Acórdão nº 47/22.6PEPRT-Z.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOANA GRÁCIO
Data da Resolução29 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 47/22.6PEPRT-Z.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 1 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório No âmbito do Inquérito n.º 47/22.6PEPRT, a correr termos na 4.ª Secção do DIAP do Porto, por despacho de 03-01-2023, foi formulada, e posteriormente apresentada ao Senhor Juiz de Instrução, a seguinte promoção: «(…) Remeta os autos ao Mmo. JIC junto junto do Juízo de Instrução Criminal do Porto –J1 com a seguinte promoção: Com referência aos números ... e ... ambos a operar na rede A... e sob intercepção telefónica, seja solicitada informação junto de tal operadora de telecomunicações móveis, o seguinte: - os eventos e não eventos de rede, fluxo de comunicações bidirecionais, chamadas de voz, SMS e MMS convencionais ou por internet e respetivas células de localização ativadas, nas seguintes datas/horas: - Entre as 02H00 e as 03H00 dia 02-06-2022; - Entre as 23H00 do dia 13-09-2022 e as 05H00 do dia 14-09-2022; - Entre as 23H00 do dia 14-09-2022 e as 05H00, do dia 15-09-2022; - Entre as 23H00 do dia 03-10-2022 e as 05H00 do dia 04-10-2022; - Entre as 04H00 e as 05H00 do dia 07-10-2022; - Entre as 23H00 do dia 10-10-2022 e as 05H00 do dia 11-10-2022; - Entre as 01H00 e as 02H00 do dia 22-11-2022; - Entre as 01H00 e as 05H00 do dia 23-11-2022; - Entre as 01H00 e as 05H00 do dia 28-11-2022; - Entre as 01H00 e as 05H00 do dia 30-11-2022.

Fundamenta-se este pedido nos moldes que seguem: Os dados ora solicitados – se deferidos – permitirão consolidar a recolha de prova relativamente à autoria dos crimes, possibilitando “colocar” no espaço e no tempo dos factos aqueles relativamente aos quais se suspeita tenham sido os seus autores, que estão, de resto, sob escuta.

Enfatiza-se, neste particular, que estamos perante alvos/suspeitos extremamente avisados, alertados e cautelosos que praticam os factos encapuzados e enluvados para – como se disse previamente aquando da primeira promoção para escutas telefónicas - iludirem a actividade probatória da Justiça, pois, sabem que, agindo dessa forma, obstaculizam a recolha de vestígios lofoscópicos e inviabilizam os reconhecimentos pessoais.

Baseia-se o ora solicitado no preceituado nos artigos 187.º, n.ºs 1, al. a) e 4, 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal.

Em caso de deferimento, solicita-se que os elementos pretendidos sejam enviados aos autos em suporte técnico digital, para melhor analise.»*Por despacho de 05-01-2023, o Senhor Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 1, fez recair sobre a apontada promoção a seguinte decisão: «(…) No que respeita à promovida obtenção de eventos e não eventos de rede, fluxo de comunicações bidirecionais, chamadas de voz, SMS e MMS convencionais ou por internet e respetivas células de localização ativadas, relativamente aos números ... e ..., considerando que, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, al.s c) e f) da Lei 32/2008, de 17.JUL, essas informações dizem respeito a dados de tráfego e que esses normativo (bem como os seus art.ºs 6.º e 9.º) foram declarados inconstitucionais, pelo ac. do Tr. Constitucional n.º 268/2022, de 19.ABR, com força obrigatória geral, não pode dar-se acolhimento a tal pretensão do M. Público, que vai, assim, indeferida.» * Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso desta decisão, solicitando a respectiva revogação e a sua substituição por uma outra que autorize a obtenção de dados a que se reporta a promoção do Ministério Público objecto de indeferimento, apresentando em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): «1.º Conforme admitido pelo disposto nos artigos 187.º a 189.º o Ministério Público promoveu a obtenção de eventos e não eventos de rede, fluxo de comunicações bidirecionais, chamadas de voz, SMS e MMS convencionais ou por internet e respetivas células de localização ativadas.

  1. O Mmo. Juiz de Instrução Criminal indeferiu o referido segmento da promoção do Ministério Público por considerar ser inconstitucional a obtenção desses elementos, ao abrigo do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022.

  2. Contudo, tal indeferimento é produto de uma indevida leitura do Acórdão do Tribunal Constitucional, já que o promovido não se prende com o regime constante da Lei 32/2008, mas sim com o estipulado nos artigos 167.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, alínea a), 4 e 189.º, do Código de Processo Penal, normas habilitantes para obter os dados de tráfego e localização, conservados e em tempo real.

  3. Estes artigos do C.P.P., não foram revogados pela Lei 32/2008, de 17 de julho, quer de forma expressa, tácita ou sistemática, mantendo-se plenamente em vigor.

  4. A declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional não abrangeu estes preceitos normativos.

  5. Assim, seria sempre de deferir a obtenção de eventos e não eventos de rede, fluxo de comunicações bidirecionais, chamadas de voz, SMS e MMS convencionais ou por internet e respetivas células de localização ativadas, nos termos dos artigos 187.º, n.º 1, alínea a) e 4, 189.º. do C.P.P (regime aplicável aos autos), não constituindo qualquer meio ilícito de obtenção de prova.

  6. O Mmo. Juiz de Instrução Criminal ao sufragar o entendimento vertido no segmento da decisão ora impugnada, violou, assim o disposto nos artigos 125.º, 126.º, 187.º, 189.º e 262.º todos do Código de Processo Penal.»*Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido propugnado pelo recorrente, defendendo o provimento do recurso e a consequente autorização de recolha de dados como requerido, posto que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral invocada na decisão recorrida não impede a obtenção dos dados de tráfego e de localização na investigação dos crimes de catálogo constante do artigo 187º nº 1 do CPP, determinada por juiz nos termos do artigo 189º nº 2 do mesmo código relativamente aos últimos seis meses.

*Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento dos recursos.

*II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].

A única questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se é possível obter os dados de tráfego e localização celular solicitados, por não se aplicar ao caso os efeitos da declaração de inconstitucionalidade decorrentes do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022.

*Vejamos.

O pedido do Ministério Público que deu origem ao presente recurso é muito específico, abrangendo, com referência aos números ... e ... ambos a operar na rede A... e sob intercepção telefónica, (…) os eventos e não eventos de rede, fluxo de comunicações bidirecionais, chamadas de voz, SMS e MMS convencionais ou por internet e respetivas células de localização ativadas, nas seguintes datas/horas: - Entre as 02H00 e as 03H00 dia 02-06-2022; - Entre as 23H00 do dia 13-09-2022 e as 05H00 do dia 14-09-2022; - Entre as 23H00 do dia 14-09-2022 e as 05H00, do dia 15-09-2022; - Entre as 23H00 do dia 03-10-2022 e as 05H00 do dia 04-10-2022; - Entre as 04H00 e as 05H00 do dia 07-10-2022; - Entre as 23H00 do dia 10-10-2022 e as 05H00 do dia 11-10-2022; - Entre as 01H00 e as 02H00 do dia 22-11-2022; - Entre as 01H00 e as 05H00 do dia 23-11-2022; - Entre as 01H00 e as 05H00 do dia 28-11-2022; - Entre as 01H00 e as 05H00 do dia 30-11-2022.

Ainda segundo o recorrente, o pedido baseia-se no preceituado nos artigos 187.º, n.ºs 1, al. a) e 4, 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal.

Segundo o recorrente, os dados solicitados, embora sejam ainda dados de contexto e não dados de conteúdo, resultam da obtenção de dados facultada com as intercepções de comunicações em tempo real e não de dados que se mostrem arquivados, armazenados antecipadamente nas operadoras.

A ser assim, concordamos desde já com o recorrente, uma vez que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Lei 32/2008, de 17-07, constante do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19-04, não afecta os dados de tráfico gerados concomitantemente aos dados de conteúdo, posto que, uns e outros, se mostram obtidos em tempo real.

Neste sentido se pronunciaram os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto[2] de 18-01-2023, relatado por João Pedro Pereira Cardoso no âmbito do Proc. n.º 47/22.6PEPRT-P.P1, e de 08-02-2023, relatado por Raul Esteves no âmbito do Proc. n.º 344/20.5IDPRT-A.P1, o qual a aqui relatora votou como adjunta.

Como se pode ver pela identidade numérica, aquele primeiro acórdão foi proferido no âmbito de recurso suscitado neste mesmo processo.

Compulsados os autos, constatamos que por despacho de 15-11-2022 o Ministério Público promoveu que, entre outros, relativamente aos dois números de telefone aqui em causa e respectivo IMEI fosse determinada, ao abrigo dos arts. 187.º, n.º 1, al. a) e 269.º, n.º 1, al. e), ambos do CPPenal, a intercepção e gravação de todas as conversações, SMS, MMS e comunicações fax de e para os referidos números, por um período de 90 dias, solicitando ainda localização celular, registo de trace-back e comunicações em roaming.

E verificamos também que, por despacho de 18-11-2022, o Senhor Juiz de Instrução deferiu à requerida intercepção e gravação das comunicações efectuadas de e para os cartões SIM com os números indicados, mas indeferiu o pedido de facturação detalhada onde constem as chamadas efectuadas e recebidas (trace-back), bem como a informação das células activadas durante as conversações e a identificação dos números que os contactem e as comunicações em roaming, considerando que, nos...

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