Acórdão nº 27871/19.4T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Data da Resolução15 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 27871/19.4T8LSB.L1.S1 ACORDAM, NA 6ª SECÇÃO, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – Relatório AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras Unidas, S.A. (entretanto incorporada por fusão na Generali Seguros, S.A.

), pedindo: a) deve a R. ser condenada a pagar ao A. as quantias discriminadas nas alíneas a) e b) do anterior artigo 64º, da presente petição inicial, no montante total de Euros 69.999,13 [€ 36.699,13 pela perda total do veículo, mantendo o salvado; e € 33.300,00 pela privação de uso do veículo até à data da PI], a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos em resultado do acidente de viação acima descrito; b) deve a mesma R. ser condenada a pagar ao A. a quantia discriminada na alínea c) do anterior artigo 64º, da presente petição inicial, no montante total de Euros 7.500,00, como indemnização de danos não patrimoniais; c) à verba indicada na alínea a) do anterior artigo 64º, da presente petição inicial, acresce uma indemnização por mora, consistente nos juros a contar da data em que o pagamento devia ter sido efetuado (20/06/2019 – cfr. documento 5), nos termos do disposto nos artigos 804º; número 2 alínea a) do 805º e 806º, todos, do Código Civil – juros esses à taxa legal de 4% ao ano (número 1 do artigo 559º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril) e que somam até ao presente € 731,97, a que acrescem os juros vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento; d) à verba indicada na alínea b) do artigo 64º, da presente petição inicial, acresce uma indemnização por mora, consistente nos juros a contar da data da citação, nos termos do disposto nos artigos 804º; número 3 do 805º e 806º, todos, do Código Civil – juros esses à taxa legal de 4% ao ano (número 1 do artigo 559º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), a que acrescem os juros vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento; e) à mesma verba indicada na alínea b) do anterior artigo 64º, acrescerá os respetivos montantes vincendos, tal como indicado no anterior artigo 41º, respetivamente, da presente petição inicial, até à data do efetivo pagamento do valor do veículo sinistrado; f) ainda sobre o montante global das indemnizações que forem fixadas, deve a R. ser condenada a pagar ao A. uma sanção pecuniária compulsória, correspondente a juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a douta sentença de condenação transitar em julgado - os quais acrescerão aos juros de mora (tudo nos termos do disposto no artigo 829º-A, n.º 4 do Código Civil); Alegou, em síntese, que: Celebrou com a R. um contrato de seguro automóvel com cobertura de danos próprios, tendo por objeto o veículo Mercedes S350 com a matrícula ...-OM-..., de sua propriedade; Em 6/5/2019, o veículo sofreu um acidente do qual resultaram danos avultados no mesmo, que importaram a sua perda total; A R. não assumiu a responsabilidade contratual, não pagando o valor do veículo nem procedendo à sua substituição, invocando a exclusão da responsabilidade; O A. tinha o veículo à venda por € 60.000,00 e o valor diário do aluguer de um veículo com aquelas características ronda os € 150,00; Toda a situação causou forte abalo interior ao A. que ficou desgastado, traumatizado e sofreu transtornos e incómodos.

A R. contestou.

Confirmou o contrato de seguro e o sinistro, mas invocou que da averiguação feita ao mesmo decorreu que o condutor e respetivos ocupantes abandonaram o local, por sua iniciativa, antes da chegada da autoridade policial, o que constitui causa de exclusão da sua responsabilidade.

Mais invocou que, a ser devida indemnização, há que lhe deduzir o valor do salvado no montante de € 19.900,00.

Alegou, por último, que o A. não utilizava o veículo em seu proveito, não tendo suportado qualquer custo com o aluguer de veículo de substituição.

Concluiu pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “ (…) julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decido: 1.

Condenar a R.

a a.

pagar ao autor a quantia de 36.699,17 € a título de indemnização pela perda total do veículo, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento (art.

805º, n.º 1 do Código Civil).

b.

pagar ao A.

a quantia de € 62.000,00 €, a título de indemnização devida pela privação do uso do veículo acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a presente data e até integral pagamento; 2.

Absolver a R.

do mais contra si peticionado. (…)” Inconformada com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação de Lisboa de 24/11/2022, foi julgado parcialmente procedente, “(…) eliminando-se do dispositivo da sentença recorrida o seu ponto 1. b. e mantendo-se tudo o mais aí decidido (…)”.

Inconformado agora o A., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine o sentenciado na 1.ª Instância.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: I- As considerações iniciais do douto Acórdão recorrido (cfr. página 21 do douto Acórdão recorrido) não reproduzem nem correspondem ao que efetivamente se passou entre as partes e colidem frontalmente com a factualidade provada nos presentes autos; II- Desde logo, a citada carta da R. datada de 30/05/2019 (cfr. pontos 10 e 11, da factualidade assente) foi objetivamente inutilizada pela posição da seguradora vertida na carta datada de 17/06/2019 – cfr. ponto 12, da factualidade assente; III- Após a participação do sinistro e devido enquadramento em sede de peritagem, a R. seguradora começa por cumprir o legal e contratualmente previsto – no entanto, de forma totalmente infundada e injustificada, dá o dito por não dito e arquitecta uma exclusão de responsabilidade que não podia ignorar não se verificar (como, aliás, bem se demonstrou por força da presente ação judicial – posição com a qual, muito curiosamente, a R. logo concordou); IV- Não se olvidando o facto notório das seguradoras desenvolverem, de certa forma, um serviço público, sendo auxiliares da vida financeira do Estado e um instrumento de atuação deste na vida económica – exigindo-se-lhes, por conseguinte, um comportamento exemplar no respeito pela legalidade e pelos clientes (os quais, para além do mais, pagam elevados prémios anuais pelos seguros contratados); V- E a questão do valor do salvado trata-se de outra fabulação da seguradora com intuitos meramente dilatórios pois apenas se suscitou já em sede de contestação, após a propositura da presente ação judicial; VI- É, por conseguinte, inadmissível sustentar-se, no caso concreto, que “a R. optou por cumprir a sua obrigação contratual através da atribuição de uma indemnização em dinheiro” – como se sustenta inadvertidamente no douto Acórdão recorrido (cfr. final da página 22 e início da página 23 do douto Acórdão recorrido); VII- Resultando ainda evidente que no caso “sub-judice” a R. seguradora não deu “cumprimento aos deveres acessórios a que estava adstrita” por força do contrato de seguro dos autos; VIII- Sendo ainda de salientar que ficou demonstrado nos autos que “a seguradora não procedeu à substituição do veículo ou ao pagamento ao A. do respectivo valor” (cfr. ponto 18, dos factos provados); IX- A jurisprudência é maioritária ao considerar o dano de privação de uso com um dano patrimonial autónomo, “susceptível de avaliação pecuniária, e que decorre do direito de propriedade que compreende o uso e a fruição da coisa (artigo 1.035º do Código Civil)”; X- Foi a recorrida seguradora que violou frontal e objetivamente os seus deveres principais – decorrência natural, até, da condenação transitada em julgado constante do ponto 1.a, da douta sentença de 1ª instância; XI- A decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância apresentou-se, assim, como a concretização material da justiça - nos termos do mencionado número 3 do artigo 566º do Código Civil - e se alguma objeção pudesse ser apontada seria, sempre, a da sua contenção; XII- Deverá o montante devido pela privação de uso do veículo fixar-se nos exatos termos definidos pela sentença de 1ª Instância; XIII- No caso concreto é apenas uma situação de dano de privação do uso de veículo que está em causa - e não qualquer outra; XIV- O entendimento claramente dominante nesse Supremo Tribunal de Justiça é aquele que considera que a privação do uso de veículo automóvel decorrente de um sinistro constitui, em si mesmo, um dano autónomo, de imediata expressão patrimonial, sujeito a avaliação pecuniária, e que deverá ser ressarcido -bastando para tanto, somente, que o proprietário afetado demonstre a utilização que dele vinha fazendo à data do sinistro (independentemente do seu fim); XV- A verdade é que, no caso concreto, em consequência do sinistro dos autos (cfr. pontos 4 a 7 da factualidade assente) o ora recorrente deixou poder dispor, gozar e fruir do veículo (nos termos consagrados pelo artigo 1.305.º do Código Civil); XVI- A factualidade definitivamente assente nos autos não poderia ter sido ignorada (como foi) pelo douto Acórdão recorrido (muito particularmente os pontos 8, 15, 18, 19, 20 e 21, dos factos provados) - impondo-se, em consequência, uma conclusão diametralmente oposta relativamente à condenação da seguradora recorrida a pagar ao A. uma indemnização pela privação do uso do veículo dado como perda total e que, repita-se, deverá consolidar-se nos termos definidos pela douta sentença de 1ª instância; XVII- O douto Acórdão recorrido violou, para além do mais, as seguintes normas jurídicas: artigos 128º e seguintes do Regime Jurídico do Contrato de Seguro; e artigos 483º, 496º, 562º, 566º, 762º...

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