Acórdão nº 336/22.0T8CDN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelLUÍS RAMOS
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra A A.N.S.R. proferiu a seguinte decisão: “(…) verificados que estão os pressupostos da cassação nos termos da alínea c. do n.º 4 e do n.º 10 do artigo 148º do Código da Estrada, determino a cassação do título de condução n.º ...80, pertencente a AA.” Inconformado, o arguido impugnou judicialmente o decidido, tendo concluído (transcrição): “i.

“Considera a decisão que este tipo de conduta revela um grau de censurabilidade acrescida, porquanto atinge valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade, como o é da segurança da circulação rodoviária e a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos; ii. “O sentido pedagógico que segundo a ANSR preside ao sistema de pontos torna-se desproporcional na prática, aplicado a um cidadão que necessita da carta de condução para exercer a sua actividade profissional quando comparado com outro que tem uma profissão que pode exercer mesmo que o título lhe seja cassado e mesmo que esta cassação lhe cause transtornos ou mais incómodos, como por exemplo ter de andar de transportes públicos; iii. “Uma decisão administrativa não pode ter o condão de impedir o exercício de profissão de motorista, quando como se referiu os factos que levaram à perda de pontos ocorreram fora do horário de trabalho, em dias de lazer. A ser assim, aquela decisão meramente administrativa colidirá com o princípio constitucional do acesso à profissão e será violadora da norma do n.º 2 do artigo 18.º da CRP; iv. “A aplicação da norma da alínea c) do n.º 4 com o n.º 10 do artigo 148.º do Código da Estrada padece de inconstitucionalidade por violação no caso concreto dos artigos 18.º, n.º 2 e 47.º (acesso à profissão) da CRP”; v. “E também por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, e do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 266.º, n.º 2, ambos da CRP.

… Realizado o julgamento, o tribunal proferiu a sentença que passamos a transcrever nas partes que aqui relevam: “… Factos provados: 1. O arguido/impugnante AA é titular da carta de condução n.º ...80; 2. No âmbito do Processo Sumário n.º 97/18.... … o arguido/impugnante AA foi condenado, por sentença proferida no dia 11.06.2018, transitada em julgado em 11.07.2018, pela prática, em 07.05.2018, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez … além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor … declarada extinta, pelo cumprimento; 3. No âmbito do Processo Sumário n.º 142/20.... … o arguido/impugnante AA foi condenado, por sentença proferida no dia 03.09.2020, transitada em julgado na mesma data, pela prática, em 16.08.2020, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, … além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir … declarada extinta, pelo cumprimento; 4. Por referência a cada uma das decisões referidas em 2. e 3., consta averbada ao registo individual de condutor do arguido a subtracção de 6 (seis) pontos, ficando com 0 (zero) pontos.

… 9. O arguido/impugnante exerce a sua actividade profissional como motorista de pesados de passageiros, por conta dos ... (...), desde Setembro de 1992, auferindo mensalmente, em média, a quantia de €970,00; … No caso dos autos, o arguido foi condenado, por duas ocasiões, pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, com a aplicação de pena acessória, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, tendo sido subtraídos ao condutor seis pontos por cada uma dessas condenações, o que determinou a perda dos doze pontos que lhe estavam atribuídos – cfr. artigo 148.º, n.

os 2 e 4, alínea c), do Código de Estrada.

A perda total de pontos determina a organização do competente processo autónomo para apuramento dos pressupostos de que depende a cassação do respectivo título de condução [cfr. artigo 148.º, n.º 10, do Código da Estrada], procedimento que foi integralmente observado.

A punição mediante a aplicação de penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor acarreta, ope legis, a perda de seis pontos na carta de condução, passando a constar do registo de infracções existente na ANSR, talqualmente se mostra previsto no artigo 149.º do Código da Estrada.

… Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 09.05.2018, Relator: Francisco Mota Ribeiro, Processo n.º 644/16.9PTPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, o sistema de pontos traduz uma técnica utilizada pelo legislador para sinalizar, em termos de perigosidade, os efeitos que determinadas condutas ilícitas penais ou contraordenacionais podem vir, ou não, a ter no futuro, no que toca a uma eventual reavaliação da autorização administrativa habilitante ou licença de condução de veículos automóveis, atribuída a um determinado particular. Tal sistema visa apenas evidenciar, através de um registo central, com um sentido claramente pedagógico, de satisfação de necessidades de prevenção, fundamentalmente de ressocialização, os efeitos penais ou contraordenacionais das infracções cometidas, segundo a respectiva gravidade, tendo fundamentalmente em conta, não as sanções aplicadas, mas as próprias infracções, sendo que o efeito que possam ter para a determinação da cassação do título de condução, em virtude de uma eventual perda total de pontos, é apenas o de facilitação do cálculo do número de infracções cometidas e da sua gravidade. Porém, um tal resultado nunca será à partida certo, porquanto o próprio decurso do tempo e a posterior conduta do condutor tornarão contingentes os efeitos que daquelas infracções possam materialmente resultar, designadamente para a eventual cassação da carta, pois é a própria lei a prever que aos doze pontos de que dispõe cada condutor, poderão ainda acrescer mais três, até ao limite máximo de quinze pontos, sempre que no final de cada período de três anos não exista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infracções, ou ainda um ponto mais em cada período correspondente à revalidação da carta de condução, sem que exista registo de crimes de natureza rodoviária, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de dezasseis pontos, sempre que o condutor de forma voluntária proceda à frequência de acção de formação, de acordo com as regras fixadas em regulamento.

Nessa medida, e como se esclarece naquele aresto, o sistema de pontos reveste uma índole pedagógica, seja pela subtracção de pontos efectuada proporcionalmente em função da gravidade de uma infracção cometida, seja estimulando o condutor para comportamentos estradais de índole positiva, sendo que aquela subtracção ocorre como efeito automático da infracção cometida, sem que assuma, no entanto, qualquer natureza sancionatória, consubstanciando apenas um reflexo da gravidade da infracção cometida e do relevo que a mesma possa ter no somatório de outras, tendo em vista aferir a dada altura a perigosidade do titular da licença de condução, em termos de saber se esta última se deve ou não manter, nos termos em que foi concedida pela administração.

Do mesmo modo, o sistema de pontos constitui um sistema que permitirá à administração aferir se o titular da licença de condução reúne as condições legais para poder continuar a beneficiar dela.

Inserir-se-á, tal desiderato, no âmbito dos poderes de administração do Estado. Veja-se que tanto a atribuição de uma licença de condução, em função da qual a lei faz conceder ao titular doze pontos, como a sua cassação, traduzem decisões de carácter administrativo.

A sucessiva prática de factos jurídico-criminalmente relevantes com penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor na via pública determina, materialmente, um juízo de inaptidão para o exercício da condução, condicionando, seguidamente, a validade do título de condução, e levando à sua cassação.

Importa acrescentar que não está em causa a perda de direitos, direitos civis, profissionais ou políticos [cfr. artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da...

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