem a incidência subjetiva e objetiva e as taxas de “Ecotaxa”, constantes do Decreto-Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril, violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP) (…).”., declarando, assim, a ilegalidade das liquidações de “Ecotaxa” relativas aos meses aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2019 e, bem assim, aos meses de fevereiro e março de 2020.

  7. Ora, entende a Fazenda Pública, salvo o devido respeito, que ao assim decidir errou o douto tribunal.

  8. Importa, desde logo, abrir um parêntesis, para destacar que o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 366-A/97, de 20 de dezembro (revogado pelo Decreto-Lei nº 152-D/2017 de 11 de dezembro, que concentrou num diploma único o regime jurídico dos fluxos específicos de resíduos assentes no princípio da responsabilidade alargada do produtor) que estabeleceu as regras e os princípios gerais a que deve obedecer a gestão de embalagens e resíduos de embalagens, bem como os contratos celebrados pela Impugnante para dar cumprimento a este regime, não tem qualquer relação com o regime da ecotaxa instituído pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8/2021/M.

  9. A Impugnante, na qualidade de embalador e/ou importador aderiu ao Sistema integrado e transferiu para a Sociedade B..., S.A. (B...), mediante o pagamento de contrapartidas financeiras, as responsabilidades previstas no Decreto – Lei n.º 152-D/2017 relativas à gestão dos seus resíduos das embalagens, ao abrigo do princípio da responsabilidade alargada do produtor.

  10. Este sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens assenta na boa vontade e consciência ambiental do consumidor final em cumprir as regras da reciclagem, colocando os resíduos no contentor correto, sem mais qualquer exigência que não a sua boa vontade e consciência social e ambiental.

  11. O artigo 227º, alínea i) da Constituição da República Portuguesa (CRP), sobre os poderes das regiões autónomas, estabelece que estas exercem poder tributário próprio, nos termos da lei, e têm o poder de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República.

  12. A alínea f) do n.º 1 do artigo 37º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, na redação e numeração da Lei n.º 130/99, de 21 de agosto, e alterado pela Lei n.º 12/2000, de 21 de junho, atribui competência à Assembleia Legislativa Regional, no exercício de funções legislativas, para exercer poder tributário próprio e adaptar o sistema fiscal nacional à Região nos termos do Estatuto e da lei.

  13. As competências tributárias atribuídas aos órgãos de governo próprio da RAM exercem-se no respeito pelos limites constitucionais, no quadro do EPARAM e da lei, tendo em conta que o sistema fiscal regional deve adaptar-se às especificidades regionais, quer podendo criar impostos apenas vigentes na Região quer adaptando os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais [artigo 134º, alínea b) do EPARAM].

  14. A adaptação do sistema fiscal à realidade económica regional, bem como a defesa do ambiente e equilíbrio ecológico, da proteção da natureza e dos recursos naturais constituem matérias de interesse específico para efeitos de definição dos poderes legislativos ou de iniciativa legislativa da Região Autónoma da Madeira [cf. artigo 40º, alíneas ff), oo) e pp) do Estatuto da RAM].

  15. A competência legislativa regional, em matéria fiscal, é exercida pela Assembleia Legislativa Regional, mediante decreto legislativo, e compreende o poder de criar e regular impostos, vigentes apenas na Região, definindo a respetiva incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes nos termos do Estatuto [artigo 135.º, al. a) do EPARAM].

  16. A Assembleia Legislativa Regional, mediante decreto legislativo regional, pode criar e regular contribuições especiais tendentes a compensar as maiores despesas regionais decorrentes de atividades privadas desgastantes ou agressoras dos bens públicos ou do ambiente regional (artigo 136º, n.º 1 do EPARAM).

  17. A Lei das Finanças Regiões Autónomas (LFRA), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro e alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2010 de 29 de março, e vigente à data da aprovação do DLR n.º 8/2012/M, determina que as competências tributárias dos órgãos das regiões autónomas observam o princípio da flexibilidade, no sentido de que os sistemas fiscais...

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