Acórdão nº 208/23 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2023

Data20 Abril 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 208/2023

Processo n.º 911/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A. e B. e recorridos o Ministério Público e outros, foram interpostos os presentes recursos, ao abrigo da alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 5 de maio de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 709/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento dos objetos dos recursos interpostos.

Desta decisão apresentaram os recorrentes reclamação para a conferência.

Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento das reclamações, nos seguintes termos:

«O representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe, vem dizer o seguinte:

1.º

Pela douta Decisão Sumária n.º 709/2022, decidiu-se não tomar conhecimento do objecto dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional por A. e B., ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).

2.º

Com efeito, conforme resulta do discernido e exposto naquela douta decisão sumária, o objecto das questões de constitucionalidade convocadas pelo recorrente A. encontra-se delimitado nos seguintes termos:

i. [N]ormas dos conjugadas artigos 283.°, n.° 3, alíneas c) (atual alínea d), na redação que lhe foi dada peia Lei n.° 94/2021, de 21 de Dezembro), e 358,°, n.°s 1 e 3 e 380.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que a omissão na Acusação e no Despacho de Pronúncia de imputação jurídico-penal, com indicação de todas as disposições legais aplicáveis, configura um mero lapso, podendo e até se impondo ao juiz de julgamento que proceda à correção ou retificação desse lapso/omissão, complementando a acusação/pronúncia através da imputação das disposições legais aplicáveis aos factos nelas descritos, ao abrigo do disposto no art.° 358.°, n.° 3 ou mesmo à luz do art.º 380.°, n.° 3, ambos do CPP»;

ii. «[N]ormas conjugadas dos artigos 283.°, n.° 3, alínea e c) (atual alínea d), na redação que lhe foi dada peia Lei n.° 94/2021, de 21 de Dezembro), 358.°, n.° 3 e 380.°, n,° 3, todos do Código de Processo Penal, no sentido de que o juiz de julgamento pode proceder, ex novo, à qualificação jurídica de factos descritos na Acusação ou Despacho de Pronúncia, imputando ao Arguido a prática de um crime pelo qual não vinha acusado nem pronunciado e que tal imputação, efetuada ex novo a final da audiência de discussão e julgamento se enquadra numa alteração não substancial dos factos, admissível nos termos do n.° 3, do art.º 358.°, ou até numa mera correção/retificação daquelas peças processuais admissível nos termos do art.º 380.°, n.° 3, do mesmo diploma legal, se traduz numa mera correção de um lapso e não afeta o direito de defesa do visado por tal alteração» e

iii. «[N]orma do artigo 283.°, n.° 3, alínea b), do Código de Processo Penal, no sentido de que a Acusação e a Pronúncia da qual constem todos os factos integradores do elemento subjetivo do tipo incriminador imputado, em todas as suas vertentes, nomeadamente o que concerne à consciência da punição, se traduz numa nulidade relativa, bem como o facto de no Acórdão condenatório não se ter dado como provado, nem como não provado, que o arguido agiu sabendo que a sua é proibida e punida por lei, se trata de um lapso manifesto e irrelevante da decisão condenatória que já vem da acusação/pronúncia e, como tal, sanado”.

3.º

No que concerne ao recorrente B., nas três questões identificadas e delimitadas, questiona o recorrente a constitucionalidade do:

“i. Artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que «o recorrente que pretenda ver o seu recurso de decisão que conheça a final do objecto do processo, apreciado em audiência no Tribunal da Relação não pode apresentar como pontos a discutir todos aqueles que invocou no seu recurso, sob pena de indeferimento da sua pretensão»;

ii. Artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que «o recorrente que pretenda ver o seu recurso de decisão que conheça a final do objeto do processo, apreciado em audiência no Tribunal da Relação deve, para além de especificar os pontos que pretende ver debatidos, apresentar uma exposição dos motivos, acrescidos e excepcionais, que justificam e o levam a requerer a audiência» e

iii. Artigo 127.º do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que «ainda que a prova produzida e as regras da experiência permitam ou não colidam com mais do que uma solução, nomeadamente com aquela que é apresentada peio arguido, se a decisão do julgador devidamente fundamentada, for uma das soluções possíveis segundo as regras da experiência, ela será”.

4.º

Ora, perante tais formulações das questões de constitucionalidade a sujeitar ao Tribunal Constitucional - enquadradas pela constatação de que a maioria delas não foi suscitada de modo processualmente adequado, em termos de impor ao tribunal “a quo” a obrigação de delas conhecer, a que acresce a verificação de que, noutros casos, as interpretações normativas identificadas não mereceram aplicação, enquanto ”ratio decidendi” da douta decisão recorrida e não comportam dimensão normativa -, afigura-se-nos que não poderia o Exm.º Sr. Conselheiro relator, ao confrontá-las com o teor das doutas decisões recorridas, deixar de decidir - como decidiu - não conhecer dos objectos dos recursos interpostos, entendimento que acompanhamos, embora com distintos fundamentos.

5.º

Na verdade, resulta evidente do conteúdo da douta decisão reclamada, a qual interpreta cabalmente o teor do requerimento do recurso interposto pelo recorrente A. que, no que às duas primeiras questões de constitucionalidade concerne:

“[N]em nas conclusões da motivação desse recurso [que apreciou o recurso intercalar], nem nas conclusões da motivação do recurso posteriormente interposto sobre o acórdão condenatório, o arguido, ora recorrente, observou o disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC. Em ambos os casos o recorrente identificou os artigos em apreço – artigos 283.º, n.º 3, alínea c), 308.º, n.º 2, 358.º, n.os 1 e 3, 359.º, n.os 1 e 3, 380.º, n.os 1 e 5 e 97.º, n.º 5, todos do Código de Processo Penal –, mas não enunciou o conteúdo da norma ou normas que considera serem inconstitucionais, antes remetendo para a «interpretação normativa (…) efectuada no Acórdão recorrido».

Este Tribunal tem vindo a entender que, quando «se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um tal sentido» (Acórdão n.º 106/99).

Em face do exposto, não se pode conhecer desta parte do objeto do recurso”

6.º

No que toca à terceira questão, nomeadamente ao seu primeiro segmento, verificou o Tribunal que “nas conclusões do recurso interposto, o recorrente não suscitou, de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade da norma que agora define como objeto do recurso”.

7.º

Já quanto ao segundo segmento desta terceira questão, o Sr. Conselheiro relator considerou não se revelar “possível extrair a norma a sindicar do preceito referido pelo recorrente, dado que este regula somente as nulidades da acusação. Sobre os vícios que possam afectar as decisões judiciais condenatórias, no que concerne à omissão de pronúncia relativamente a determinados factos tidos por relevantes para o apuramento da responsabilidade criminal de um arguido – designadamente não os dando nem como provados, nem como não provados –, não rege tal preceito, razão pela qual não pode ter-se como extraível do artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, uma norma nos termos da qual possa configurar «um lapso manifesto e irrelevante da decisão condenatória», já sanado, um caso em que o «no Acórdão condenatório não se ter dado como provado, nem como não provado, que o arguido agiu sabendo que a sua é proibida e punida por lei». Tal obsta a que possa ser apreciada no presente recurso, por não corresponder a uma verdadeira norma”.

8.º

Ora, confrontado com as inferências alcançadas pela douta Decisão Sumária n.º 709/2022 quanto às suas pretensões, o ora reclamante A. não logra controvertê-las eficazmente, limitando-se a delas discordar, não conseguindo demonstrar a boa fundamentação da sua reivindicação.

9.º

É certo que o reclamante afirma que “[a]s questões de constitucionalidade foram, pois, suscitadas no recurso interposto do despacho proferido em 27 de Abril de 2021, tendo sido cumprido o ónus de suscitação prévia da inconstitucionalidade de tais normas” e que “[tTais questões foram também suscitadas no recurso que, em 24 de Junho de 2021, interpôs do douto Acórdão proferido em 7 de Maio de 2021, pelo Tribunal da 1.ª instância” mas, contudo, não demonstrou ter logrado identificar as interpretações identificadas em termos de o Tribunal, no caso de as vir a julgar inconstitucionais, as poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que tais normas não podem ser aplicadas com o sentido desvendado; nem conseguiu demonstrar a natureza normativa e adequação da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT