Acórdão nº 97/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução16 de Março de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 97/2023

Processo n.º 216/2022

3ª Secção

Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa

(Conselheiro Afonso Patrão)

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC — Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2022, de 4 de janeiro), por A. , B., C., Lda., D., S.A., E., F. e G..

2. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de dezembro de 2019, que revogou a decisão absolutória proferida em primeira instância, os arguidos, ora recorrentes, foram condenados como coautores materiais, nas formas consumada e continuada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, em penas de dois anos e seis meses de prisão, suspensas na respetiva execução pelo período de dois anos (as pessoas singulares) e de 75 dias de multa, à taxa diária de 25€ (as pessoas coletivas).

Os recorrentes interpuseram recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça. Por despacho do Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de maio de 2020, retificado por despacho de 2 de setembro de 2020, os recursos em matéria penal não foram admitidos, «uma vez que o acórdão desta Relação de 18 de dezembro de 2019 é, relativamente à matéria penal, irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, de harmonia com o preceituado no art.º 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, com referência ao art.º 400.º, n.º 1, al. e) do mesmo diploma».

Reclamaram desta decisão, ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal («CPP»), os recorrentes D., S.A., E., B. e C., Lda. e A., tendo as reclamações apresentadas merecido deferimento.

Todavia, após exame preliminar pelo Juiz Conselheiro Relator no Supremo Tribunal de Justiça, os recursos em matéria penal foram rejeitados por decisão sumária datada de 9 de agosto de 2021, proferida nos termos previstos na alínea b) do n.º 6 do artigo 417.º do CPP, com fundamento no disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea e), do mesmo Código, na redação decorrente da Lei n.º 20/2013, de 14 de fevereiro. Inconformados, os recorrentes reclamaram para a conferência, que indeferiu tais reclamações por acórdão de 13 de janeiro de 2022, rejeitando os recursos relativos à matéria criminal interpostos do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

3. Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, foi proferida a Decisão Sumária n.º 283/2022, nos termos da qual se decidiu não tomar conhecimento do objeto dos recursos interpostos por A., F. e G..

Relativamente aos recursos interpostos por B., C., Lda., E. e D., S.A., determinou-se o prosseguimento dos autos para alegações quanto à «norma extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena o arguido em pena não privativa de liberdade ou em pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução». No mais, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto dos recursos.

4. Inconformado, o recorrente A. reclamou para a conferência, pugnando pelo conhecimento do objeto do seu recurso, o que foi indeferido pelo Acórdão n.º 583/2022.

Novamente inconformado, o referido recorrente arguiu a nulidade de tal aresto, vício que foi desatendido pelo Acórdão n.º 76/2022.

5. Apenas os arguidos B., E. e D., S.A apresentaram alegações.

5.1. Nas suas alegações, o recorrente B. formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES

1.ª/ Para efeitos de assegurar todas as garantias de defesa do arguido, nelas se incluindo o direito ao recurso, nos termos e para efeitos do artigo 400.º n.º 1 alínea e) do CPP, não se pode distinguir entre prisão efetiva não superior a 5 anos e superior a 2 anos, e prisão suspensa na sua execução superior a 2 anos e inferior a 5 anos, pois em ambos os casos estamos perante uma condenação privativa da liberdade.

2.ª/ Os valores constitucionais da tutela jurisdicional efetiva e da defesa do arguido, incluindo o direito ao recurso, perante uma condenação surpresa e inovatória em 2.a instância, por efeito de novo julgamento dos factos, convertendo uma absolvição em 1.ª instância numa condenação em prisão, sem ter sido dada a oportunidade de exercício do contraditório, nomeadamente, apresentação de provas, não estão assegurados com a impossibilidade de recurso para apreciação da condenação em duplo grau de jurisdição traduzindo-se tal decisão de condenação livre de qualquer controlo, seja na espécie, seja do quantum da pena aplicada.

3.ª/A norma do artigo 400.º n.º 1 alínea e) do CPP, na interpretação que foi dada pelo tribunal recorrido e que foi da inadmissibilidade do recurso, é inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

Sem prescindir e por mera cautela,

4.ª/ É elemento do crime de fraude na obtenção de subsídio p.p. pelo artigo 36.º do D.L. 28/84, nos termos do artigo 21.º do mesmo diploma, que o beneficiário seja uma empresa ou unidade de produção e que este subsídio não seja acompanhado de contra prestação segundo os termos normais de mercado.

5.ª/ As freguesias de Vinhó, Nespereira e Paços da Serra são pessoas coletivas territoriais, fazendo parte da unidade do Estado Português, levando a cabo as atribuições que pela constituição e pela lei lhe são atribuídas, com órgãos representativos próprios, nos termos dos artigos 6.º, 235.º n.º 1 e 239.º todos da CRP.

6.ª/ Foram estas freguesias, enquanto pessoas coletivas que apresentaram as suas candidaturas ao subsídio no âmbito do programa AGRIS, foram elas que receberam o subsídio e foram elas que o aplicaram em obras de interesse público e na realização dos seus fins ou atribuições.

7.ª/ Nos termos daquelas disposições constitucionais as Freguesias não são empresa ou unidade produtiva para efeitos do artigo 21.º do D.L. 28/84, razão pela qual tais pessoas coletivas não podiam, por não integrar o elemento constitutivo do respeito ilícito criminal, cometer o crime de fraude na obtenção de subsídio p.p. pelo artigo 36.º do mesmo diploma legal.

8.ª/ Dos factos dados como provados e para efeitos do artigo 3.º do D.L. 28/84, dúvidas não existem que foram aquelas pessoas que praticaram a infração criminal prevista no artigo 36.º daquele diploma;

9.ª/ Mas não foram constituídas arguidas nem foram perseguidas ou investigadas pelos factos denunciados;

10.ª/ Razão pela qual os arguidos membros do órgão Junta de Freguesia de Vinhó, de Nespereira e de Paços da Serra, ao atuaram como representantes da pessoa coletiva e não em nome próprio ou contra a ordens e instruções daquela, não podiam ser responsabilizados criminalmente pela prática do crime cometido por aquela pessoa coletiva.

11.ª/ A conduta dos arguidos, enquanto titulares de cargos políticos, apurado pelo tribunal recorrido, não constitui crime de fraude na obtenção de subsídio.

12.ª/ Podem, tais condutas, integrarem algum dos crimes p.p. pela Lei dos Crimes do Titulares de Cargos Políticos - A Lei 34/87, de 16 de julho, nomeadamente, preenchendo o tipo legal de crime de abuso de poderes p.p. pelo artigo 26.º que, de resto, haviam sido acusados e do qual não foram pronunciados, nem julgados.

13.ª/ Os recorrentes, pessoa individual e sociedade de direito privado, também não podem ser criminalmente perseguidas, julgadas e condenadas pelo crime de fraude na obtenção de subsídio pois não preenchem os elementos constitutivos deste crime na medida em que não foram eles que receberam a prestação (subsídio) e mesmo que se viesse a entender que, indiretamente, se destinou a remunerar os trabalhos das obras que executaram, existiu uma contra prestação em termos normais de mercado.

14.ª/ Pois, conforme está provado pelo relatório do perito que avaliou, por determinação do tribunal, o valor das empreitadas, o custo na sua execução, submetido à concorrência, o preço pago seria igual.

15.ª/ E assim, também os recorrentes não preenchiam o conceito de subsídio previsto no artigo 21.º do D.L. 28/84 já que o preço que receberam se destinou ao pagamento dos trabalhos que efetuaram, existindo uma contra prestação, o que afasta o conceito de subsídio para efeitos da incriminação p.p. pelo artigo 36.º.

16.ª/ Os artigos 21.º e 36.º do D.L. 28/84, na interpretação que foi dada por analogia do tribunal recorrido são inconstitucionais por violação do princípio da legalidade e da tipicidade (nullum crimen sine lege) dos crimes previstos no artigo 29.º n.º 1 da CRP.

17.ª/ A admitir-se que as autarquias locais integram o conceito de empresa e unidade produtiva previsto no artigo 21.º e, consequentemente, sujeito à previsão do artigo 36.º, ambos do D.L. 28/84, é aplicável às autarquias locais, incriminando os seus representantes, titulares de cargos políticos, sempre se dirá que tais normas jurídicas são inconstitucionais por violação do artigo 29.º n.º 1 e n.º 4 da CRP por violação dos mesmos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade dos crimes.

TERMOS EM QUE deve proceder o presente recurso e a final ser declarado que o artigo 400.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Penal, na interpretação que foi dada pelo tribunal recorrido, ao não admitir o recurso para o STJ da decisão do tribunal da relação que, após efetuar um novo julgamento da matéria de facto, reverteu a absolvição em condenação em pena de prisão, sem que o arguido pudesse exercer o contraditório, nem controlar a espécie da pena e a sua medida, é inconstitucional por violação do artigo 32.º n.º 1 e 4 da CRP.

Subsidiariamente, deve ser...

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