Acórdão nº 181/23 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 181/2023

Processo n.º 882/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13 de julho de 2022, pedindo a fiscalização do disposto no artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal (CP), quando interpretado no sentido de “não contemplar o desconto por inteiro no cumprimento da pena de prisão todos os períodos de tempo sofridos/cumpridos por proibição/suspensão do exercício de profissão/actividade/função decretada judicialmente e que tenha sido cumprida”, com fundamento em violação do disposto nos artigo 13.º e 29.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.

2. A. requereu, perante o Juízo Central Cível e Criminal de Bragança, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, que fosse descontado no tempo da pena de prisão de 7 anos e 3 meses, que tem a cumprir, o período em que esteve sujeito a medida de coação de suspensão do exercício de profissão (artigo 199.º, n.º 1, alínea a) e 2, do Código de Processo Penal [CPP]), aplicado por despacho de 17 de dezembro de 2015, acrescido do subsequente período em que se entende sujeito a pena acessória de proibição de exercício de profissão (artigo 66.º do CP), desde a decisão final da causa em 1.ª instância até à prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6 de julho de 2020 que a reviu, para um cômputo global a descontar de 6 anos e 3 meses.

O Tribunal de 1.ª instância indeferiu o requerido e, inconformado, A. recorreu da decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 13 de julho de 2022, confirmou o julgado.

3. O recurso deste aresto para o Tribunal Constitucional foi interposto nos seguintes termos:

“(...) O recurso apresentado ao Tribunal Constitucional é efectuado ao abrigo do disposto nos art.ºs 70.º n.º 1 alínea b), 72.º n.º 1 alínea b) e n.º 2, 75.º, n.º 1 e 75.º-A n.º 1, todos da Lei do Tribunal Constitucional (L.T.C.), o recorrente tem legitimidade e interesse em agir e está dentro do prazo de 10 dias.

Caso o recurso no Tribunal Constitucional declare a inconstitucionalidade em causa, há total utilidade da decisão do T.C, no processo, motivo pelo qual não ocorre nenhum motivo de rejeição do recurso.

A inconstitucionalidade foi suscitada no recurso ordinário apresentado em l.a Instância, dirigido ao Tribunal da Relação de Guimarães, e encontra-se plasmada na conclusão n.º 13, que aqui novamente se invoca:

O artigo 80.º nº 1 do Código Penal ao não contemplar o desconto por inteiro no cumprimento da pena de prisão todos os períodos de tempo sofridos/cumpridos por proibição/suspensão do exercício de profissão/actividade/função decretada judicialmente e que tenha sido cumprida pelo arguido é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e legalidade criminal, ínsitos nos art.ºs 13 º e 29.º da Constituição da República Portuguesa.

EXMOS. SRS. JUÍZES CONSELHEIROS DO

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

O recorrente A. foi notificado do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu não dar provimento ao recurso interposto.

O recurso em causa debruça-se sobre o art.º 80.º n.º 1 do Código Penal, pelo facto de não contemplar o desconto das medidas de proibição do exercício de profissão que o arguido sofreu/cumpriu - como consequência processual - sendo tais medidas de proibição, noutros casos no nosso ordenamento jurídico, descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão.

Ora, se a um cidadão que tenha cumprido proibição do exercício de profissão isso lhe é descontado como tempo de prisão (art.º 46.º n.º 5 do C.P.P.) . ao arguido A. que também cumpriu uma proibição do exercício de profissão, esta ter-lhe-á que ser descontada também, sob pena de ficar prejudicado.

Sustenta o art.0 46.º n.º 5 do C.P., a que se recorreu meramente como exemplo, que " Se, nos casos do n.º 3, o condenado tiver de cumprir pena de prisão mas já houver cumprido tempo de proibição do exercício de profissão, função ou actividade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir o tempo de proibição já cumprido."

A questão prende-se então com o facto de a uns cidadãos que tenham estado proibidos do exercício de funções, e tenham que cumprir pena de prisão, aquela proibição é-lhes descontada à razão de um dia de proibição/um dia de prisão, o mesmo não sucedendo, no entanto, ao aqui recorrente e a tantos outros cidadãos na sua situação.

Cabendo desconto da proibição do exercício de profissão a um cidadão, forçosamente terá que caber a todos, sem excepção.

O Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão ora recorrido, entendeu que não era necessário efectuar-se uma interpretação extensiva da norma (art.º 80.º n.º 1 do C.P.), pois se não constava expressamente da norma, foi entendido que teria sido intenção do legislador não operar àquele desconto do tempo de proibição efectivamente cumprido - pese embora, anos depois, o tempo de proibição cumprido pelo recorrente tenha sido revogado, em prejuízo do arguido, que acabou por ser despedido das funções que exercia por continuar proibido.

Consta do Acórdão do Tribunal da Relação o seguinte:

"De direito invocou o disposto nos artigos 80º e 46º, nº 5 e 6, ambos do C.Penal, defendendo que prevendo este último o desconto do tempo de proibição do exercício de profissão, não faz sentido que o artigo 80º, não efectue o desconto de todo o tempo de proibição/suspensão do exercício de profissão ou da pena acessória de proibição sofrida pelo arguido.

Tal desconto foi-lhe negado e dai que o recorrente se insurja contra o despacho recorrido. Adiantando a nossa conclusão, cremos que não assiste razão ao recorrente. "

Na verdade, o artigo 80º do Cód. Penal não prevê, em termos literais, o desconto, no cumprimento da pena de prisão, do período de tempo em que o arguido esteve sujeito à medida de proibição do exercício da profissão. Por conseguinte, a aplicação do regime ali previsto apenas poderia ocorrer por interpretação extensiva ou integração analógica.

Porém, não cremos que estejamos perante a possibilidade de estender a aplicação do art. 80º, 1 do C. Penal a outras situações ali não previstas, desde logo porque não há razões para crer que o legislador, na letra do artiso, disse menos do que aquilo que, de acordo com os demais elementos da interpretação, queria dizer (interpretação extensiva). O legislador teve o cuidado de enumerar as medidas processuais relevantes para o desconto - detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação - não sendo visível que tenha querido aí incluir outras."

É de se salientar que, aquando da prolação do acórdão de primeira instância, foi aí decidido notificar a entidade patronal daquela decisão, para cumprimento da proibição do exercício de funções, o que veio a ocorrer, uma vez que a entidade patronal, invocando o acórdão de primeira instância, proibiu-o de trabalhar.

É certo que anos mais tarde, o Tribunal da Relação revogou a proibição do exercício de profissão decretada, mas, infelizmente, nessa altura a proibição já se encontrava cumprida, o mal estava feito.

A ser assim, o tempo de proibição cumprido sempre terá que ser descontado, pois foi uma consequência directa na vida do arguido, na sua actividade laboral e até pessoal, uma vez que, havendo pena de prisão a cumprir, então por razões de igualdade, atento o supra mencionado relativamente ao art.º 46.º n.ºs 5 e 6 do Código Penal, cabendo desconto àqueles, também caberá ao aqui recorrente.

Não se pode assim aceitar a diferença de tratamento imposta, que com certeza não terá cobertura constitucional, de nas mesmas circunstâncias de proibição do exercício de profissão, a uns se desconte esse tempo de proibição de exercício no tempo de prisão a cumprir e a outros, já não.

Face a todo o exposto, deve o presente recurso ao Tribunal Constitucional ser admitido, com prioridade, na medida em que o processo é urgente por ter arguidos presos à ordem do mesmo (embora não seja o caso do arguido A. porque não se encontrar ainda em cumprimento de pena).

Fica a aguardar-se o respectivo convite para ALEGAÇÕES.

4. O recurso foi admitido e os autos recebidos no Tribunal Constitucional.

Depois de notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações concluindo do seguinte modo:

l.ª Vem o arguido/condenado, aqui recorrente, interpor o presente recurso ao Tribunal Constitucional relativamente ao art.º 80.º n.º 1 do Código Penal por confronto com os princípios constitucionais ínsitos nos artºs 13.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa, sem prejuízo do disposto no art.º 79.º-C da L.T.C, que permite ao Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma "com fundamentos diversos daqueles cuja violação foi invocada".

2.ª O presente recurso visa, então, analisar à luz da nossa Constituição da República a norma do art.º 80.º n.º 1 do Código Penal ao não contemplar o desconto por inteiro no cumprimento da pena de prisão todos os períodos de tempo sofridos/cumpridos por proibição/suspensão do exercício de profissão, actividade ou função decretada judicialmente e que tenha sido cumprida pelo arguido.

3.ª É que, existem várias normas no Código Penal que contemplam descontos de tempos não cumpridos em prisão mas que equivalem a tempos de prisão cumprida e a serem levados em consideração no período de prisão efectiva a cumprir.

4.ª Aliás, existe uma norma legal que contempla «o desconto» por inteiro como tempo de prisão cumprido todo o tempo que o arguido/condenado...

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