Acórdão nº 121/05.3JDLSB-I.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução30 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.o 121/05.3JDLSB-I.S1 Habeas Corpus * Acordam, em Audiência, na 5.a Secção do Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório 1.

AA, na situação de cumprimento de pena de prisão, no Estabelecimento Prisional de ..., à ordem do proc. n.o 121/05.3JDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz ..., vem requerer ao Ex.mo Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, através de Advogada, a providência de habeas corpus, ao abrigo artigos 222.o, n.o 2 alínea c), e 223.o, do Código de Processo Penal, nos termos que se transcrevem: “I. DAS CONDENAÇÕES EM PORTUGAL E ESPANHA 1.o Por decisão transitada em julgado em Portugal, no âmbito do processo n.o 121/05.3JDLSB – que corre termos processuais no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz ..., o ora Arguido foi condenado na pena de 8 anos de prisão; 2.o Tendo cumprido 1 dia de detenção no âmbito daqueles autos (15.06.2005), tendo ficado sujeito à medida de coação de prisão preventiva, à sua ordem, no dia 16.06.2005 (conforme resulta de fls. 766 do processo), tendo sido restituído à liberdade no dia 15.12.2007 (por, à data, não se mostrar transitada em julgado a decisão, conforme resulta de fls. 5722/5724), ou seja, esteve privado da liberdade 2 anos e 6 meses.

3.o Em Espanha, esteve detido no âmbito do Processo Abreviado 131/2009, que correu termos no Tribunal de ..., Espanha, o arguido ficou detido no período compreendido entre o dia 8.06.1998 a 11.06.1998, data em que ficou sujeito à medida de coação de prisão preventiva, a qual se manteve até 10.06.2000, ou seja 2 anos e 5 dias.

4.o Este período de detenção não foi descontado em qualquer processo.

5.o Ainda em Espanha foi condenado na pena de prisão de 10 anos e 3 meses, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e a 6 meses de pena de prisão, pelo crime de falsificação de documento, no Processo 441/2012, conforme consta dos autos, tendo cumprido a integralidade da pena de prisão, pelo facto de o arguido ter um MDE, não permitindo qualquer oportunidade de liberdade condicional, tendo sido entregue a Portugal no dia 05.08.2022.

  1. DA APLICAÇÃO DA DECISÃO-QUADRO 2008/675/JAI II.A. Do Cúmulo Sucessivo da condenação no processo 441/2012 - Espanha 6.o Em 24 de julho de 2008, foi publicada, pelo Conselho Europeu a Decisão-Quadro 2008/675/JAI, relativa à tomada em consideração das decisões de condenação nos Estados-Membros da União Europeia por ocasião de um novo procedimento penal.

    7.o Esta Decisão-Quadro veio estabelecer os critérios que estipulam que, por ocasião de um procedimento penal num país da EU contra determinada pessoa, são tidas em consideração condenações anteriores contra ela proferidas noutro país da EU por factos diferentes.

    8.o É esta a previsão constante do seu art.1.o: “A presente Decisão-quadro tem por objectivo definir as condições em que, por ocasião de um procedimento penal num estado-Membro contra determinada pessoa, são tidas em consideração condenações anteriores contra ela proferidas noutro Estado-Membro por factos diferentes.

    ”.

    9.o No seu art.3.o n.o 1: “Cada Estado-Membro assegura que, por ocasião de um procedimento penal contra determinada pessoa, as condenações anteriores contra ela proferidas por factos diferentes noutros EstadosMembros, sobre as quais tenha sido obtida informação ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário mútuo ou por intercâmbio de informação extraída dos registos criminais, sejam tidas em consideração na medida em que são condenações nacionais anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos jurídicos equivalentes aos desta últimas, de acordo com o direito nacional.” 10. Mais é referido que as condenações anteriores devem ser consideradas na fase que antecede o processo penal e durante o mesmo propriamente dito, assim como, na fase de execução da sentença, designadamente, deverão ser levadas em conta as regras processuais aplicáveis que digam respeito: à prisão preventiva, à qualificação da infracção, ao tipo e ao nível da pena aplicada e às normas que regem a execução da decisão, conforme dispõe o art.3.o n.o 2 desta Decisão-Quadro.

    11. Acresce que, prevê o art.3.o n.o 3 da Decisão Quadro 2008/675/JAI, que se deve interpretar no sentido de que é possível a prolação de uma Decisão que abranja não só uma ou várias condenações proferidas anteriormente contra o interessado.

    12. As duas penas de prisão em que o ora Arguido foi condenado nos autos do processo 441/2012, melhor identificado no artigo 1.o supra, não foram assim cumuladas, como o seriam se a condenação em causa tivesse sido proferida em Portugal.

    13. Porém, nos termos Decisão Quadro 2008/675/JAI, “... as condenações anteriores contra ela proferidas por factos diferentes noutros Estados-Membros, sobre as quais tenha sido obtida informação ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário mútuo ou por intercâmbio de informação extraída dos registos criminais, sejam tidas em consideração na medida em que são condenações nacionais anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos jurídicos equivalentes aos desta últimas, de acordo com o direito nacional.”, logo, e nestes termos, 14.

    Caberá às entidades judiciárias Portuguesas considerar o cúmulo sucessivo destas duas penas de prisão, em que o Arguido foi condenado em Espanha, com a pena de 8 anos a que o arguido foi condenado no âmbito do processo Processo n.o 121/05.3JDLSB – que corre termos processuais no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 22, que o Arguido o que ora se requerer para os devidos efeitos legais, por força, também, da aplicação do art. 63.o do Código Penal Português, o qual dispõe que: Artigo 63.o Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas 1- Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.

    2- Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.

    3- Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

    15. O qual conforme se disse será aplicável, pois, nos termos da Decisão Quadro deverão ser: “ ... tidas em consideração na medida em que são condenações nacionais anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos jurídicos equivalentes aos desta últimas, de acordo com o direito nacional.”, e ainda assim não é feita qualquer revisão da pena (estando assim respeitadas as directrizes da referida Decisão-Quadro (negrito nosso).

  2. TEMPOS DE PRIVAÇÃO OU RESTRIÇÃO DE LIBERDADE E O REGIME DE COMPENSAÇÃO OU DE DESCONTO NA PENA DE PRISÃO 16. A liberdade do Arguido só pode ser limitada, total ou parcialmente, por medidas legalmente previstas.

    17. Em 8 de Outubro de 2018 foi proferido douto despacho pelo TEP de Espanha.

    18. Neste despacho resulta que o Arguido em 18.07.2014 tinha cumprida 1⁄4 da pena; em 25.03.2017 - 1⁄2 metade da pena; 19. Em 07.01.2019 atingiria (atingiu) 2/3 da pena; em 30.11.2019 3⁄4 e cumpriria a pena total em 06.08.2022; 20. E que relativamente se verificavam vários factores favoráveis em abono do Arguido, designadamente, ser um estrangeiro com vínculo familiar e social em Espanha, ou seja, integrado familiar e socialmente, com autorização de residência para o exercício de actividade laboral, com nível escolar e hábitos de trabalho, bem como, o facto de não sofrer de qualquer adicção.

    21. Foi também entendido que para além destes factores, não era menos importante o facto de já em Outubro de 2018, o Arguido se encontrar a um ano de cumprir 3⁄4 da pena , o que lhe permitiria obter a liberdade condicional, 22. Sendo que até então, e apesar da sua “situação favorável”, não obteve qualquer permissão de saída precária, uma vez que Portugal tinha emitido o MDE; 23. Ou seja, o Arguido não teve/tem qualquer direito a qualquer benefício pelo tempo já cumprido da pena em Espanha; 24. O que no entender do TEP de Espanha, esta situação “...

    provoca una situación de injustitia en tanto qe se produce una espiral prejudicial para el interno, visto que no se conceden benefícios para garantizar la entrega a la Republica de Portugal, lo que lo obliga al interno a cumplir la condena prácticamente integra en Espanã e iniciar a posterior la del Estado reclamante.”; 25. Mais concluindo que devido ao MDE emitido por Portugal: “El interno no tendrá derecho por el mero hecho de esta Clasificación a permisos, salidas o benefícios penitenciários, ...” (negrito nosso).

    Acresce ainda que, 26. Por outro lado, verifica-se que atendendo ao tempo já cumprido pela condenação em Espanha, pelo menos desde 07.01.2019, que não permitiu a sua liberdade condicional, e por força da aplicação conjugada do art.3.o n.o 3 da Decisão Quadro 2008/675/JAI, supra identificada, deve interpretar-se no sentido de que é possível a prolação de uma Decisão que abranja não só uma ou várias condenações proferidas anteriormente contra o interessado.

    27. Foi exactamente neste sentido que foi entendido recentemente, pelo TJUE, no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção), de 15 de abril de 2021, in EUR-Lex - 62019CJ0221 - EN - EUR-Lex (europa.eu), que ora se junta como Documento 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

    28. Nestes termos, verificando a hipótese de liberdade condicional, conforme supra se expôs, deveria ao ora Arguido ser concedido o benefício da compensação dos dias de Liberdade provisória que seria concedida em Espanha, conforme o regime do art.59.o do Código Penal Espanhol, em dias no cumprimento da pena de prisão em execução nos presentes autos, que se contabilizam em 36 por ano, desde o ano de...

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