Acórdão nº 55/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 55/2023

Processo n.º 713/22

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e é recorrido o Juiz Desembargador B., o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido por aquele tribunal no dia 9 de março de 2022, que, por considerá-lo manifestamente infundado, indeferiu o requerimento de recusa apresentado pelo ora recorrente contra o ora recorrido.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«A., arguido/requerente nos autos à margem referenciados e aí melhor identificado,

Notificado do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 9 de março de 2022,

Vem junto de V. Exas. apresentar RECURSO AO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz ao abrigo do disposto no art.º 70.º n.º 1 alínea b) da L.T.C., sendo este recurso tempestivo, apresentado por quem tem legitimidade e interesse em agir, tudo conforme art.ºs 71.º n.º 1, 72.º n.º 1 alínea b), 75.º n.º 1 e 75.º-A n.ºs 1 e 2, todos da Lei do Tribunal Constitucional.

O recurso tem subida imediata e é de efeito suspensivo, conforme o previsto no art.º 78.º n.ºs 1 a 4 da L.T.C.

QUESTÃO PRÉVIA - POR ELEMENTAR CAUTELA PROCESSUAL

Paralelamente ao recurso apresentado ao Tribunal Constitucional, já admitido até, o requerente suscitou um pedido de reforma ao acórdão datado do dia 9 de março de 2022.

Tal pedido de reforma foi indeferido em 27 de abril de 2022, mantendo-se, na íntegra, o acórdão de 09.03.2022.

Pelo que, caso se entenda que o prazo de recurso ao T.C. se conta em 10 dias após a notificação da decisão de 27.04.2022 (notificado a 29.04.2022), apresenta-se, pela maior e mais prudente cautela processual, o presente recurso, ficando assim garantido que, quer se entenda que seria dentro dos 10 dias após a notificação do acórdão de 09.03.2022 (já admitido), quer se entenda que seria dentro dos 10 dias após o último acórdão de 27.04.2022 que manteve o de 09.03.2022, fica assegurada a tempestividade do recurso.

Assim,

A procedência das questões de inconstitucionalidade suscitadas tem consequência direta no acórdão do S.T.J. datado de 09.03.2022, pelo que, a utilidade do presente recurso é total.

O recorrente invoca as referidas duas inconstitucionalidades suscitadas no Incidente de Recusa, que foram analisadas e decididas pelo S.T.J., bem como uma inconstitucionalidade SURPRESA cometida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, surpresa que, como se vai demonstrar era inesperada e absolutamente imprevisível, quer porque a lei diz o contrário do que foi interpretado, quer porque a prova documental junta no incidente de recusa permite afirmar, de forma categórica, que o Sr. Juiz Desembargador visado no incidente se encontra acusado.

Do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça não cabe qualquer recurso ordinário.

Assim, paralelamente ao presente recurso ao Tribunal Constitucional, foi apresentado um pedido de reforma da sentença ao abrigo do disposto nos art.ºs 4.º do C.P.P. e 616.º do Código Processo Civil, uma vez que a prova documental junta aos autos impõe, a nosso ver, decisão diversa, na medida em que, consta dos autos um despacho judicial proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no Proc. n.º 35/21 onde consta que o Sr. Juiz Desembargador visado no incidente foi, efetivamente, notificado da acusação deduzida pelo Assistente.

Logo, na nossa modesta opinião, o acórdão do S.T.J. datado de 09.03.2022 ao concluir não existir a inconstitucionalidade por se ter entendido que o mesmo não está formalmente acusado, ignorou um documento judicial junto aos autos, e nessa medida é quanto baste para que o acórdão produzido tenha que ser reformado - o que se requereu.

Contudo, pela maior e mais prudente cautela processual, suscita-se e apresenta-se desde já, em 10 dias, recurso ao Tribunal Constitucional, acautelando-se o entendimento que o início desse prazo de 10 dias se conta a partir da notificação do acórdão do S.T.J..

O Supremo Tribunal de Justiça decidiu não ocorrer a inconstitucionalidade suscitada no incidente de recusa (Ponto n.º 23 do incidente), invocando-se no ponto n.º 40 do referido acórdão do S.T.J. o seguinte:

"No que se refere à inconstitucionalidade invocada no artigo 23.º do requerimento de recusa, reportada ao artigo 43.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P., não se verifica a mesma porquanto o Senhor Juiz Desembargador não se encontra formalmente acusado de qualquer ilícito criminal".

l.a INCONSTITUCIONALIDADE - que se invoca

O art.º 43.º n.ºs 1 e 2 do Código Processo Penal, na interpretação segundo a qual não constitui motivo sério e grave adequado a gerar a desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz visado o saber-se que o mesmo está formalmente constituído arguido e acusado por vários crimes num processo em que o queixoso e assistente é o requerente do incidente de recusa é inconstitucional por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, legalidade, de todas as garantias de defesa, imparcialidade, processo justo e equitativo e do direito ao tribunal isento e imparcial, ínsitos nos art.ºs 1.º, 2.º, 3.º, 18.º, 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se suscita para que a mesma seja apreciada e decidida em conformidade.

Ora, ao decidir o Supremo Tribunal de Justiça esta inconstitucionalidade, cometeu uma nova inconstitucionalidade, isto é, praticou a tal inconstitucionalidade inesperada, absolutamente imprevisível e totalmente surpresa.

Na verdade, interpretou diversos normativos ligados à acusação deduzida por um Assistente, e interpretou-os no sentido de que, uma tal peça processual não é uma acusação.

E depois de ter considerado que não era uma acusação, concluiu que o Sr. Juiz Desembargador não estava acusado.

E, portanto, não estando acusado, não existe motivo para o incidente deduzido, sendo o pedido de recusa manifestamente infundado.

Chegados aqui, há que invocar a inconstitucionalidade surpresa, que se descreve e se suscita para todos os devidos efeitos legais:

2.a INCONSTITUCIONALIDADE (SURPRESA)

Os artigos 69.º n.º 2 alínea b), 287.º n.ºs 1, 2 e 3 e 283.º n.ºs 3 alíneas b) e c) todos do Código Processo Penal, na interpretação/entendimento tido no acórdão (de 09.03.2022) e que foi extraída de tais normativos no sentido de a acusação constante de um requerimento de abertura de instrução (R.A.I.) deduzida pelo assistente, depois de proferido um despacho de arquivamento pelo Ministério Público, não corresponde a uma acusação é inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e dos direitos do ofendido a intervir como assistente, ínsitos nos artigos 2.º, 3.º n.º 3, 18.º n.º 1 a 3, 20.º n.º 1 e 32.º n.º 7 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais.

Por último, é verdade que o incidente de recusa foi analisado e decidido, tendo sido objeto de decisão de indeferimento.

Porém, consta do ponto n.º 41 do referido acórdão do S.T.J. o seguinte:

"sem prejuízo do exposto, ao abrigo do disposto no artigo 44.º do CPP, que não sofre de inconstitucionalidade como se decidiu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/2004, sempre o pedido formulado seria de rejeitar por ser extemporâneo".

Ora, pese embora o incidente tenha sido analisado e decidido, cumpre nesta sede renovar e reiterar a inconstitucionalidade em causa, o que se faz de seguida, sendo que tal inconstitucionalidade foi suscitada na peça processual do incidente de recusa junto do S.T.J., no seu ponto n.º 29.

3.a INCONSTITUCIONALIDADE (por cautela)

O artigo 44.º do Código Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível um requerimento de recusa por parte de um arguido após a prolação dos acórdãos pelo Tribunal da Relação, visando o Juiz Desembargador Titular dos autos, ainda que seja apresentada antes de serem decididos vários requerimentos/pedidos de reforma apresentados por este mesmo arguido [A.], quando o Sr. Juiz Desembargador visado no incidente foi constituído arguido e acusado recentemente de vários crimes por atos praticados no preciso processo onde se suscita a recusa, é inconstitucional por violação dos princípios do acesso a uma tutela jurisdicional efetiva e todas as garantias de defesa em processo-crime por parte de um arguido, ínsitos nos artigos 18.º, 20.º, n.ºs 1 e 4 e 32.º da Constituição da República Portuguesa.

O Acórdão n.º 143/2004 do Tribunal Constitucional em nada se identifica com os presentes autos. Decidiu-se neste aresto do T.C. o seguinte:

"não julgar inconstitucional o artigo 44.º do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual o pedido de recusa de juiz se deve formular até ao inicio da conferência ou da audiência mesmo quando os factos geradores da suspeita só cheguem ao conhecimento do invocante após a prolação do acórdão do qual se arguiu a nulidade e antes da sua apreciação e decisão em conferência".

No caso presente, os factos que levam ao incidente acontecem já muito depois de o acórdão estar proferido, não sendo despiciendo, em abono da verdade, o facto de o Sr. Juiz Relator do Processo inicialmente nem sequer ser o Sr. Juiz visado no incidente, mas sim o Dr. C. (que a ter-se mantido no processo, estamos em crer, ter-se-ia evitado a presente situação).

A procedência da segunda inconstitucionalidade levará, por si só, à renovação do acórdão do S.T.J., porque o próprio acórdão reconhece que, só não é inconstitucional o art.º 43.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P., por via da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT