Acórdão nº 147/18.7PALGS.1.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.o 147/18.7PALGS.1.E1.S1 Recurso Penal Acordam, em Conferência, na 5.a Secção do Supremo Tribunal de Justiça.

I - Relatório 1.

Nos autos de processo comum coletivo n.

o147/18.7PALGS.1, que correm no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Portimão - J... ., após realização de audiência de julgamento para efetivação de cúmulo jurídico superveniente de penas aplicadas ao arguido AA, o Tribunal Coletivo, por acórdão de 4 de julho de 2022, condenou o mesmo arguido, em cúmulo jurídico das penas parcelares que lhe foram aplicadas no presente proc. n.o 147/18.7PALG.1 e nos processos n.os 845/18.5..., 382/18.8... e 165/18.5..., na pena única de 14 (catorze) anos de prisão e bem assim na pena de multa de 120 dias à razão diária de €5,00.

  1. O arguido AA, não se conformando com o acórdão de 4 de julho de 2022, dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):

    1. O presente Recurso, tem como objeto a matéria do douto Acórdão condenatório em Cúmulo jurídico, na pena única de 14 anos de prisão e na pena de multa de 120 dias à razão diária de 5,00 €.

    2. O Douto Acórdão tem de ser posto em causa quanto à inclusão no cúmulo o processo no 845/18.5... e 165/18.5..., em que o ora Recorrente foi condenado por crimes de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias à taxa de diária de € 5,00, sem ter indagado se a mesma já se encontrava, no todo ou em parte liquidada, sequer se fora substituída por dias de prisão, tão pouco se estariam extintas.

    3. No concurso de crimes não devem ser englobadas penas já anteriormente ou passiveis de poderem ser declaradas extintas nos termos do disposto no artigo 57o, no 1 do CP, logo não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.

    4. A pena de multa de 70 dias à taxa de 5,00€ sofrida pelo Recorrente no processo n.o 845/18.5... encontra-se extinta desde 03 de Fevereiro de 2020, conforme boletim no 1 do Registo Criminal junto aos autos.

    5. Igualmente, a pena de multa de 70 dias à taxa de 5,00€ sofrida pelo Recorrente no processo no 165/18.5..., encontra-se extinta desde 06 de Outubro de 2021, conforme boletim no 5 do Registo Criminal junto aos autos.

    6. Andou mal o douto tribunal “a quo”, ao englobar no cúmulo jurídico as penas aplicadas ao Recorrente no processo 845/18.5... e 165/18.5..., porquanto as mesmas se encontram extintas.

    7. Tendo-o feito, estamos perante o vício de omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.o 1 do artigo 379 do Código de Processo Penal, nulidade por omissão de pronuncia que deverá ser declarada.

    8. O Arguido está profundamente arrependido de todos os crimes que praticou, sabe que tem de pagar a sua dívida para com a sociedade, pela sua prática, mas acredita no futuro e é sua vontade reestruturar a sua vida pessoal e familiar de forma a integrar-se plenamente na sociedade.

    9. O Recorrente tem uma família que está disponível para lhe prestar todo o apoio possível na reorganização e reinício da sua vida.

    10. Conforme refere o douto acórdão, “ (...) a privação de liberdade tem-no feito equacionar as suas opções e atitudes transatas(...)”, sobretudo desde que foi pai, desejando poder ser uma figura presente na sua vida.

    11. O Recorrente encontra-se a trabalhar desde 2020, no estabelecimento prisional, reservando parte do seu vencimento para enviar para filha.

    12. O Recorrente é jovem, pelo que a sua plena reintegração social com a consequente recuperação para a sociedade ainda é possível.

    13. Face ao supra exposto, e contrariamente à fundamentação do douto Acórdão, é possível concluir ainda, por um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, ora Recorrente, existe, infelizmente o tribunal simplesmente não quis acolher as conclusões do relatório social nos autos, sequer ao lá se expõe, o que muito se estranha.

    14. Uma pena de 14 anos de prisão é demasiado gravosa e longa para que no fim do cumprimento da mesma ainda seja possível alcançar a almejada reintegração e reabilitação social do Arguido.

    15. Existiu, por parte do Tribunal “a quo” uma inadequada ponderação de todas as circunstâncias pessoais e de facto, quer passadas quer actuais, do Arguido, conforme estatui o art.o 77° n° 1 do Código Penal.

    16. As finalidades das penas, é «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.» (art.40.o, n.o1 do Código Penal) q) Ao decidir como decidiu, o Douto Recorrido violou as disposições previstas nos artigos 77.o e 40o do Código Penal.

    Nestes termos e nos demais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo em consequência ser reformulado o Douto Acórdão proferido, quanto aos pontos focados nas presentes Alegações 3.

    O Ministério Público junto do Juízo Central Criminal de Portimão respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição): 1. O arguido foi condenado, além do mais, na pena de 120 dias de multa à razão diária de €5,00 - resultado do cúmulo efectuado das penas em que foi condenado nos processos n.o 845/18.5... e n.o165/18.5...

  2. Sucede que ambas as penas de multa englobadas no cúmulo já se encontravam extintas, pelo cumprimento.

  3. Assiste razão ao recorrente na medida em que, constituindo o desconto na pena única a razão de ser da integração das penas já cumpridas e devendo proceder-se necessariamente ao desconto da totalidade destas, as penas de multa não deveriam ter integrado o cúmulo superveniente, porque ambas já se encontravam cumpridas e extintas.

  4. Quanto às penas de prisão: 5. No âmbito do cúmulo jurídico, mais precisamente da concretização da pena única, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.

  5. Nesta segunda fase, “quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que esteve na base a construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A nova perspectiva, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.” 7. Assim, a este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas agora, culpa pelos factos em relação – a avaliação conjunta dos factos e da personalidade de que fala o Código Penal.” 8. Para além da medida de prevenção geral positiva ou de integração actuam os pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

  6. Certo é que, na medida possível a pena deve servir à reintegração do agente na comunidade e evitar quebrar a sua inserção social.

  7. No caso do recorrente, a sua inserção social apresenta-se como inexistente, resultando patente do seu C.R.C. e do relatório social que se trata “de um indivíduo que se apresentava imaturo e impulsivo/reativo, embora em casa se apresentasse calmo e assertivo, com bom relacionamento intrafamiliar. No EP manifestou inicialmente um percurso irregular, com averbamento de incidentes disciplinares, em que denotou agressividade e passagem ao ato quando confrontado com situações frustrantes ou intimidatórias”.

  8. O Tribunal “a quo” teve tais factos em consideração concluindo que a privação da liberdade tem vindo a provocar no arguido um impacto positivo, o que transparece do relatório social, que se traduz na sua motivação para a aquisição de competências pessoais e sociais a vários níveis.

  9. A pena única a que se chegou é adequada e proporcional à gravidade dos factos praticados, intensidade do dolo e culpa, assumindo um significado particular a violação repetida de bens jurídicos pessoais.

  10. As condenações sofridas dizem respeito a um crime de homicídio tentado e um crime de homicídio simples, ambos praticados em locais públicos, em saídas nocturnas, espaçados por 9 meses.

  11. Dispensamo-nos, portanto, de realçar a elevada intensidade das ofensas, mas não nos coibimos de sublinhar a personalidade agressiva e impulsiva demonstrada pelo arguido, incapaz de controlar os seus instintos de acordo com o socialmente exigível e com a lei penal.

  12. Pelas razões aduzidas, deve a pena única aplicada ser mantida, porque foram respeitados todos os pressupostos exigidos nos arts. 40.o e 77.o, do Código Penal.

  13. Tendo a Ex.ma Juíza de Direito determinado a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora, veio a Ex.ma Juíza Desembargadora, em despacho de 10-01-2023, declarar a incompetência dessa Relação para apreciar o recurso por, nos termos do art.432.o, n.o1, alínea c), do Código de Processo Penal, essa competência pertencer ao Supremo Tribunal de Justiça, e determinar que os autos subam a este Supremo Tribunal.

  14. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, no Supremo Tribunal de Justiça, emitiu parecer sobre o recurso, resumido do modo seguinte (transcrição): - A factualidade provada no acórdão recorrido é omissa quanto ao estado de cumprimento das penas de multa aplicadas nos processos 845/18.5... e 165/18.5...; - Essa omissão factual determina a nulidade do acórdão nos termos dos artigos 374.o, n.o 2, e 379.o, n.o 1, alínea a), do Código de Processo Penal e deve ser suprida por este Supremo Tribunal nos moldes expostos no ponto 8.1. deste parecer; - As penas de multa aplicadas nos processos 845/18.5... e 165/18.5... devem ser cumuladas juridicamente e integrar, em acumulação material, o cúmulo jurídico das penas de prisão aplicadas nos processos 147/18.7 PALGS e 382/18.8...; - A pena conjunta de 13 anos de prisão, dentro da moldura abstrata do concurso que tem como limites mínimo e máximo 10 anos e 15 anos e 6 meses de prisão, respetivamente, revela-se mais ajustada às diretrizes legais e aos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação que devem presidir à determinação da pena.

  15. Cumprido o...

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