Acórdão nº 753/22.5GALSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelLÍGIA TROVÃO
Data da Resolução22 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 753/22.5GALSD.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Criminal de Lousada Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO Por sentença proferida em 17/10/2022 e depositada no mesmo dia, o arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 14º nº 1, 26º, 69º, n.º 1, al. a), e 292º nº 1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 (doze) meses.

*Inconformado com a referida decisão, da mesma interpôs o arguido AA o presente recurso em (…), terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “I) O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.e.p. pelo art. 292º, nº1 do C.P., na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses e na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 12 (doze) meses, nos termos do art. 69º, nº1, al. a) do Código Penal.

II) Para além do demais, foram dadas como provadas as condenações constantes do C.R.C. do aqui arguido/ recorrente.

III) O tribunal a quo considerou, na escolha e determinação da medida da pena, que não podia deixar de ter em consideração que a “taxa de álcool apresentada pelo arguido de 2,442g/l se situa bastante acima do limite máximo admissível”, tendo ainda em consideração que “o arguido conta já com três condenações pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez”, entendendo, por isso, que “só a pena de prisão realiza de forma adequada e suficiente essas finalidades, quer na perspetiva da prevenção geral, quer na perspetiva da prevenção especial”.

IV) Ora, com o devido respeito por opinião contrária, o tribunal a quo teve em linha de consideração um documento do qual não podia ter conhecimento, resultando assim numa proibição de valoração da prova, por violação do art. 15º da Lei nº 57/98 ou do art. 11º da Lei 37/2015 o que acarreta nulidade da sentença nos termos do art. 379º, nº1, al. c) in fine do Código Penal, nulidade essa que aqui se argui para todos os devidos e legais efeitos.

  1. Em caso de arguidos não primários, na determinação da pena há que avaliar os efeitos das condenações anteriores no comportamento do condenado, ou seja, saber das concretas sanções anteriormente experimentadas, apurar do seu maior ou menor sucesso, da resposta que penas idênticas possam ou não oferecer para o caso concreto, sobretudo quando a nova pena a proferir seja a pena de prisão. Antecedentes criminais significativos evidenciam, em princípio, necessidades de prevenção especial mais elevadas.

    VI) A sindicância da pena proferida nos presentes autos envolve, assim, a apreciação dos pressupostos em que concretamente assentou, ou seja, envolve a tomada de posição sobre a possibilidade de valoração dos antecedentes criminais do ora recorrente.

    VII) É este o cerne do presente recurso – os antecedentes criminais (e a ausência deles) relevam sempre na decisão sobre a pena, como se disse, e revelaram também aqui, como resulta da transcrição que já aqui se fez da sentença ora recorrida. Mas tal sucedeu indevidamente.

    VIII) Os antecedentes criminais do arguido foram sopesados e valorados contra ele, ou seja, como circunstância agravante. E foram-no ainda que já não pudessem constar do CRC. Numa linha rápida de raciocínio, a conclusão de que daqui se retira é que o passado judiciário deste arguido não teria sido passível de valoração – contra o arguido – e, desde logo, não teria influenciado na determinação da pena a aplicar.

    IX) A Lei (seja a nº 57/1998, seja, depois a 37/2015) veio a ser inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data de extinção das penas sem que o arguido volte a delinquir.

  2. O cancelamento dos registos decorre assim de uma imposição legal. Uma vez verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado – contra o arguido -, assim se sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.

    XI) É o mesmo que dizer que o aproveitamento judicial que só por anomalia do sistema se mantém no CRC, além de ilegal, viola o princípio constitucional da igualdade, pois permitiria distinguir um arguido de um outro cujo CRC, nas mesmas condições, se encontre devidamente “limpo”. E o CRC, como nos ensina, e bem, Almeida da Costa, “é o mecanismo em que assenta a informação dos tribunais”.

    XII) Como já se referiu, a sentença de que aqui se recorre deu como provadas todas as três condenações anteriormente sofridas pelo arguido nos precisos termos em que constam do CRC. A escolha e a medida da pena tiveram em conta, não só, mas também, as referidas condenações.

    XIII) À data das condenações que aqui se tiveram em conta estava em vigor o DL 391/98 de 27 de novembro, diploma essa que regulamentava o Regime Jurídico da Identificação Criminal e de Contumazes estabelecido pela Lei 57/98 de 18 de Agosto. A Lei 57/98 veio, entretanto, a ser revogada pela Lei 37/2015, de 5 de maio (em vigor a partir de 06.05.2015). Nos termos do artigo 46º desta última, o DL 381/98, que regulamentava a Lei 57/98, foi mantido em vigor até à entrada em vigor do novo diploma que viesse regulamentar a nova Lei, o que veio a acontecer com a publicação do DL 171/2015, de 25 de Agosto (em vigor a partir de 26.08.2015), o qual veio a regulamentar a Lei 37/2015, lei essa atualmente em vigor. Não se pode deixar de referir que a Lei 37/2015 entrou em vigor já depois de ter sido declarada extinta a última pena aplicada ao aqui arguido, mas antes de decorridos os prazos para o cancelamento dos registos constantes do CRC.

    XIV) É, portanto, este o quadro legal que enforma o registo criminal, do qual, para o que aqui nos interessa, há que atender atenta a sucessão de Leis verificada, ao disposto, por um lado, no art. 15º da Lei 57/98 e, por outro lado, ao art. 11º da Lei 37/2015, tendo ambos os artigos por epígrafe “Cancelamento definitivo) do registo criminal.

    XV) No que ao caso dos autos diz respeito, atendo um artigo e outro, a solução será sempre a mesma – os registos constantes nos boletins nº1 a a 11do CRC do aqui arguido já teriam que ter sido cancelados.

    XVI) Como se pode verificar pela leitura dos referidos artigos, no essencial, uma e outra das disposições legais equivalem-se, sendo certo que as diferenças entre ambas são de relativa pouca monta para o confronto que importa levar a cabo, designadamente, saber se as condenações constantes do CRC deste arguido deviam ou não constar e, consequentemente, se o douto Tribunal a quo, podia, ou não, tê-las em conta na Sentença de que ora se recorre.

    XVII) Ora, nos termos do disposto nas al. a), b) e e) do nº1, do art. 11º da Lei 37/2015 (e, correspondentemente nas al. a), b) e e) do nº1, do art. 15º da Lei 57/98), tendo em conta que as condenações são em pena de multa ou em pena de prisão inferior a um ano substituída por pena de multa, com pena acessória de inibição de condução, o prazo do cancelamento definitivo dos respetivos registos é de 5 anos “sobre a extinção da pena”, desde que “entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime” (neste caso, a Lei 37/2015 acrescenta que o crime pode ser de qualquer natureza).

    XVIII) Antes de se verificar se os registos deviam ou não estar cancelados, cabe dizer que regulamentando a lei o cancelamento dos registos criminais e estabelecendo prazos perentórios para tanto, em função da natureza e da medida das respetivas penas, a possibilidade da sua valoração não pode ficar dependente de uma qualquer aleatoriedade, relativamente à data do efetivo cancelamento, por parte de uma entidade de natureza administrativa que, porventura, por alguma razão, não tenha procedido ao “apagamento” do registo criminal, de decisões que, por imperativo legal, já se encontrassem canceladas. Por outras palavras, não será a data do efetivo cancelamento material que revelará mas, antes, a data em que, por força dos critérios legais pré-definidos, o cancelamento se verifica ou a sua vigência caduca.

    XIX) Ora, tendo em conta o caso dos presentes autos: 1) a manutenção, no CRC, do registo/boletim nº 1, 2, 3, e 4 é justificada pela condenação constante do boletim nº 5; 2) a manutenção, no CRC, do registo/ boletim nº 5, 6 e 7 é justificada pela condenação constante do boletim nº 8; 3) o mesmo já não se pode dizer quanto à manutenção, no CRC, do registo boletim nº 8, 9, 10 e 11.

    Vejamos: a data de extinção da pena reporta-se a 2014, como já foi referido, sendo certo que estamos em 2022 – existe um hiato temporal de 8 anos entre a data de extinção das penas, sem que tenha havido a prática de novo crime, além disso, “são igualmente canceladas as decisões ou factos que sejam consequência, complemento ou execução de decisões que devam ser canceladas nos termos do nº1” – verificam-se, assim, os pressupostos exigidos por lei para cancelamento dos registos constantes do CRC.

    XX) Não menos relevante será, aqui chegados, determinar se o regime legal do registo criminal implica, ou não, um verdadeiro efeito retroativo de potencial cancelamento “em cascata”, sempre e quando, um registo posterior que legitima o não cancelamento de registo anterior, for ele próprio cancelado, assim implicando o cancelamento daquele/s ao/s qual/is servia de fundamento para a sua manutenção no registo criminal.

    XXI) Na nossa modesta opinião, a resposta a esta questão só pode ser uma: sim, estamos perante um verdadeiro efeito retroativo de...

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