Acórdão nº 392/19.8T9ACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução08 de Março de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: … foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: (…) Face ao exposto, decido:

  1. CONDENAR a arguida AA pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1do Código Penal, na pena 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).

  2. CONDENAR a demandada AA a pagar à demandante BB de € 500,00 … Inconformada, recorre a arguida, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: … 2ª- A recorrente discorda da sentença proferida pelo Tribunal a quo, porquanto para formar a sua convicção e considerar provada a factualidade atrás descrita, valorou prova proibida, nos termos e efeitos, nomeadamente, dos artº. 92º, da Lei/2012, de 09-09 – Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), artºs. 126º e 135º do Cód. Processo Penal.

  1. - … o meio de prova “e-mails” junto aos autos a fls. 19 a 23 é proibida por lei, porquanto está sujeita a segredo profissional a comunicação eletrónica enviada por cliente (arguida) diretamente ao seu mandatário (advogado), e-mail esse relativo a dissídio surgido entre a arguida e a assistente e em fase de procura de solução amigável.

  2. - Ou seja, no caso em apreço o e-mail em causa (transcrito no ponto 6 da factualidade assente) por ter sido conhecido devido a um comportamento do mandatário da arguida, e cujo facto foi reencaminhado pela sua funcionária (o que ocorreu apenas por falha do escritório do mandatário da arguida) ter sido por si conhecidos no exercício da sua profissão de Advogado, a sua junção constitui meio proibido de prova, nos termos dos artºs. 92º, n.º 5, do E.O.A., 126º e 135º do Cód. Processo Penal.

  3. - … essa questão deveria ter sido decida oficiosamente pelo Tribunal recorrido, o que não se verificou.

  4. - A violação do dever de reserva acarreta consequências do ponto de vista estatutário, também coenvolve consequências processuais, que passam por considerar que os atos praticados em violação desse dever são cominados com a proibição de prova, sendo ilícita, não servindo, pois, para fazer prova em juízo (n.º 5 do artº. 92º, do E.O.A., e artº. 126º do Cód. Processo Penal).

  5. - Por outro lado, também a valoração proibida com a prova resultante do depoimento da testemunha Dr. CC (Advogado da arguida), que a Mmª. Juiz a quo teve em consideração, estão em causa conhecimentos ou informações suportadas no exercício da advocacia, está em causa falar sobre questão colocada pela mandante (a aqui arguida) ao Advogado no exercício da sua profissão, pelo que está implícito estar abrangido pelo segredo profissional, porquanto falou com a arguida e deu orientações às suas funcionárias não como cidadão, mas claramente como Advogado, mais propriamente como mandatário na altura constituído pela aqui arguida, falando sobre questão que a arguida que colocou (sendo irrelevante que fosse por e-mail, que estivesse fora do escritório, numa consulta médica, etc., pois foi questionado e respondeu como Advogado).

  6. - O segredo profissional traduz-se, em geral, na reserva que um profissional deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou em consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço prestado à profissão.

  7. - O fundamento ético-jurídico deste dever não está confinado à relação contratual estabelecida entre o Advogado e o seu cliente, sendo o bem jurídico que ilumina a tutela do segredo profissional a necessidade social da confiança no profissional, estando na base desta tutela um inegável interesse social e comunitário.

  8. - A dispensa do segredo profissional será alcançada por uma das duas vias: 1) Por requerimento do Advogado ao Presidente do Conselho Distrital respetivo, que autorizará - o procedimento previsto no n.º 4 do artº. 92º do E.O.A.; 2) por via do incidente processual de quebra do segredo profissional regulado no artº. 135º do Cód. Processo Penal. E no caso em apreço nenhuma dessas vias foi seguida.

  9. - É então, forçoso concluir que, de acordo com o n.º 5 do artº. 92º do E.O.A., quer o e-mail, quer o depoimento da testemunha Dr. CC não pode ser considerado.

  10. - Tendo a sentença recorrida, considerado o conteúdo do aludido e-mail e desse depoimento estamos perante “prova proibida”, sem ter sido expressamente tratada a questão dessa proibição, pelo que a questão se equipara à situação prevista na primeira parte da al. c) do artº. 379º do Cód. Processo Penal, ou seja, uma situação em que “o tribunal deixa de se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar” e como tal gera a nulidade da sentença (cfr. Paulo Pinto Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Portuguesa, notas24 a 26 ao artº. 126º, nota 13 ao artº. 129º e nota 4 ao artº. 130º, págs. 344, 364 e 365).

    … 14ª- Ademais, na sentença recorrida está dito que foi dada particular importância à prova pré-constituída...

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