Acórdão nº 72/19.4GBGDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução18 de Abril de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo de Instrução Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo de instrução n.º 72/19.4GBGDL, no qual, mediante despacho judicial, foi decidido não admitir o requerimento para abertura da instrução (1) apresentado pelo assistente AA por inadmissibilidade legal

Inconformado com essa decisão, recorreu tal assistente, terminando a motivação do recurso com as seguintes (transcritas) conclusões: “1. O presente Recurso tem por objeto o despacho proferido pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal a fls…, que indeferiu o requerimento de abertura da instrução por considerar que este não enumera os factos concretos e objectivos que considera terem sido praticados pelo denunciado, limitando-se a repetir em sede de abertura de instrução toda a história factual trazida à lide com a denúncia

  1. Pugna que o assistente não elabora uma verdadeira acusação conforme dispõe o artigo 283º, nº 3 do CPP, pelo que não existindo esta acusação alternativa (atendendo ao arquivamento do processo pelo Ministério Público) não se encontra definido o respetivo objeto do processo

  2. Refere, ainda, que pela falta da imputação objectiva e subjectiva dos factos ao seu autor/arguido, a realização da instrução constituiria um ato inútil e/ou inexequível, o que é proibido por lei

  3. Contudo, não pode o assistente concordar com tais juízos

  4. O requerimento para abertura da instrução por si formulado, independentemente dos estilos quanto à sua apresentação, cumpre todos os requisitos legais, quer formais quer substantivos

  5. Refira-se que o Mandatário do assistente sempre formulou requerimento de abertura de instrução com a estrutura apresentada no caso concreto, nunca tendo sido rejeitado por qualquer Tribunal Instrução Criminal, com fundamentação de inadmissibilidade legal

    Independentemente disso, 7. estabelece a lei, no artigo 287º, nº2 do Código Processo Penal, que o requerimento para abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como sempre que disso for o caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável no requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283º. (sublinhado da signatária) Sucede que, 8. No seu requerimento de abertura de instrução, nos termos do disposto no artigo 287º n.º 2 e 3 do CPP, o assistente, ora Recorrente, expôs as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação por parte do MP, indicou novos atos instrutórios a realizar, alertou para outros meios de prova que não foram considerados em sede de inquérito, referenciou detalhadamente a que matérias de facto deviam ser vertidas as inquirições de novas testemunhas

  6. Certo é que o requerimento para abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, conforme dispõe o nº 3 do artigo 287º do C.P.P., porém nenhuma destas situações ocorrem, de todo, no caso concreto

  7. O assistente no seu requerimento de abertura de Instrução, mormente nos artigos 2º a 12º e 17º, 28º, 29º, 37º a 39º, fez a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, tendo incluído o lugar, o tempo, a motivação da sua prática, assim como o grau de participação que o agente neles teve, factos relevantes para a determinação da sanção que lhe deveria ser aplicada

  8. Existe um juízo de prognose favorável no que tange à possibilidade de condenação do arguido em julgamento

    Veja-se, 12. no artigo 3º do Requerimento para abertura de instrução, que aqui se transcreve, giza o seguinte: “o arguido, nesse mesmo dia (dia indicado no artigo 2º), no período compreendido entre as 19h53 e as 20h33, com recurso à rede social Facebook, (…) estás fodido comigo… comigo não brincas já cá estava quando nascestes.” “Era para te fazer uma visita ontem mas certamente tenho mais oportunidades a curto prazo porque parece que não ouves bem ou lês mal não tenho medo de passarinhos como tu” (…)”

  9. Por outro lado, o artigo 4º do mesmo Requerimento estabelece que: “Da mensagem supra transcrita, de imediato, ressalta que, por parte do arguido, a prática do crime de ameaça p.e p. no artigo 153º, nº 1 do C. Penal.” 14. E ainda no artigo 6º: “o arguido ao escrever “…estás fodido comigo… comigo não brincas…”, “Era para te fazer uma visita ontem mas certamente tenho mais oportunidades a curto prazo…”, quis ameaçar o assistente com a prática de um crime contra a sua integridade física ou até vida e contra a sua liberdade pessoal, ao ponto de ameaçar o assistente que irá recorrer às redes sociais “Youtube”, com o intuito de denegrir a sua imagem, bom nome, reputação e honra.” 15. Mais, no artigo 37º do Requerimento o assistente é claro: “dúvidas não subsistem que, o conteúdo de tais mensagens, ao contrário do que o Ministério Público defendeu no seu despacho de arquivamento, em nada configuram e consubstanciam meras advertências efetuadas pelo arguido ao assistente, mas sim, muito pelo contrário, são consubstanciadoras de verdadeiras ameaças integradoras do crime previsto e punido no nº 1, do artigo 153º, do C.P., pelo qual o arguido deve ser pronunciado nesta sede.” 16. Continuando no artigo 38º: “o arguido ao enviar tais mensagens ao assistente, bem sabia que a sua conduta não lhe era permitida e punida por lei, agindo com dolo, consubstanciando a mesma um crime de ameaça e, por esse motivo, punível penalmente.” 17. Culminando no artigo 39º: “não se coibiu de praticar tal crime de ameaça p. e p. no artigo 153º, nº 1 do C.P., pelo qual, deve ser, nesta sede, pronunciado por V. Exa.” 18. Do exposto, jamais se pode concordar com a fundamentação do despacho recorrido e no qual rejeitou, assim, o requerimento formulado pelo assistente

  10. O requerimento para abertura de instrução, formulado pelo assistente, tem a estrutura de uma acusação, uma acusação alternativa ao despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público e está, nessa medida, sujeito aos requisitos legalmente exigidos (cfr decisões do acórdão do STJ de 13-01-2011, in www.dgsi.pt., os acórdãos da Relação de Coimbra, de 27 de Setembro de 2006 (proc. n.º 60/03.2TANLS.C1 e de 20 de janeiro de 2016 (proc. n.º 1/13.9GBFVN.C1, in www.dgsi.pt), o acórdão da Relação de Guimarães, de 14 de Fevereiro de 2005 (C.J., n.º 180, pág. 299) e o acórdão da Relação do Porto, de 1 de Março de 2006 (proc. n.º 0515574, in www.dgsi.pt)

    Todavia, ainda que assim não se entendesse, 20. sempre se impunha endereçar ao assistente convite ao aperfeiçoamento, uma vez que os factos narrados são claros e precisos, e não rejeitar liminarmente o requerimento

  11. Conforme decorre do despacho do Mmº Juiz de Instrução Criminal, o Acordão de fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal da Justiça nº 7/2005, publicado no DR I Série-A nº 212, de 4 de Novembro de 2005, fixou jurisprudência no sentido de não haver lugar ao convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução

    Porém, 22. andou mal o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito e melhor opinião, na análise e aplicação do Acordão de Fixação de Jurisprudência quanto a esta circunstância

  12. Certo é que estipulou o Acordão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2005, de 04.11.2005, que não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoamento, apenas e só, quando tal requerimento de abertura de instrução for omisso quanto à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido

    Sucede que, 24. tal omissão não se vislumbra no requerimento de abertura de instrução do ora recorrente, tanto mais porque este contem a descrição dos factos necessários ao preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime que se imputa ao arguido

  13. Dito isto, é claro que não pode ou não deve o intérprete ou o julgador, distanciado de uma interpretação sistemática, criar novas causas de inadmissibilidade, para além daquelas que resultam diretamente da lei, as quais não se revelam in casu

    Mais, 26. no que ao elemento subjetivo do crime imputado ao arguido diz respeito deve sempre admitir-se a possibilidade deste poder ser descrito através de factos que inequivocamente o revelem

    Assim, 27. o que importa, no essencial, é que o objecto do processo esteja bem delimitado e que os dados de facto susceptíveis de evidenciarem elementos psicológicos, como o dolo e a consciência da ilicitude, sejam de tal modo claros e evidentes que não tenha sentido algum pôr em causa a sua imputação, o que se verifica no caso concreto (neste sentido pugna o Acordão do Tribunal da Relação do Porto, processo nº 470/13.7PAGDM.P1, de 04.02, in http://www.dgsi.pt/)

  14. Note-se que, neste caso, o...

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