Acórdão nº 52/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 52/2023

Processo n.º 1032/2022

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, foi interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional por A., ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) — Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2022, de 4 de janeiro.

2. Através da Decisão Sumária n.º 691/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso, com a seguinte fundamentação:

5. O recorrente identifica, como objeto do recurso, duas normas imputadas aos artigos 61.º, n.º l, alínea b), e 327.º, n.º l do Código Penal. Por um lado, pretende a apreciação da constitucionalidade da norma segundo a qual «Tendo o Ministério Público requerido, no início do julgamento, a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao Arguido, não está o Tribunal obrigado a conceder ao Arguido a possibilidade de se pronunciar sobre esse pedido antes de tomar uma decisão»; em alternativa, pede a fiscalização da norma, arrimada nas mesmas disposições legais, segundo a qual «Pode o Tribunal, a pedido do Ministério Público, admitir uma alteração à qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, imputando-lhe a prática de um crime na forma agravada, sem lhe conceder, previamente, a possibilidade de se pronunciar sobre esse concreto pedido».

Ora, sem prejuízo da eventualidade de se não se verificarem outros pressupostos de admissibilidade, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objeto do recurso, uma vez que a decisão recorrida não aplicou, enquanto ratio decidendi, qualquer das normas que o recorrente pretende ver apreciadas (artigo 79.º-C da LTC). Não existe correspondência entre as normas que o recorrente quer ver sindicadas e aquelas que foram efetivamente aplicadas na decisão recorrida, a implicar que — atenta a instrumentalidade dos recursos de constitucionalidade — o acórdão ora impugnado sempre se mantivesse intocado ainda que fosse julgada a inconstitucionalidade das normas que constituem o objeto do recurso.

Na verdade, para que aquelas normas houvessem constituído a ratio decidendi do acórdão ora impugnado, impor-se-ia que o tribunal a quo houvesse concluído não ter sido dado contraditório ao arguido quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos, fundando-se a improcedência do recurso na respetiva desnecessidade: «Tendo o Ministério Público requerido, no início do julgamento, a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao Arguido, não está o Tribunal obrigado a conceder ao Arguido a possibilidade de se pronunciar sobre esse pedido antes de tomar uma decisão» (primeira norma sindicada); qual «Pode o Tribunal, a pedido do Ministério Público, admitir uma alteração à qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, imputando-lhe a prática de um crime na forma agravada, sem lhe conceder, previamente, a possibilidade de se pronunciar sobre esse concreto pedido» (segunda norma sindicada).

Ora, assim não foi: conclui-se no acórdão recorrido (fls. 306v) que foi dado contraditório prévio ao arguido. Lê-se na decisão recorrida:

«Como resulta do explanado, o tribunal a quo comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação no início da audiência, antes de ser produzida qualquer prova, em manifesta e não fundamentada obliteração da jurisprudência fixada no Ac. do STJ n° 11/2013 de 12/06/2013, DR, I Série, n° 138, de 19/07/2013, segundo a qual: "a alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no artigo 358.° n°s 1 e 3 do CPP", mesmo quando a decisão atende, como no caso em preço, somente ao texto da acusação.

Só que, finda a produção de prova - na sessão de 15/11/2021 da audiência - o tribunal recorrido voltou a comunicar ao arguido, nos termos do artigo 358°, n° 3, do CPP, uma nova alteração da qualificação jurídica, considerando que "há que atender às condutas isoladas que se encontram indiciadas, as quais são subsumíveis à prática, pelo arguido, dos seguintes crimes: um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo art.° 171°, n° 2 e 177°, n° 5, do CP; um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.° 171°, n° 2".

E, o arguido nada requereu face a essa comunicação, prosseguindo a audiência de julgamento. Daí que, a primeira alteração tenha perdido relevância, ficando prejudicada e o não acatamento da jurisprudência fixada se mostre desprovido de consequências, não ferindo os direitos de defesa do arguido.

(…)

Ora, nas situações previstas no artigo 358° (e 359°), do CPP, fica garantido o exercício do contraditório e salvaguardado o direito de defesa com a comunicação ao arguido da alteração do objecto do processo, quer quanto aos factos, quer no que tange à qualificação jurídica e possibilidade de requerer prazo suplementar para a preparação da defesa.

Assim sendo, não se verifica interpretação obliteradora das normas contidas nos artigos 61°, n° 1, alínea b) e 327°, n° 1, do CPP, artigos 2°, 20° e 32°, da Constituição da República Portuguesa e artigo 6°, n° 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Como presente não está a nulidade prevista no artigo 120°, n° 2, alínea d), do CPP (nem se vê, aliás, como a pretensa violação do contraditório integraria "omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade") ou irregularidade».

Como resulta claro, a razão pela qual o tribunal a quo considerou improcedente a argumentação do arguido não foi qualquer norma segundo a qual é desnecessário o contraditório quanto ao pedido do Ministério Público. Foi, ao invés, a circunstância de o Tribunal da Relação de Lisboa ter considerado que esse contraditório foi efetivamente facultado. Sem que caiba ao Tribunal Constitucional sindicar se, no caso concreto, aquele existiu ou não: essa é uma matéria de direito comum, para que são competentes os tribunais comuns.

Tendo a decisão recorrida considerado ter sido facultado ao arguido contraditório, impõe-se a inelutável conclusão de que em momento algum o tribunal a quo aplicou, sequer indiretamente, a norma segundo a qual «Tendo o Ministério Público requerido, no início do julgamento, a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao Arguido, não está o Tribunal obrigado a conceder ao Arguido a possibilidade de se pronunciar sobre esse pedido antes de tomar uma decisão»; ou a norma segundo a qual «Pode o Tribunal, a pedido do Ministério Público, admitir uma alteração à qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, imputando-lhe a prática de um crime na forma agravada, sem lhe conceder, previamente, a possibilidade de se pronunciar sobre esse concreto pedido». O que obsta a que possa o Tribunal Constitucional conhecer da respetiva conformidade constitucional, nos termos do disposto no artigo 79.º-C da LTC, já que um eventual julgamento da inconstitucionalidade não geraria a modificação da decisão impugnada, por se conservarem intactos os verdadeiros fundamentos que a motivaram (n.º 2 do artigo 80.º da LTC)».

3. Inconformado com tal decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, nos seguintes termos:

« A., Recorrente, nos autos acima melhor identificados, notificado da decisão sumária de fls., de 10/11/2022, não se conformando com a mesma, vem, nos termos do artigo 78.°-A, n.° 3, da L.T.C, (redação da Lei n.° 13- A/98, de 26 de fevereiro), apresentar

RECLAMAÇÃO PARA A...

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