Acórdão nº 67/23.3YRCBR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelHELENA BOLIEIRO
Data da Resolução12 de Abril de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.

O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação apresentou, no dia 15 de Março de 2023, requerimento para execução de Mandado de Detenção Europeu (MDE), emitido pela Autoridade Judiciária de Espanha, relativo a AA, cidadão com nacionalidade portuguesa … e residente em Portugal no ..., ..., 1, ... ....

  1. O referido mandado foi emitido pelo 6.º Juízo de 1.ª Instância e Instrução de ..., em ... de 2016, para efeitos de procedimento criminal no âmbito do processo abreviado n.º 0000001/2013 PA 28/13, que tem por objecto a autoria do crime de prostituição coerciva, previsto e punido no artigo 188.º, n.º 1, e do crime de detenção ilícita (sequestro), previsto e punido no artigo 163.º, n.º 1, ambos do Código Penal Espanhol, imputada ao requerido AA, conjuntamente com BB, CC e DD.

  2. Com base nas informações divulgadas pelo Sistema de Informações de Schengen (SIS) – alerta SIS n.º 0005.02... / ES20012140151A0000001 – a Guarda Nacional Republicana, Comando Territorial ..., Destacamento Territorial ..., Posto ..., comunicou a detenção do requerido, efectuada pelas 10h35m do dia 14 de Março de 2023, o qual foi presente neste Tribunal pelas 14h45m do dia 15 de Março de 2023, onde foi de imediato ouvido, nos termos e dentro do prazo previsto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, e Lei n.º 115/2019, de ..., doravante, Lei n.º 65/2003), tendo então declarado não consentir na entrega ao Estado requerente, não renunciar ao princípio da especialidade e requerido prazo de oito dias para deduzir oposição, o que foi deferido.

    A detenção do requerido foi julgada válida e mantida (artigo 18.º, n.º 3 da Lei n.º 65/2003).

  3. Em prazo, o requerido AA deduziu oposição à execução do MDE, alegando para tanto o seguinte: No processo a que diz respeito o MDE, o requerido encontra-se indiciado de, em Março de 2011, vigiar e controlar as funcionárias de um clube nocturno, onde aquelas se dedicavam à prostituição, de transportá-las de uns clubes para outros quando estas se negavam a exercer a prostituição e ter mantido uma das testemunhas sob estrita vigilância sempre que se deslocava, limitando a sua liberdade de movimentos e usando de violência e intimidação sobre ela e outras que, como ela, trabalhavam nos clubes, impedindo-as de os abandonarem voluntariamente.

    Os factos descritos integram a prática de um crime de coacção para a prostituição (“prostitucion ativa”), punido nos termos do artigo 188.º, n.º 1 do Código Penal Espanhol, com pena de prisão até 3 anos, e a prática de um crime de sequestro (“detencion ilegal”), punido nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do Código Penal Espanhol, com pena de prisão até 5 anos.

    No ordenamento jurídico português, os factos descritos encontram enquadramento legal no crime de tráfico de pessoas, previsto nos termos do artigo 160.º, n.

    os 1, alínea a) e d), e 2 do Código Penal, punido com pena de prisão de 3 a 10 anos, e no crime de sequestro, previsto nos termos do artigo 158.º, n.

    os 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal, ao qual corresponde uma pena de 2 a 10 anos.

    O dever geral de executar mandados de detenção europeus, com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro 2002/584/JAI, de 13 de Junho, é limitado, nomeadamente, por motivos de não execução facultativa.

    Assim, tendo em conta o caso concreto, conforme o previsto no artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003, se “tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu”, a execução do MDE pode ser recusada.

    Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, salvo tratado ou convenção em contrário, a factos praticados fora do território português, é aplicável a lei portuguesa a qualquer agente, nacional ou não nacional, que tiver cometido, entre outros, os crimes previstos no artigo 160.º do Código Penal (ou seja o crime de tráfico de pessoas), desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português. O que quer dizer que, quando esteja em causa um crime de tráfico de pessoas, a lei portuguesa é aplicável a qualquer agente, independentemente da sua nacionalidade, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não seja possível ao Estado Português satisfazer o MDE para entrega da pessoa que praticou o crime num país estrangeiro, por ocorrer, um qualquer motivo de recusa. Portanto, não há dúvida de que, sendo aplicável a lei penal aos factos alegadamente cometidos, pelo requerido, num país estrangeiro, neste caso Espanha, relativos a um cidadão nacional, detido em território nacional, tem de ser competente a jurisdição portuguesa.

    O requerido encontra-se indiciado por factos ocorridos em Março de 2011, praticamente há 12 anos.

    Ora, o MDE foi emitido em .../.../2016 e somente em 14 de Março de 2023 foi o requerido detido.

    À luz da lei penal portuguesa, o artigo 118.º do Código Penal prevê o seguinte: “1 – O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: (…) b) Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos e não exceda dez anos”.

    Ou seja, os factos que justificaram a emissão do MDE encontram-se prescritos, de acordo com a lei penal portuguesa.

    Aplicando-se ainda o artigo 6.º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, atento o direito a um processo justo e equitativo, o que implica uma decisão em tempo útil, dificilmente conciliável com o enorme lapso temporal que mediou entre Março de 2011 e Março de 2023 (correspondente à data de detenção do requerido), colocando em crise o exercício do direito de defesa. O requerido reitera o que por ele foi dito em sede de sua audição, não renunciando, portanto, ao princípio da especialidade.

    Por fim, é cidadão de nacionalidade portuguesa e foi detido em Portugal, conta com 68 anos de idade e não tem qualquer suporte familiar em território espanhol.

    A garantia do Estado-Membro de emissão de que a decisão de entrega fica sujeita à condição de que o requerido, após ter sido ouvido, seja devolvido ao Estado Membro de execução, quer no decurso da fase de inquérito, para cumprimento de eventual medida de coacção, quer após audiência de discussão e julgamento que venha a condená-lo em pena privativa da liberdade, é uma conditio sine qua non para que o mandado de detenção possa ser executado, Deverá, pois, ser requerido ao Estado Membro emissor que forneça a garantia de devolução da pessoa procurada e, não sendo ela fornecida, deverá a execução do mandado de detenção ser recusada.

    O requerido AA termina pedindo que que a execução do mandado de detenção europeu seja recusada com fundamento na existência de causa de recusa, nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto.

    Sem prescindir, caso assim não se entenda e o requerido venha a ser entregue ao Estado-Membro emissor para procedimento criminal, deverá esse Estado Membro prestar a garantia prevista nos termos do artigo 13.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, sob pena de não o fazendo a execução do presente mandado de detenção ser recusada.

    * 5.

    O Exmo. Magistrado do Ministério Público respondeu à oposição, alegando que: Quanto à invocada causa de recusa de execução do MDE de prescrição do procedimento criminal (artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003), os factos que justificaram a emissão do mandado e pelos quais o requerido está indiciado constituem, para além do mais, um crime de tráfico de pessoas previsto e punido pelo artigo 160.º, n.

    os 1, alínea a), e 4, alínea d), do Código Penal, ao qual corresponde pena de prisão de 3 a 10 anos, mas agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo, pois, conforme vem descrito no expediente que acompanhou o presente MDE, o requerido actuava de forma conjunta e previamente concertado com outros três indivíduos … Deste modo, àquele crime pelo qual o requerido está indiciado cabe pena de prisão cujo limite máximo é superior a 10 anos e, consequentemente, é de 15 anos o prazo de prescrição do respectivo procedimento criminal, nos termos do artigo 118.º, n.º 1, alíneas a) e i), do Código Penal.

    Logo, tal prazo não se encontra ainda decorrido, em face da lei penal portuguesa pelo que, por esta via, não existe motivo para recusa da execução do MDE.

    Mesmo que assim não fosse e tivesse ocorrido já a prescrição do respectivo procedimento criminal em face da lei penal portuguesa, tal não significaria que o presente MDE não deveria ser executado, pois conforme resulta do artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003, a prescrição do procedimento criminal em face da lei penal portuguesa é um motivo de não execução facultativa do MDE desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado.

    Ora, o artigo 5.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal prevê que a lei penal portuguesa seja aplicável a factos cometidos fora do território nacional quando estiver em causa, entre outros, o crime de tráfico de pessoas pelo qual o requerido está indiciado, desde que o agente seja encontrado em Portugal “…e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português”.

    Assim, podendo o requerido ser entregue às autoridades do país onde os factos foram praticados através da execução de mandado de...

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