Acórdão nº 0118/20.3BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução12 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.º 118/20.3BEFUN (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 01-10-2021, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A..., S.A.” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com as liquidações de “Ecotaxa” - aprovada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 8/2012/M de 27 de Abril - registadas sob os n.ºs ...20/0015940, 2020/0024361 e 2020/0029886, relativas a Janeiro, Fevereiro e Março de 2020, respectivamente, nos correspondentes montantes de € 50.771,44, € 11.586,62 e € 23.427,91.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) 1. As liquidações objeto de impugnação reportam-se à liquidação da ecotaxa aprovada pelo Decreto Legislativo Regional (DLR) n.º 8/2012/M, de 27 de abril, concluindo o M. Juiz pela ilegalidade das liquidações, por considerar que as normas que definem a incidência subjetiva e objetiva e as taxas da “ecotaxa” violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP. Salvo melhor opinião, a decisão faz uma interpretação incorreta dos factos e da legislação em causa.

  1. O regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 366.º-A/97, de 20 de dezembro (revogado pelo Decreto-Lei n.º 152-D/2017 de 11 de dezembro), que estabelece as regras e os princípios gerais a que deve obedecer a gestão de embalagens e resíduos de embalagens, bem como os contratos celebrados pela Impugnante para dar cumprimento a este regime, não têm qualquer relação com o regime da ecotaxa instituído pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8/2021/M.

  2. A Impugnante, na sua qualidade de embalador e/ou importador aderiu ao Sistema integrado e transferiu para a Sociedade B..., S.A. (B...), mediante o pagamento de contrapartidas financeiras, as responsabilidades previstas no Decreto – Lei n.º 366-A/97 relativas à gestão dos seus resíduos das embalagens, ao abrigo do princípio da responsabilidade alargada do produtor.

  3. Este sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens assenta na boa vontade e consciência ambiental do consumidor final em cumprir as regras da reciclagem, colocando os resíduos no contentor correto, sem mais qualquer exigência que não a sua boa vontade e consciência social e ambiental.

  4. A questão em discussão nos presentes autos é uma questão de direito: A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira pode criar e aprovar o regime jurídico da taxa ambiental pela utilização de embalagens não reutilizáveis na Região Autónoma da Madeira, denominada Ecotaxa, nos exatos termos em que o fez, através da aprovação do Decreto Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril? E a resposta para a questão só pode ser sim. Vejamos.

  5. O art. 227.º, al. i) da Constituição da República Portuguesa (CRP), sobre os poderes das regiões autónomas, estabelece que estas exercem poder tributário próprio, nos termos da lei, e têm o poder de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República.

  6. A alínea f) do n.º 1 do art. 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, na redação e numeração da Lei n.º 130/99, de 21 de agosto, e alterado pela Lei n.º 12/2000, de 21 de junho, atribui competência à Assembleia Legislativa Regional, no exercício de funções legislativas, para exercer poder tributário próprio e adaptar o sistema fiscal nacional à Região nos termos do Estatuto e da lei.

  7. As competências tributárias atribuídas aos órgãos de governo próprio da RAM exercem-se no respeito pelos limites constitucionais, no quadro do EPARAM e da lei, tendo em conta que o sistema fiscal regional deve adaptar-se às especificidades regionais, quer podendo criar impostos apenas vigentes na Região quer adaptando os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais [art. 134.º, al. b) do EPARAM].

  8. A adaptação do sistema fiscal à realidade económica regional, bem como a defesa do ambiente e equilíbrio ecológico, da proteção da natureza e dos recursos naturais constituem matérias de interesse específico para efeitos de definição dos poderes legislativos ou de iniciativa legislativa da Região Autónoma da Madeira [cf. art. 40.º, alíneas ff), oo) e pp) do Estatuto da RAM].

  9. A competência legislativa regional, em matéria fiscal, é exercida pela Assembleia Legislativa Regional, mediante decreto legislativo, e compreende o poder de criar e regular impostos, vigentes apenas na Região, definindo a respetiva incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes nos termos do Estatuto [art. 135.º, al. a) do EPARAM].

  10. A Assembleia Legislativa Regional, mediante decreto legislativo regional, pode criar e regular contribuições especiais tendentes a compensar as maiores despesas regionais decorrentes de atividades privadas desgastantes ou agressoras dos bens públicos ou do ambiente regional (art. 136.º, n.º 1 do EPARAM).

  11. A Lei das Finanças Regiões Autónomas (LFRA), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro e alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2010 de 29 de março, e vigente à data da aprovação do DLR n.º 8/2012/M, determina que as competências tributárias dos órgãos das regiões autónomas observam o princípio da flexibilidade, no sentido de que os sistemas fiscais regionais devem adaptar-se às especificidades regionais, quer podendo criar impostos vigentes apenas nas regiões autónomas quer adaptando os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais [cf. art. 52.º, alínea f) da Lei Orgânica n.º 1/2007, atual art. 55.º, alínea f) da LFRA aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, e que revogou a Lei Orgânica n.º 1/2007].

  12. E o art. 54.º (agora art. 57.º da LFRA em vigor), sob a epígrafe «Impostos vigentes apenas nas Regiões Autónomas» determina o seguinte: 1 - As Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, mediante decreto legislativo regional, podem criar impostos vigentes apenas na respetiva Região Autónoma desde que os mesmos observem os princípios consagrados na presente lei, não incidam sobre matéria objeto da incidência prevista para qualquer dos impostos de âmbito nacional, ainda que isenta ou não sujeita, ou, nela constando, possa ser suscetível de integrar essa incidência e da sua aplicação não resultem entraves à troca de bens e serviços entre os diferentes pontos do território nacional.

  13. O DLR n.º 8/2012/M, de 27 de abril, criou e aprovou o regime jurídico da taxa ambiental, pela utilização de embalagens não reutilizáveis na Região Autónoma da Madeira (RAM), denominada ecotaxa, que entrou em vigor a um de maio do mesmo ano.

  14. Desde essa data passou a ser exigido aos operadores económicos, sujeitos passivos de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA), que introduzam no consumo cerveja e outras bebidas alcoólicas na RAM, em embalagens não reutilizáveis, o pagamento da ecotaxa.

  15. O M. Juiz considerou a ecotaxa uma contribuição financeira, mas que é violadora do princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP, conclusão da qual se discorda.

  16. Como resulta do preâmbulo do DLR n.º 8/2012/M “ (…) a Região Autónoma da Madeira, assim como as restantes Regiões Ultraperiféricas, apresentam dimensões e especificidades que acentuam as dificuldades no problema de gestão dos resíduos, designadamente os elevados custos com o transporte, a orografia acentuada, a dependência do exterior, a distância que as separa do território continental”.

  17. E acrescenta “ (…) Sublinhe-se que estas especificidades implicam custos acrescidos elevadíssimos para serem cumpridos, com as mesmas exigências que as regiões continentais, na gestão dos resíduos em geral, e da sua recolha seletiva, transporte, tratamento e destino final, os quais têm sido suportados pelo erário público e pelo consumidor final”.

  18. A criação deste tributo de cariz ambiental pelo legislador regional assenta na circunstância de que os operadores económicos podem/devem adotar hábitos de consumo mais consentâneos com a proteção do meio ambiente insular.

  19. A ecotaxa constitui um mecanismo fiscal de promoção e incentivo à alteração de comportamentos, com vista à proteção do ambiente e dos recursos naturais na Região Autónoma da Madeira, numa estratégia de responsabilidade social que importa promover.

  20. O que se pretende com a ecotaxa é que sejam utilizadas embalagens reutilizáveis, embalagens concebidas e projetadas para cumprir, durante o seu ciclo de vida, um número máximo de utilizações, isto é, que possam ser enchidas de novo e utilizadas muitas vezes para o mesmo fim para que foram concebidas, contribuindo para a redução de resíduos produzidos e para a sustentabilidade ambiental.

  21. O regime jurídico previsto no DLR n.º 8/2021/M permite a comercialização do produto em embalagens não reutilizáveis, mas para o poder fazer o operador económico fica obrigado ao pagamento da ecotaxa.

  22. Se a bebida está embalada em embalagem reutilizável não há liquidação de ecotaxa, o que significa que sempre que a opção seja embalar as bebidas em embalagens reutilizáveis não fica o operador económico abrangido pela incidência da ecotaxa.

  23. A ecotaxa incide sobre todos os operadores económicos que introduzam no consumo embalagens não reutilizáveis na RAM, sejam eles regionais, nacionais, comunitários ou de Estados não membros da UE, tributando inclusivamente os particulares que introduzem no consumo pequenas quantidades de bebidas em embalagens não reutilizáveis.

  24. As exceções previstas no n.º 2 do art. 3.º correspondem a opções do legislador, que atendem à fragilidade da economia regional, no quadro de uma região ultraperiférica, com particulares condições económicas e sociais, e...

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