Acórdão nº 227/23 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução24 de Abril de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 227/2023

Processo n.º 100/2023

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. A., arguido e aqui recorrente, “foi em 17.03.2022 ouvido em interrogatório judicial de arguido, tendo-lhe sido aplicadas as medidas de coação de prestação de caução no montante de seis milhões de euros, por qualquer meio admitido em direito, obrigatoriedade de se apresentar trimestralmente perante as autoridades portuguesas, proibição de se ausentar do país até à data em que preste integralmente a caução e proibição de se ausentar para fora da zona Schengen, com a concomitante entrega imediata dos seus passaportes devendo ser comunicada às autoridades competentes a decisão sobre tal medida”. Veio recorrer dessa decisão – do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), formulando, a final, as seguintes conclusões:

“A- Nos termos do disposto nos artigos 118º e seguintes do Cód. Penal, o conhecimento da prescrição do procedimento criminal é oficioso, sendo certo que o prazo de prescrição começa a correr desde o dia em que o facto alegadamente criminoso se tiver consumado, interrompendo-se com a ocorrência dos eventos referidos no artigo 121º do Código Penal, designadamente com a constituição de arguido, iniciando-se após tal ocorrência novo prazo prescricional, cujo decurso extingue o procedimento criminal.

B- De entre os crimes alegadamente cometidos pelo Arguido Recorrente os eventuais crimes de abuso de confiança agravado são puníveis com pena de prisão até 8 anos de cadeia e os eventuais crimes de branqueamento são puníveis com penas diferentes, sendo certo que eventuais crimes de abuso de confiança são os crimes subjacentes aos eventuais crimes de branqueamento de capitais.

C- O prazo prescricional, para os crimes de abuso de confiança é de 10 (dez) anos, aplicando-se o mesmo prazo (10 anos) para os crimes de branqueamento de capitais, considerando o disposto no artigo 368º - A, n.º 12, do Cód. Penal e o princípio da proporcionalidade.

D- O prazo prescricional interrompe-se com a constituição de arguido, iniciando-se, assim, uma nova contagem do prazo.

E- Nos termos do disposto no artigo 58º, nº 1, alínea b), do Cód. de Proc. Penal, é obrigatória a constituição como arguido quando tenha de ser aplicada a uma pessoa una medida de coação ou de garantia patrimonial, e, ainda, nos termos do nº 2 do artigo em questão, a constituição de arguido pode ser feita por comunicação oral.

F- O presente processo iniciou-se em 7 de setembro de 2011; em 10 de outubro de 2011 foi, contra o Arguido, decretada una medida de garantia patrimonial – arresto – decretação essa que implicou, nos termos da lei, a obrigatoriedade da sua constituição como Arguido.

G- O Arguido ora Recorrente impugnou o despacho proferido a 10 de outubro de 2011, tendo o Ministério Público respondido tendo-se referido ao Recorrente como Arguido.

H- Também a 28 de fevereiro de 2012 o Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão de tal impugnação, também trata o ora Recorrente como Arguido.

I- Não foi proferido nenhum despacho pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal nos termos dos números 3 ou 5 do artigo 192º do Código de Processo Penal.

J- Assim, o ora Recorrente foi constituído Arguido nos presentes autos, eventualmente oralmente, nos termos da lei, no momento em que contra si foi decretada a medida de garantia patrimonial, em 10 de outubro de 2011, ou, no limite, e por aplicação do legalmente previsto, nas 72 horas seguintes, ou seja, em 13 de outubro de 2011.

K- É a partir dessa data – constituição de arguido, em 13 de outubro de 2011 –, que, nos termos do disposto no artigo 118º, n.º 1, alínea b), ex vi artigos 205º, n.ºs 1 e 4, alínea b) e artigo 368º A, n.º 12, todos do Código Penal, deve contar-se o prazo prescricional de dez anos do presente procedimento criminal, prazo esse que passou em 13 de outubro de 2021.

L- À data atual, em que se minuta e entrega o presente recurso, é de 29 de abril de 2022 e, até agora, não foi encerrado o inquérito nem foi proferida acusação contra o Arguido ora Recorrente, sendo que já estamos mais de seis meses depois da data em que o Arguido ora Recorrente entende que prescreveu o procedimento criminal.

M- Tendo presente tudo o que em cima vai dito é claro para o Arguido ora Recorrente que o presente procedimento criminal está prescrito quanto aos factos referidos no despacho que se impugna e aí considerados presumíveis crimes e deve ser, quanto a todos os factos praticados até 29 de abril de 2012, definitivamente arquivado, com as legais consequências, o que se requer seja declarado por esse Tribunal superior, pois a prescrição, repete-se, é de conhecimento oficioso e pode ser, no entendimento do Arguido ora Recorrente, aqui aduzida.

N- Não declarar a prescrição viola os artigos 589, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, 118º, n.º 1, alínea b), 1219, n.º 1, alínea a) e 2, 368º-A, n.º 12, do Código Penal.

DAS MEDIDAS DE COAÇÃO APLICADAS

O- O corolário das medidas de coação vem transcrito no artigo 193º, do Código de Processo Penal tendo por certo que as mesmas obedecem, sem reservas, aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, sendo que, além do mais, tais medidas estão sempre sujeitas ao princípio da legalidade, tendo as mesmas de obedecer estritamente à lei.

P- O ora Recorrente é Arguido no presente processo há mais de onze anos, tendo prestado – aliás, por várias vezes – neste processo a medida de coação Termo de Identidade e Residência, tendo sido promovidas e decretadas medidas de garantia patrimonial, tendo sido, todas elas, revogadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

O- O Arguido ora Recorrente foi alvo, em jurisdições estrangeiras – Suíça e Angola –, de processos crime em que se investigava exatamente os factos que neste processo estão em investigação há mais de onze anos, tendo visto tais processos arquivados por falta de indícios de atividade criminosa da sua parte.

R- O que foi apresentado ao Arguido ora Recorrente, no dia 17 de março de 2022, não consubstancia a existência de factos novos.

S- Não existem nenhuns factos novos que façam precipitar o MP e o JC a promover e a decidir esta alteração nas medidas de coação, sendo que o corolário da inexistência de factos novos a passagem em que o próprio JIC reconhece, no despacho que se impugna, «O arguido tomou, nesta data, conhecimento mais aprofundado dos factos já apurados nos autos e das possíveis sanções que, pela sua prática podem vir a sancioná-lo (...)». pág. 98 do despacho (itálico e sublinhados nossos).

T- Encontra-se noutras duas passagens do despacho de que ora se recorre o que precipita esta alteração das medidas de coação impostas ao Arguido ora Recorrente:

«A gravidade dos factos já apurados, os elevados fluxos financeiros identificados e os prejuízos causados pelas condutas aqui em apreço, (...) são permanentemente invocados na praça pública carecendo a opinião pública de um desfecho, também para este capítulo da história do BES»,

e;

«Nessa medida, aplicação de uma medida de coação ao arguido, para além do T.I.R. já prestado impõe-se, também como modo de repor a paz pública. De outro modo, é palpável o perigo de perturbação da ordem pública, perante uma inação judicial que acautele o perigo de fuga do arguido» (itálicos e sublinhados nossos).

U- Com o devido respeito, que é muito, a preocupação é a opinião pública!

V- O despacho de que ora se recorre dedica bastantes páginas ao "perigo de fuga" como justificativo do agravamento das medidas de coação, sendo certo que não há qualquer perigo de fuga e o Arguido ora Recorrente compareceu sempre que foi convocado no âmbito deste inquérito.

W- Desde logo, há que destacar, conforme consta dos autos e ao contrário do que é referido pelo Tribunal a quo, o Recorrente, aquando da diligência de dia 17 de março de 2022, apesar de estar a organizar as homenagens fúnebres do seu falecido pai em Angola (as quais iriam ocorrer no dia 19 de março de 2022), não só se deslocou propositadamente a Portugal para comparecer nessa diligência, como tinha bilhetes de avião para regressar a Angola nesse mesmo dia (17.03.2022) e retornar a Portugal no dia 21 de março de 2022, o que demonstra, sem margem para dúvidas que não faz qualquer sentido aludir a um eventual "perigo de fuga" – o Recorrente ausenta-se de Portugal sempre com a perspetiva de logo regressar.

X- A mera alienação de imóveis não sugere um "perigo de fuga” visto que o ora Recorrente tem uma sociedade que se dedica à compra e venda de imóveis e, ao longo destes anos, o ora Recorrente reforçou a sua presença em Portugal, seja através da aquisição de património imobiliário, seja através de formação e aquisição de novos negócios.

Y- O despacho proferido pelo Tribunal a quo faz referências a eventuais perturbações sociais que não fazem sentido com a análise do caso concreto.

Z- Durante onze anos nunca se revelou necessária nenhuma medida de coação mais grave que o Termo de Identidade e Residência e só em março de 2022 é que o Tribunal entende que afinal é necessário alterar as referidas medidas para uma caução de seis milhões de euros e privar o arguido da liberdade de circulação, não especificando os factos que conduzem a esta alteração.

AA- O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não apresenta factos que conduzam a uma necessidade de agravamento das medidas de coação, a não ser a "convicção" (itálico nosso) no facto de o Recorrente ter o conforto de já ter tido provimento por variadíssimas ocasiões junto do Tribunal da Relação, como aliás é referido expressamente pelo Tribunal a quo a págs. 164/165 do despacho de que ora se recorre:

«O arguido mostrou-se disponível, porque até agora o inquérito se arrastou e nunca foram retiradas...

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