Acórdão nº 212/22.6GBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução02 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório No âmbito do Processo Comum Singular n.º 212/22.... da Instância Local Criminal ..., da comarca ..., por sentença de 28 de Dezembro de 2022, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e “na pena acessória de proibição de contacto, por qualquer meio, com a assistente BB e de afastamento, num raio de 250 metros, da sua pessoa, sua residência e do seu local de trabalho, por um período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, a ser fiscalizado com recurso a meios técnicos do controlo à distância e independentemente do consentimento do arguido - artigos 152.º, n.ºs 2 e 4, do Código Penal, 34.º-B, n.º 1, e 36.º, n.º 7, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e 1.º, alínea e), 4.º, n.º 1, 7.º, n.º 2 e 5, 26.º, n.º 1 a 3, 27.º, n.ºs 1 e 2, e 28.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro”; O arguido demandado foi ainda condenado a pagar à demandante/assistente a quantia de “1 250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização”.

Inconformados com esta decisão dela recorreram o arguido e a assistente.

Os recursos foram admitidos por despacho de 30-1-2023.

O arguido respondeu ao recurso da assistente, pugnando pela sua improcedência Também a assistente respondeu ao recurso do arguido, pugnando igualmente pela sua improcedência O Ministério Público respondeu aos recursos. Quanto ao recurso do arguido pugnou pela manutenção do julgado. Relativamente ao recurso da assistente, no que concerne ao pretendido afastamento para um raio de 1000 metros “entende que a pretensão deve ser desatendida, sem que se exclua que possa ser definido um raio de afastamento um pouco mais longo”.

Nesta Relação o Exmo PGA emitiu parecer pronunciando-se pela improcedência do recurso do arguido. No que concerne ao recurso da assistente pronunciou-se pela sua procedência na parte relativa ao raio do afastamento decretado a título de pena acessória.

Suscitou ainda a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto à substituição da pena aplicada ao arguido-recorrente, pelo regime de permanência na habitação.

Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, após resposta do arguido onde para além do mais, veio invocar falta de interesse em agir por parte da assistente no que concerne à aplicação da pena acessória, foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.

*II- Fundamentação 1.

  1. Factos provados (transcrição) Da acusação pública: 1) Consta do Assento de Casamento que contraíram matrimónio, em 19 de Outubro de 1985, o arguido AA e a assistente BB, o qual veio a ser dissolvido, por divórcio judicialmente decretado, em 05 de Julho de 2017.

    2) Fruto desse relacionamento nasceram três filhos, designadamente CC, DD e EE.

    3) Consta da descrição predial sob o n.º ...51, da Freguesia ... e da Conservatória do Registo Predial ..., que o imóvel sito na Rua ..., ..., é composto por uma casa de dois pisos, anexo e logradouro, estando registado, pela AP. ...99, de 25 de Janeiro de 2019, o direito de propriedade a favor de CC, DD e EE, e, pela AP. ...21, de 25 de Janeiro de 2019, o direito de uso e habitação a favor do arguido AA.

    4) Por escritura pública, celebrada, a 21 de Janeiro de 2019, perante notário, no cartório notarial sito na Rua ..., ..., que o arguido AA declarou doar aos seus filhos CC, EE e DD, que declararam aceitar, o prédio referido em 3), o que fez por conta da sua quota disponível e com reserva de uso e habitação a seu favor.

    5) O arguido deu entrada, a 22 de Setembro de 2015, no Estabelecimento Prisional ..., no qual esteve preso até ao dia 11 de Setembro de 2021, dia em que, por cumpridos 5/6 das penas que se encontrava a cumprir em virtude das condenações referidas em 33) e 37), foi colocado em liberdade condicional.

    6) Em virtude da liberdade condicional a ser concedida ao arguido e da chamada da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a informar de tal facto, bem como que aquele tinha expressado intenção em viver para a casa mencionada na alínea 3), a assistente BB decidiu sair da mesma e ir viver com a sua mãe, na habitação sita na Rua ..., em ..., ....

    7) A assistente BB, as filhas DD e CC e, ainda, o companheiro desta, FF, nas circunstâncias de tempo anteriores às mencionados nas alíneas 5) e 6), residiam na Rua ..., da União de Freguesias ..., do Concelho ....

    8) No dia 25 de Fevereiro de 2022, pelas 19h30, o arguido dirigiu-se à habitação sita na Rua ..., em ..., ... e referida alínea 6), tendo-se introduzido no interior da mesma, mas numa distância não superior a um metro do portão de entrada, sendo que, entretanto, a assistente GG, porque avisada da possibilidade da sua chegada, procurou ir fechar os portões de acesso ao logradouro, todavia quando chegou a este já ali se encontrava o arguido, pelo que se muniu de pau e, com medo, gritou “aque-d’el-rei!”.

    9) FF, acorreu ao local, que acabou por conseguir expulsar o arguido do local.

    10) Enquanto o arguido abandonava o local, dirigindo-se à ofendida disse-lhe: “és uma ladra, vou-te foder”.

    11) O arguido, nas circunstâncias descritas em 7) a 10), encontrava-se sob o efeito do álcool.

    12) No dia 5 de Março de 2022, o arguido deslocou-se ao bar do campo de futebol clube “...

    ”, e, sob o efeito do álcool, dirigiu-se ao companheiro da ofendida, HH, dizendo “eu sei onde é que tu dormes, tu dormes lá em cima e um dia vou lá cima e mato-vos aos dois”, tendo este, mais tarde, contado tal episódio à assistente BB.

    13) No dia 29 de Março de 2022, pelas cerca das 03h50, o arguido encontrava-se agarrado às grades do muro da entrada da residência, estando a erguer e a tirar telhas do coberto e, tendo a assistente BB o avistado, de imediato, chamou o seu companheiro, vindo, posteriormente, aquela a sair do interior da sua casa e ido ter com o arguido, munindo-se com um pau, que levou na mão.

    14) Na sequência do referido em 13), a assistente BB abordou o arguido, saindo do logradouro para a via pública e, mantendo o pau com que se muniu erguido, encontrou-se com aquele na via pública, na zona junto ao mencionado coberto.

    15) Após ter questionado aquele sobre o que andava ali a fazer, o arguido respondeu “ando a passear”, ao que a assistente, após, acabou por regressar à sua casa e, enquanto o fazia, o arguido apelidou-a de “Puta! Puta! Puta!”.

    16) A assistente BB sente receio porque não sabe qual o motivo que leva o arguido a deslocar-se àquele local de madrugada.

    17) A 11 de Abril de 2022 foi aplicada medida de coacção de prisão preventiva ao arguido AA, tendo nesse dia dado entrada no Estabelecimento Prisional ....

    18) Ao actuar pelo modo descrito, teve o arguido o propósito de humilhar, amedrontar e infligir sofrimento psíquico à ofendida, o que esta sentiu, tendo vivido em sobressalto por força da conduta daquele.

    19) o arguido, através da insistência e reiteração de tais situações, agiu sempre de modo a causar receio de si na ofendida, pretendendo perturbar-lhe a sua vida e não lhe permitir paz e tranquilidade.

    20) O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas pela lei penal.

    Do pedido de indemnização civil de BB: 21) Em virtude da actuação do arguido e referida nas alíneas 8) a 20), a assistente BB sentiu, além do mencionado em na alínea 18), medo, inquietação, nervosismo e tristeza.

    Situação socioeconómica do arguido: 22) O arguido completou o 4.º ano de escolaridade e iniciou-se profissionalmente como servente de construção civil, chegando a emigrar para a ....

    23) Dedica-se à prática de agricultura de subsistência e presta serviços (jornal), nesta área, a vizinhos.

    24) O arguido passa um tempo indeterminado, mas que consubstancia a sua grande parte, dos seus tempos livres em cafés e tascas da freguesia, mormente no “...

    ”, no qual ingere bebidas alcoólicas até ficar no estado de embriagado, o que lhe provoca alterações de humor e controlo.

    25) Em virtude da problemática alcoólica e comportamentos associados, o arguido AA sujeitou-se a processos de desintoxicação e consequentes tratamentos, respectivamente na Casa de Saúde ..., no serviço de psiquiatria do Hospital ..., e, em 2014, na Comunidade Terapêutica - Projecto Homem, onde cumpriu um programa terapêutico pelo tempo mínimo de seis meses, concluído a 17 de Março de 2015, tendo recusado prossegui-lo por mais tempo, conforme lhe foi aconselhado pelos terapeutas.

    26) Em virtude do referido nas alíneas 24), 25) e 33) a 39), a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens interveio junto de AA e BB, vindo a filha (à data menor de idade) DD ser retirada de casa e institucionalizada, temporariamente, em ..., até que, no âmbito de um Processo de Promoção e Proteção, que correu termos no Tribunal de Família e Menores ..., foi aquela entregue provisoriamente à irmã CC, empregada comercial, sob a condição de ambas passarem a residir de forma autónoma, ficando o arguido impedido de contactar com aquela.

    27) Em liberdade condicional, AA reintegrou a casa de morada de família referida em 3), onde residiu com as duas filhas CC e DD e o companheiro daquela, FF.

    28) O filho EE, emigrante em ..., quando soube da concessão da liberdade condicionado do arguido, veio por um período de férias a Portugal, por sentir receio de que o pai se envolvesse em conflitos com as irmãs CC e DD.

    29) No decurso desse período, o relacionamento interpessoal agudizou-se entre ambos, o que deu origem a duas queixas-crime na GNR, uma do filho EE contra o arguido AA e vice-versa.

    30) Na sequência do referido, AA abandonou a casa e passou a pernoitar numa casa inacabada próxima da dele, sem condições de habitabilidade, propriedade de um irmão, não obstante, ter de recorrer à casa morada de família, para realizar tarefas de higienização da roupa. Em meados de Novembro de 2021, CC, DD e...

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