Acórdão nº 130/21.5PAABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução18 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Singular, que com o nº 130/21.5PAABT, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Abrantes, o Ministério Público deduziu acusação contra: - AA, casado, nascido em 20-12-1988, natural da freguesia de Álvaro, do concelho de Oleiros, filho de BB e CC, canalizador, atualmente desempregado e residente na Avenida …, em Abrantes.

Imputando-lhe a prática em autoria material, na forma consumada, de 2 (dois) crimes de violência doméstica, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 152º, nº 1, alíneas a) e d) nº 2, alínea a), nº 4 e nº 5, do Código Penal.

O arguido apresentou contestação oferecendo o merecimento dos autos, mas não requereu produção de prova.

Realizado a audiência de julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual se decidiu: - Julgar a acusação improcedente, e consequentemente, absolver o arguido AA da prática de dois crimes de violência doméstica.

- Absolver o arguido AA da instância por inexistência de acusação particular relativamente ao crime de injúrias, previsto e punido pelo artigo 181º do Código Penal e em face disso, considerar não assistir legitimidade ao Ministério Público para o exercício da ação penal (artigos 48º e 49º do Código de Processo Penal).

(…) Inconformado com esta sentença absolutória, o Ministério Público, da mesma interpôs o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): A. Vem o presente recurso interposto da sentença que absolveu o arguido AA da prática, como autor material e forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 14º, 26º e 152º, nº 1, alínea a), nº 2, nº 4 e nº 5, do Código Penal, na pessoa da sua mulher CC.

B. Desde já sublinha que mantém o interesse em que seja apreciado o recurso interposto, em 04-01-2022 (Ref.ª 24331), do despacho interlocutório proferido em 07-12-2022, que decidiu não proceder à leitura do auto de denúncia de fls 3 a 5, o qual faz parte integrante das declarações prestadas pela vítima CC em sede de inquérito, a fls 51 a 53.

C. No que à sentença recorrida diz respeito, salvo melhor opinião, a sentença recorrida padece dos vícios de erro notório na apreciação de prova e de contradição insanável da fundamentação, previstos nas alíneas a) e c) do nº2 do artigo 410º do Código de Processo Penal. Com efeito, D. O Tribunal a quo derrogou o conteúdo probatório do relatório pericial de avaliação do dano em corporal em direito penal a fls 15 a 17, sem fundamentação qualificada para o efeito, ou seja, em contravenção com o disposto dos artigos 157º e 163º, ambos do Código de Processo Penal.

E. De acordo com as conclusões do relatório pericial o edema ligeiro da região da articulação temporomandibular direita, com limitação álgica da abertura bucal, é compatível com informação do evento narrada pela vítima, onde é referido que o arguido lhe deferiu bofetadas.

F. O Tribunal a quo desconsiderou tal juízo técnico-científico do senhor Perito, não obstante referir que “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (artigo 163º/1 do Código de Processo Penal), o que é contraditório e viola a prova tarifada.

G. O Tribunal a quo fez prevalecer os testemunhos dos agentes da PSP DD, EE e FF, os quais declararam que não viram marcas visíveis no rosto da vítima no dia dos factos, e ainda as declarações do arguido, que negou ter desferido a bofetada, em detrimento do aludido juízo técnico-científico do senhor perito, para concluir que a chapada não foi desferida com a intensidade suficiente para causar um edema na face direita com limitação álgica de abertura bucal, e, consequentemente, classificar o depoimento da vítima de hiperbólico e desprovido de verosimilhança.

H. O Tribunal a quo não tem conhecimentos técnicos iguais aos dos peritos na avaliação do dano corporal em direito penal (no caso vertente), pelo não poderá, sem mais, desconsiderar o resultado obtido pela perícia, tanto mais daí retirando que a chapada não foi desferida com a intensidade suficiente para causar um edema na face direita com limitação álgica de abertura bucal, o que nem corresponde sequer ao resultado a que chegou o perito.

I. Tratando-se de exame pericial o resultado obtido no mesmo apenas pode ser colocado em crise por outro meio de prova idêntico e nunca pela análise das testemunhas, ou pelas declarações do arguido, o que aparenta ter sucedido no caso vertente.

J. Para que o Tribunal a quo pudesse legalmente afastar a presunção legal de verdade técnica e cientifica do laudo da perícia médico-legal, era necessário que tivesse rebatido, tecnicamente e cientificamente, cada uma e todas as conclusões em que culmina o relatório da perícia médico-legal.

K. Ademais, diversamente do que sucede com o Arguido (cujo estatuto processual lhe confere o direito de dizer o que entender em prol da sua defesa), a vítima (apesar de parte interessada na sorte do processo) está sujeita ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação (artigos 145º, n° 2, do Código de Processo Penal, e 359º, nº 2, do Código Penal).

L. Pelo que também não vemos qualquer razão para que as declarações da vitima não devam merecer credibilidade; até porque são "corroboradas" pela lei e pelo relatório pericial.

M. Conclui-se, deste modo, que o Tribunal a quo não só interpretou erradamente o resultado do exame pericial, como não o valorou em conformidade com o disposto na norma aplicável do artigo 163º, no seu nº 2, do Código de Processo Penal, violando assim prova vinculada, o que configura um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal.

N. Dado o exposto, em conformidade o principio da prova tarifada o Tribunal a quo devia ter considerado: parcialmente provado o constante da alínea m) dos factos não provados, com a seguinte redacção: De seguida, o arguido AA (…) desferiu-lhe uma chapada na face do lado esquerdo, causando-lhe dor nos locais do corpo atingidos; e integralmente provada a constante das alíneas o), p), t) y), z) e aa) dos factos não provados.

O. Sem prejuízo do recurso interposto do despacho interlocutório mencionado na alínea B. supra, tais factos configuram os elementos objectivos e subjectivos de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, do Código Penal.

Consequentemente, devia Tribunal a quo ter condenado o arguido na prática deste crime.

P. O Tribunal a quo derrogou ainda o teor certidão do processo nº 424/19.0PAABT de fls. 104 a 139, por no seu entender não poder ser valorada em desfavor do arguido processos pendentes e ainda não transitados, em contravenção com o disposto do artigo 71º, nº 2, alínea e) do Código Penal [vide alíneas a) a d) dos factos não provados].

Q. A circunstância de um arguido ter beneficiado da suspensão provisória do processo no âmbito de um inquérito, sobretudo pela prática do mesmo tipo legal de crime pelo qual se encontra a ser julgado (realidade facto demonstrada na aludida certidão), não pode ser ignorada pelo Tribunal, sendo de sopesar essa circunstância em desfavor do arguido, ainda que não se trate de um antecedente criminal.

R. Face ao disposto no citado artigo 71º, nº 2 do Código Penal, todas as circunstâncias relativas ao facto e ao agente que não fazendo parte do tipo legal de crime, que depõem a favor ou contra o arguido, nas quais se inclui a suspensão provisória do processo, são efectivamente relevantes para a determinação da medida concreta da pena.

S. Nestas circunstâncias, tais factos constantes das mencionadas alíneas a) a c), devem ser considerados integralmente provados e valorados, uma vez que está efectivamente demonstrado nos autos por prova documental, conforme cit. certidão do processo nº 424/19.0PAABT de fls. 104 a 139.

T. A sentença recorrida padece ainda do vício de contradição insanável na fundamentação, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), 1ª parte, do Código de Processo Penal. Com efeito, U. A Mma Juiz a quo deu como provado e não provado que “Aí chegado e depois de CC abrir a porta da residência, o arguido AA atirou a mala deste para o chão.” [vide ponto 4 dos factos provados e alínea j) dos factos não provados].

V. Da análise do ponto III fundamentação de facto resulta que os factos constantes dos pontos 3 a 5 foram dados como provados com fundamento nas declarações confessórias do arguido, não se descortinando que a convicção do Tribunal a quo nessa parte tenha sido infirmada por outro meio de prova.

W. Consequentemente, por imperativo de coerência lógica, impõe-se eliminar a alínea j) da factualidade não provada.

X. Quanto ao mais constante das alíneas f) a i), l), m) n), s), e u) a w) dos factos não provados, impõe-se previamente conhecer/apreciar o recurso interposto pelo Ministério Público mencionado no ponto B supra.

Y. Não tivesse o Tribunal a quo dado o dito por não dito naquele seu despacho, eventualmente, a decisão sobre a mencionada factualidade seria outra e o arguido condenado pelo crime de que vinha acusado.

Z. Razão por que a mesma vai aqui impugnada, uma vez que que com aquele despacho o Tribunal a quo impediu a descoberta da verdade material sobre tal factualidade.

Dado o exposto, e o imprescindível e esperado suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida na parta ora impugnada e o arguido AA condenado na prática como autor material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, do Código Penal, na pessoa da sua mulher CC, sem prejuízo do aludido recurso interposto, em 04-01-2022 (Ref.ª 24331) e, bem assim, do disposto do artigo 358º, nº 1 e nº 3, do Código de Processo Penal.

Assim se fará Justiça.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no...

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