Acórdão nº 173/23 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 173/2023

Processo n.º 34-A/16

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), A. e B., ora recorrentes, interpuseram recurso de extraordinário de revisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigos 69.º e 79.º-B da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante LTC), do Acórdão n.º 267/2016, proferido por este Tribunal, que confirmou a Decisão Sumária n.º 164/2016. Nos termos dessa Decisão Sumária, decidiu-se não conhecer do recurso interposto pelos recorrentes do acórdão do Tribunal Central Administrativo – Norte (TCA – Norte), de 6 de março de 2015, e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de novembro de 2015. O primeiro aresto revogou parcialmente a decisão de primeira instância, tendo julgado improcedente a ação principal, relativamente a alguns dos então autores, e julgado verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide, em relação a outros; já o Acórdão do STA não admitiu o recurso de revista da decisão do TCA – Norte.

Tratava-se, no processo a quo, de ação administrativa especial, proposta originalmente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, através da qual se pediu a ilegalidade da omissão de regulamentação do Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de abril, para a carreira de inspeção do pessoal do quadro da Direção Geral de Viação prevista no n.º 3, do artigo 14.º, daquele diploma.

Os ora recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional das mencionadas decisões, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, com o intuito de ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 14.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 112/2001 de 6 de abril, por violação do disposto nos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa.

Na referida Decisão Sumária, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do recurso em virtude do facto de os recorrentes não terem suscitado adequadamente perante o tribunal recorrido as questões de constitucionalidade com as quais em seguida vieram a confrontar o Tribunal Constitucional, não tendo, assim, cumprido um requisito essencial ao conhecimento do recurso.

Na parte que ora releva, afirmou-se na Decisão Sumária em causa:

«No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.

Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida, abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitado previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.

Ora, sendo a decisão recorrida o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 6 de março de 2015, os Recorrentes deveriam ter suscitado as questões de constitucionalidade que agora colocam ao Tribunal Constitucional nas contra-alegações que apresentaram no recurso que deu origem àquela decisão, dado que só assim vinculavam aquele tribunal ao seu conhecimento.

Contudo, conforme os próprios Recorrentes admitem no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, apenas suscitaram essas questões de constitucionalidade nos artigos 17.º e 18.º da petição inicial, no artigo 6.º das contra-alegações apresentadas no recurso dirigido ao Tribunal Central Administrativo Norte, mas que tinha por objeto a sentença proferida em 9 de abril de 2010 e que o Tribunal Central Administrativo Norte se limitou a convolar em reclamação daquela decisão, e no recurso de revista dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo que não foi admitido.

Ora, a invocação das questões de constitucionalidade nessas peças processuais não eram idóneas a vincular a decisão recorrida ao seu conhecimento, uma vez que o objeto do recurso é definido pelas alegações e contra-alegações apresentadas no seu âmbito.

E nas contra-alegações do recurso dirigido ao Tribunal Central Administrativo Norte que tinha por objeto o Acórdão do Tribunal Coletivo de 2 de outubro de 2013, no artigo 12.º das conclusões, os Recorrentes apenas alegaram que “os Autores são objeto de tratamento omissivo violador do princípio da igualdade, consagrado na Constituição da República Portuguesa no artigo 13.º e no artigo 59.º, n.º 1, a) – na vertente da igualdade de remuneração para trabalho igual, decorrente de quer a Região Autónoma dos Açores quer a Região Autónoma da Madeira terem, através, respetivamente, dos Decretos regulamentares regionais n.º 21/2004/A e 18/2002/M, regulamentado as carreiras de inspeção de viação nas Regiões Autónomas em cumprimento do Decreto-Lei n.º 112/2001”, não se tendo questionado a constitucionalidade das interpretações normativas que agora são impugnadas no recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

Daí que o tribunal recorrido não tenha apreciado essas questões de constitucionalidade.

Assim, não tendo os Recorrentes suscitado adequadamente perante o tribunal recorrido as questões de constitucionalidade que agora vêm colocar ao Tribunal Constitucional, não cumpriram um requisito essencial ao conhecimento do recurso, pelo que deve ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC».

2. Inconformados, os recorrentes reclamaram da Decisão Sumária n.º 164/2016, apresentando, na parte que ora releva, os seguintes fundamentos:

«A Decisão Sumária ora reclamada considerou que não tendo os Recorrentes suscitado adequadamente perante o tribunal recorrido as questões de constitucionalidade que agora vêm colocar ao Tribunal Constitucional não cumpriram um requisito essencial ao conhecimento do recurso, pelo que, em consequência, considerou que «(...) não se conhece do recurso interposto para o Tribunal Constitucional».

E considerou que os ora Reclamantes não suscitaram adequadamente as questões de constitucionalidade porque entendeu que a invocação das questões de inconstitucionalidade nas várias peças processuais referidas (petição inicial e contra-alegações que apresentaram no Recurso interposto pelos Ministérios Recorridos para o TCA Norte e no recurso de revista para o STA que não foi admitido), não eram idóneas a vincular a decisão recorrida ao seu conhecimento.

Todavia, não tem razão do Distinto Juiz Conselheiro Relator

É importante salientar o seguinte:

Em primeiro lugar, como resulta dos autos e a Decisão Sumária reclamada reconhece, os Reclamantes suscitaram a questão da inconstitucionalidade na P.I: (artigos 17.º e 18.º).

Fizeram-no realçando a violação do princípio constitucional da igualdade que resultaria da interpretação do artigo 14.º, n.ºs 3 e 4, do DL 112/2001, de 6/4, defendida pelos aí RR, no sentido de que a omissão legislativa verificada não seria ilegal, porquanto as normas daqueles dispositivos legais não imporiam um dever de regulamentar as carreiras de inspeção da ex-DGV (é o que resulta da leitura conjugada dos artigos 17.º e 18.º da p.i., com o corpo dessa mesma p.i., no seu conjunto, e, em especial, com o artigo 12.º desta).

Nesse específico contexto - estava o processo no seu início - os aqui Reclamantes enquadraram a aludida inconstitucionalidade na comprovada diferenciação de tratamento que foi dada aos funcionários das carreiras de inspeção de viação nas Regiões Autónomas (Decretos regulamentares regionais da Madeira n.º 18/2002/M e dos Açores n.º 21/2004/A) onde a carreira de inspeção de viação foi efetivamente regulamentada, e dentro dos prazos legais.

Em segundo lugar, saliente-se que:

Por sentença proferida e 9 de abril de 2010, veio o TAF de Coimbra acolher os argumentos dos AA, aqui Reclamantes, afirmando (p. 23) que «(...) as situações passadas foram vividas à sombra de um quadro legal efetivamente carente de regulamentação e estão ainda em desconformidade com a ordem jurídica (...)»

Contudo, considerou que, atendendo ao facto de a DGV ter sido extinta, não havia qualquer situação de facto que ainda pudesse ser objeto de regulação através de normas regulamentares e, consequentemente, essa impossibilidade absoluta fez nascer na esfera jurídica dos autores um direito à indemnização, a fixar nos termos do artigo 45.º do CPTA.

Ora, foi desta decisão que vieram recorrer os RR (Ministérios das Finanças e da Administração...

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