Acórdão nº 0640/17.9BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Março de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução02 de Março de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A..., S.A.

, com sede na Rua ..., ..., ... - ..., intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (TAF) a presente acção administrativa contra o MINISTÉRIO DO TRABALHO, SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, o MINISTÉRIO DA ECONOMIA e o ESTADO PORTUGUÊS, peticionando: “a) a anulação do despacho de indeferimento do Senhor Inspector Geral do Trabalho do pedido de autorização para laboração contínua, que havia formulado; b) serem os RR. condenados a praticar o acto de deferimento do pedido de autorização de laboração continua formulado pela A., nos termos do n° 3 do art.º 16° da Lei 105/2009, de 14 de Setembro e melhor identificado de 2° a 5º; c) serem os RR. condenados nas custas e no mais legal.”*Por decisão do TAF de Penafiel, datada de 19 de Março de 2019, foi julgada improcedente a presente acção.

*A Autora apelou para o TCA Norte e este, por Acórdão proferido a 09 de Abril de 2021, negou provimento ao recurso.

*A Autora A..., S.A, inconformada, veio interpor recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1ª - Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que negou provimento ao recurso interposto pela recorrente.

  1. - O objecto do presente recurso funda-se em saber se, legalmente, se impõe a existência de um dia de calendário completo como dia de descanso ou se é possível que esse descanso seja de 24 horas, distribuído por dois dias.

  2. - O objecto do presente recurso reveste importância fundamental, pela sua relevância jurídica e social – encontramo-nos no âmbito da conformação dos períodos de descanso dos trabalhadores.

  3. - A admissão do presente recurso é manifestamente necessária para uma melhor aplicação do direito, se consideramos, além do que se refere na conclusão anterior, que o mesmo deve ser interpretado à luz do direito da união europeia, in casu, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho.

  4. - O Acórdão recorrido é nulo porquanto não se pronunciou sobre questões que devia apreciar.

  5. - Contrariamente ao propugnado no aresto recorrido, a recorrente explanou o sentido e alcance da inconstitucionalidade invocada nas alegações de recurso da apelação interposta.

  6. - Entendeu o Tribunal a quo que “(…) efectivamente, é como dia de calendário completo que deve entender-se a referência do artº artigo 221º, nº 5, do CT, à exigência de um dia de descanso.

    (…) É apodíctico que considerar o dia de descanso semanal como dia de calendário completo sempre abrange o/um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, previsto na Directiva (sem postergar que se adicionam as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.° da Diretiva; na legislação nacional “sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito – art.º 221º, nº 5, do CT)”.

    (…) Não há dúvida razoável; a resposta é inequivocamente positiva, já que dia de descanso em dia completo de calendário sempre contabiliza essas 24 h; e em certa perspectiva, de “calendarização” do trem de vida, é até mais favorável juízo de protecção”.

  7. - Dispõe o art.º 221º, nº 5 do Código do Trabalho que “(o)s turnos no regime de laboração contínua (…), devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias (…)”. (negrito nosso).

  8. - A interpretação propugnada pelo tribunal a quo não tem qualquer suporte no texto da lei e muito menos nos princípios que lhe são ínsitos.

  9. - Os períodos de descanso consagrados no Código do Trabalho são mensurados em horas e minutos – vejam-se os intervalos de descanso (art.º 213º) ou o descanso diário (art.º 214º).

  10. - Nos termos do disposto no art.º 279º, al. d), do Código Civil, é havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas. Norma aplicável, porquanto inexiste disposição especial que disponha o contrário.

  11. - No horário de trabalho projectado e objecto dos presentes autos, todos os trabalhadores têm, como reconhece a decisão controvertida, num período de sete dias, 24 horas (1 dia) de descanso semanal, gozado em continuidade com o período de 11 horas de descanso diário.

  12. - A interpretação da norma em apreciação propugnada pela recorrente é, em tudo, consentânea com as disposições comunitárias aplicáveis, nomeadamente com o art.º 5° da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho.

  13. - A directiva comunitária é clara ao definir o descanso semanal em 24 horas e não em um dia completo de calendário, pelo que a interpretação sufragada pelo Tribunal recorrido constitui uma restrição daquela norma comunitária, em violação do Princípio do Primado do Direito da União Europeia.

  14. - Caso se entenda que, quanto á questão em apreciação, restam dúvidas relativamente á compatibilidade entre o direito interno e o direito da União europeia, requer-se ao digno Supremo Tribunal Administrativo o reenvio prejudicial ao TJUE, considerando que: » Nos presentes autos cumpre proceder à interpretação de disposições do Direito União Europeia, concretamente do art.º 5° da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, segundo o qual “(o)s Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3.º”; » A directiva comunitária é clara ao definir o descanso semanal em 24 horas e não em um dia completo de calendário, » Nos presentes autos, no que concerne ao direito interno, impõe-se interpretar o disposto no n.º 5 do art.º 221º do Código do Trabalho, segundo o qual “(o)s turnos no regime de laboração contínua (…), devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito”.

  15. - Impõe-se colocar ao TJUE a seguinte questão prejudicial: À luz do artigo art.º 5° da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, os trabalhadores num regime de organização de trabalho por turnos, mas cujos horários de cada um são fixos, em estabelecimento que labora no regime de laboração contínua, o dia de descanso obrigatório a que o trabalhador tem direito deve corresponder necessariamente a um dia completo de calendário, não podendo ser contabilizado no correspondente a 24 horas, a que acrescerão as 11 horas de descanso diário? 17ª - Deveria ter sido proferido Acórdão que revogasse a sentença de primeira instância e, consequentemente, julgasse ilegal o indeferimento em apreciação, por falta de fundamento de facto e de direito, declarando a sua anulabilidade e condenando os recorridos no deferimento do pedido de autorização de laboração contínua formulado pela recorrente.

  16. - O Acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 16º, nº 3 da Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro, 221º, nº 5 do CT, 279º, al. d) do CC e 2º, 61º, nº 1 e 80º, al. c) da CRP.»*O recorrido, ora denominado, MINISTÉRIO DA ECONOMIA E TRANSIÇÃO DIGITAL contra-alegou, concluindo do seguinte modo: «1.

    Como é consabido, o Recurso de Revista previsto no art.º 150º do CPTA consubstancia-se na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, apenas admissível em casos muito excecionais pois, em princípio, as decisões proferidas em 2ª instância pelos Tribunais Centrais Administrativos que confirmem uma decisão anterior não são suscetíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA).

    1. À luz do nº 1 do citado art.º 150º do CPTA só excecionalmente as decisões proferidas em 2ª instância pelos Tribunais Centrais Administrativos podem ser objeto de recurso de revista, que se admite apenas em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental, ou, ii) ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. art.º 150º, nº 1, do CPTA).

    2. O mesmo entendimento tem sido partilhado pela jurisprudência que, repetidamente, tem sublinhado tratar-se de um recurso excecional. O próprio legislador em sede de Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, refere-se ao recurso de revista como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar nos precisos termos da norma que o prevê, não podendo ser generalizada a sua admissibilidade.

    3. Nos termos da lei, subjacente à admissão do recurso de revista, para o STA, apenas pode ocorrer quando: Esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a sua admissão seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

    4. Os requisitos estabelecidos no nº 1 do art.º 150º do CPTA estão associados a conceitos jurídicos indeterminados, que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a densificar Assim, o conceito de “relevância jurídica fundamental” tem sido considerado verificado, maxime, quando a questão a apreciar seja de elevada e rara complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao que é comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efetuar por força de um enquadramento normativo especialmente intricado, seja pela necessidade de conjugação, e correta concatenação, de diversos regimes legais e/ou institutos jurídicos de diferentes fontes e áreas do saber, ou quando o tratamento da matéria tenha suscitado, ao longo do tempo, dúvidas sérias...

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