Acórdão nº 491/18.3PAMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelLUÍS TEIXEIRA
Data da Resolução12 de Abril de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Luis Teixeira 1.º Adjunto: Vasques Osório 2.º Adjunta: Maria José Guerra Acordam em conferência, na 4ª Secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

I 1. Nos autos supra identificados, foi o arguido AA julgado e condenado: - Pela prática, como autor material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art. 291.º, n. º 1, als a) e b) do Código Penal na pena de 2 [ dois ] anos de prisão.

- Pela prática, como autor material, de um crime de ofensas à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo art. 148.º, n.º 1 e 3 [ cfr. também art. 143.º, 144.º e 15.º ] do Código Penal na pena de 1 [ um ] ano e 6 [ seis ] meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 3 [ três ] anos e 6 [ seis ] meses de prisão, suspensa na execução por igual período (3 anos e 6 meses) com sujeição a regime de prova e com as seguintes obrigações: efectuar mensalmente visitas ao Hospital ..., bem como inscrever-se em acções de formação cívica no domínio da condução, bem como frequentar acções dissuasivas do consumo de produtos estupefacientes.

* 2. Não se conformando com esta decisão, dela recorre o arguido que formula as seguintes conclusões: … 4. Da prova documental nos autos demonstra efectivamente que o arguido sofreu um traumatismo craniano que até à presente data lhe deixou mazelas na sua memoria, impossibilitando-o de se recordar do dia.

… 6. Ora, não se recordando do que fez, o arguido veio abrir instrução, discordando da acusação que lhe foi imputada como autor de crime de condução de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º nº 1 als a) e b) do Código Penal, pois refere a acusação que “do embate que se ficou a dever ao facto de o arguido conduzir sob influencia de substâncias canabinóides, o que impedia de o fazer em segurança….“ Baseando-se no exame químico toxicológico junto a fls 4 e 5.

7. E, considerou o tribunal a quo como provado no PONTO 1. E PONTO 22. que o arguido “no dia 18 de Junho de 2018, pelas 18H46, (…) que consumira substâncias canabinóides, conduzia o motociclo de marca (…).” 8. Ora, o documento hospitalar revela que a recolha de sangre deveria ter por fins clínicos e terapêuticos e revela que o arguido não foi informado que o sangue recolhido seria utlizado para fins de determinação do uso de substâncias canabinóides.

9. Certo é que o arguido deu entrada no hospital inconsciente, sem reacção.

10. E assim permaneceu durante vários dias, pois sofreu de traumatismo craniano.

11. O arguido não deu consentimento para que se procedesse a qualquer recolha de sangue para análise de estupefacientes.

12. Pese embora, a decisão instrutória tenha sido proferida, o arguido continua a discordar da sentença proferida pois, o arguido nunca permitiu a recolha de sangue, nomeadamente para outros fins que não puramente médicos e nem para estes deu o seu consentimento pois estava inconsciente.

13. Ou seja, a recolha de sangue para a realização de apuramento de substâncias canabinóides ocorreu totalmente à margem do Arguido, não se sabendo ao certo quem autorizou a mesma e mesmo quem a realizou.

14. A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.

15. O nosso ordenamento jurídico considera tão importante o respeito pela civilidade dos meios de obtenção de prova que consagrou, constitucionalmente, no artigo 32º, a nulidade das provas obtidas por meios que, de uma forma ou de outra, violam a dignidade da pessoa humana, os princípios de Direito Processual Penal, ou outros direitos constitucionalmente consagrados 16. A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova implica, necessariamente, uma violação da integridade física da pessoa.

17. Retirar do direito de o arguido poder recusar a recolha de sangue, padece de inconstitucionalidade orgânica.

… 20. Para que se pudesse suprir o direito do arguido de livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise de apuramento de uso de substâncias canabinóides, seria necessária uma autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.

21. Nos termos do disposto no artigo 126º do Código de Processo Penal a obtenção de provas “São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.” 22. O exame ao sangue junto a fls 4 e 5 como meio de prova foi obtido de foram ilícitas nos termos do disposto no artigo 122º do CPP.

23. Salvo melhor entendimento, Assim sendo a principal consequência da prova ilegítima é a anulação do acto no qual ela foi produzida, não podendo a mesmo ser usada para efeitos de prova nos presentes autos uma vez que constitui prova ilegal, inválida ou nula.

24. Nos termos do disposto no artigo 122ºdo Código de Processo Penal a nulidade torna inválido o acto em que se verificarem bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar, deveria assim o arguido ter sido absolvido pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. 291º nº 1 als a) e b) do CP.

25. Não pretende pois o arguido não assumir de forma alguma ter cometido o crime de ofensas à integridade por negligência assumindo efectivamente os factos dados como provados nos pontos 2. a 21. E 23. a final.

26. Discorda sim do seu ponto 1. e 22.

27. Discorda ainda da aplicação da medida da pena aplicada pois considera excessiva as penas aplicadas.

28. Desde logo, importa referir que efectivamente o arguido, com a sua conduta, atingiu o bem jurídico tutelado pela aludida incriminação, a segurança da circulação rodoviária, e os valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade como são a segurança da vida ou da integridade física das pessoas.

29. O crime de condução perigosa de veículo rodoviário por que o arguido é condenado, é abstractamente punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa nos termos do disposto no artigo 291º, nº 1, do C. Penal.

30. Salvo melhor entendimento, deveria o tribunal a quo ter optado pela pena de multa, por ter entendido que na concreta situação, as exigências de prevenção geral e especial encontravam resposta adequada na aplicação dessa pena, opção que não vem posta em causa no recurso.

31. Tal como refere F. Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 331.), resulta do aludido art. 40º nº 1 do mesmo diploma, que «são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa...».

… 33. Ora o arguido encontra-se inserido na sociedade. Tem família constituída e é pai de uma filha menor de 2 anos. Encontra-se a trabalhar numa empresa de moldes com contrato de trabalho sem termo.

34. Efectivamente o arguido tem plena consciência do dano irreversível que causou por ter conduzido o seu veículo motorizado.

… 37. Contudo, a aplicação da pena de prisão no seu máximo, mesmo que suspensa, é excessiva face ao seu arrependimento.

… 39. O mesmo se aplica relativamente à pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 anos.

40. Tal como referido anteriormente o arguido encontra-se inserido familiar, social e economicamente na sociedade.

41. O simples facto de ficar sem possibilidade de conduzir durante tal período tal longo, impossibilitando-o de cumprir com os seus horários laborais, pois o mesmo esta a exercer as suas funções por turnos, tendo um horário de trabalho diferenciado, por vezes durante a noite. Não existindo qualquer meio de transporte público para que possa cumprir com as suas funções.

… 43. Salvo melhor entendimento poderia o tribunal ter aplicado outra medida acessória, nomeadamente o arguido impedido de conduzir veículos motorizados de duas rodas durante tais 3 anos.

… 3. Admitido que foi o recurso, respondeu o Ministério Público dizendo: … 3º Não se exige que o arguido dê o seu consentimento para a realização de exame de sangue com vista a detectar a presença de álcool, estupefacientes e/ou substâncias psicotrópicas; bastando que o mesmo não se oponha a tal exame.

  1. O exame toxicológico realizado não configura prova proibida.

  2. Nenhum normativo legal (nomeadamente o art. 47º CP) prevê a possibilidade de acompanhar a pena de multa da imposição de obrigações.

  3. O art. 69º, n.º 2 CP prevê que a pena acessória de proibição de conduzir abranja a condução de veículos de qualquer categoria.

  4. Relativamente às penas, o peticionado pelo recorrente é legalmente inadmissível.

… 4. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.

5. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

II 1. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: Da culpabilidade: 1. No dia 18 de Junho de 2018, pelas 18H46, o arguido que consumira substâncias canabinóides, conduzia o motociclo de marca ..., modelo ..., matrícula ..-..-XU, pela Avenida ..., no sentido ...-....

2. A via no local é uma recta, em patamar, cuja faixa de rodagem é constituída por dois sentidos de trânsito, contendo uma via de trânsito em cada sentido, separadas por linha contínua, intercalada com linha descontínua.

3. Tem visibilidade regular em toda a sua largura e extensão. No local –onde veio a ocorrer o embate - em ambos os sentidos , existe um sinal vertical com o sinal gráfico de Informação ( H7 – Passagem para peões).

4. A velocidade máxima permitida no local é de 50Km, por ser no interior de localidade.

5. BB ofendida nestes autos, seguia a pé e dirigia-se do “ ... “, para o ginásio existente, no outro lado da referida Avenida.

6. Ao aproximar-se de uma passagem assinalada na faixa de rodagem para a travessia de peões, situada junto do nº186 daquela via, a ofendida parou e depois de se certificar que os veículos que seguiam por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT