Acórdão nº 214/20.7PCCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelM. CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 214/20.7PCCSC.L1.S1 Recurso Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

No processo comum (tribunal coletivo) n.º 214/20.7PCCSC do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., comarca de Lisboa Oeste, por acórdão de 2.06.2022, o arguido/recorrente AA foi condenado, além do mais, como autor material e em concurso real, de dois crimes de simulação de crime, p. e p. pelo artigo 366° do Código Penal, quatro crimes de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256° n.°s. 1, alíneas a), e) e f) e 3 do Código Penal, por referência ao artigo 255°, alínea a) do mesmo Código, um crime de burla qualificada, p. ep. pelos artigos 217° n.° 1 e 218° n.° 2 alínea a), ambos do Código Penal, por referência ao artigo 202°, alínea b) do mesmo Código, um crime de burla qualificada na forma tentada, e p. pelos artigos 73°, 22°, 23°, 217° n.° 1 e 218° n.° 1, todos do Código Penal, por referência ao artigo 202° alínea a) do mesmo Código, um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 26° e 210° n.° 1, ambos do Código Penal e um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217° n.° 1 e 218° n.° 1, todos do Código Penal, por referência ao artigo 202° alínea a) do mesmo diploma legal, nas penas de : - 4 (quatro) meses de prisão, por cada um dos dois crimes de simulação de crime; - 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos quatro crimes de falsificação de documento; - 4 (quatro) anos de prisão, pelo crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218°, n°. 2, do Código Penal; - 1 (um) ano de prisão, pelo crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 218°, n°. 1, 22° e 23°, todos do Código Penal; - 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de roubo; - 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218°, n°. 1, do Código Penal; e, - em cúmulo jurídico dessas penas foi condenado na pena única de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão.

  1. Tendo recorrido, por acórdão do TRL de 27.10.2022, foi decidido negar provimento ao seu recurso, sendo mantida a decisão recorrida.

  2. Não se conformando com o decidido, recorreu o arguido apresentando as seguintes conclusões: A. Os autos em epígrafe que o Acórdão ora recorrido vem de analisar, ponderar e sentenciar relativamente a este arguido, constituem o repositório de crimes pouco edificantes, de atualidade e de extremo perigo social, quais são os de simulação de crime, falsificação ou contrafação de documento, burla qualificada, e roubo.

    1. Discutida a causa, foi proferido Acórdão pelo Coletivo de Juízes que compõe o J2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - ..., confirmado agora pelo Coletivo de Juízes que compõe a ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, condenando arguido pela prática de dois crimes de simulação de crime, na pena de quatro meses de prisão por cada crime, quatro crimes de falsificação ou contrafação de documento, na pena de um ano e seis meses de prisão por cada crime, um crime de burla qualificada, na pena de quatro anos de prisão, um crime de burla qualificada na forma tentada na pena de um ano de prisão, um crime de roubo na pena de três anos e seis meses de prisão e um crime de burla qualificada na pena de um ano e seis meses de prisão.

    2. Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de oito anos e três meses de prisão efetiva.

    3. Os antecedentes criminais do arguido, ora recorrente, resultam exclusivamente do cometimento de crimes que, embora censuráveis, são considerados como criminalidade de gravidade muito reduzida e ambos por factos praticados há mais de dez anos! E. Assim, com exceção do crime de burla qualificada o recorrente não tem qualquer condenação anterior quanto aos crimes de que vem condenado, estando social e familiarmente inserido, tendo um filho recém-nascido o qual tem estado muito próximo em virtude de se encontrar em prisão domiciliária tendo sido um forte apoio à sua companheira.

    4. Mais, prestou declarações na Audiência de Julgamento visando a colaboração para a descoberta da verdade.

    5. Quanto se acaba de dizer, repercute-se significativamente no anterior comportamento do arguido, relativamente ao qual não perpassam nos autos antecedentes criminais compatíveis com a “imagem” que, ao longo do Acórdão ora recorrido, foi sendo dada ao arguido.

    6. Veja-se, ainda, o relatório social para determinação da sanção que refere expressamente que na eventualidade de vir a ser condenado e a medida concreta da pena permita a sua execução na comunidade, AA beneficiaria com uma medida de caracter probatório direcionada para a adoção de um modo de vida normativo, ou seja, o parecer é no sentido que o recorrente cumprisse uma pena não privativa da liberdade.

      I. No que respeita ao crime de roubo a que o arguido foi condenado, salvo o devido respeito, estamos perante uma clara insuficiência de matéria probatória que permita afirmar, sem dúvida, que o Arguido cometeu este crime, nos termos do artigo 410, n.º2, alínea a) e c) do Código de Processo Penal, senão vejamos: J. O arguido, foi condenado pelo crime de roubo pelos factos dados como provados 46.º a 51.º do Douto Acórdão confirmado pela Relação de Lisboa.

    7. Resulta desse mesmo Acórdão, da matéria de facto dada como provada e não provada e da própria fundamentação, que os dois indivíduos que estiveram no local do crime, nenhum deles era o arguido, não havendo qualquer prova que permita aferir que o Arguido tenha pedido a quem quer que seja para que cometesse um crime de roubo contra a Sra. BB.

      L. Não há, também, um elemento de prova que permita aferir que o Arguido se tenha socorrido de indivíduos para cometer um crime de roubo de forma que a Sra. BB não o denunciasse nem que tais indivíduos tenham entregue o veículo roubado e os demais pertences ao Arguido.

    8. Tudo isto resulta do Douto Acórdão, pelo que, salvo o devido respeito, existe um claro erro na apreciação da prova e até mesmo uma insuficiência de prova para dar estes factos como provados e consequentemente a condenação do arguido pelo crime de roubo.

    9. Nem sequer podemos falar no princípio da livre apreciação da prova, pois no caso concreto não existe prova! O. Analisando todo o processo e como resulta da própria fundamentação do tribunal de primeira instância confirmado pela Relação, a base para dar como provados estes factos reside unicamente na questão de o arguido ter sido intercetado na posse deste veículo anos depois.

    10. Salvo melhor opinião este aspeto poderia consubstanciar a prática de um crime de recetação, mas nunca de roubo..

    11. Assim, e ao nem sequer colocar a duvida, diga-se, mais que razoável, se o arguido pelo simples facto de ter sido apanhado na posse do veiculo roubado, anos depois desse facto, é o autor de tal crime, violou o principio in dubio pro reo, que estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido.

    12. Face ao exposto pode-se concluir que no caso em apreço existem sérias dúvidas quanto à participação do arguido nos factos dados como provados (respeitante ao crime de roubo) pelo que tais factos não poderão ser imputados ao arguido por força do princípio “in dubio pro reo”, caso contrário estar-se à a violar o preceituado no artigo 32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa.

    13. No Acórdão que ora se recorre os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa negaram provimento ao recurso apresentado, sendo que, entre outros aspetos, o mesmo visava a impugnação da escolha e medida concreta da pena aplicada ao arguido, considerando a mesma demasiado excessiva e injusta.

    14. Os crimes pelo quais o arguido foi condenado preveem, na sua maioria, penas privativa e não privativa da liberdade, tendo o tribunal de primeira instância, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, decidido pela aplicação de uma pena privativa da liberdade em todos eles, justificando tal decisão com o facto de o arguido já ter averbada condenações no seu certificado de registo criminal por crimes de igual natureza.

    15. Tal facto não corresponde à realidade além de não ser suficiente para que se possa considerar que uma pena de multa realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, senão vejamos: V. Os crimes de simulação de crime, burla qualificada na forma tentada, burla qualificada cfr. artigos 217º e 218º n.º do Código Penal e os crimes de falsificação de documentos, preveem, todos eles penas de multa ao invés de penas de prisão, sendo certo que de todos estes crimes o único crime de igual natureza que o arguido regista no seu certificado de registo criminal é o de burla.

    16. No caso concreto, tem que se ter em conta o facto de o arguido ter trabalho estável e até bem remunerado.

      X. Na determinação da medida da pena devem ser em tidas em conta, para além da culpa do agente, as necessidades de prevenção, tal como dispõe o artigo 71º do Código Penal, sendo que a prevenção está ligada à necessidade comunitária de punição do caso concreto, sendo que só se torna justificável a aplicação de uma pena se esta for realmente necessária, e quando necessária, esta deverá ser sempre aplicada na medida exata da sua necessidade e sempre subordinada a uma proibição de excesso.

    17. Quando estamos perante uma pena excessiva (ainda que tenha sido considerada necessária) que ultrapasse o juízo de censura que o agente causador do crime mereça, essa pena é injusta.

    18. Salvo o devido respeito, a gravidade das consequências que os factos praticados pelo arguido tiveram foram diminutas, uma vez que dos crimes praticados não resultou perigo de vida para ninguém.

      AA. Atento ao exposto, duvidas não há que o arguido possui todos os fatores para que a escolha da pena seja não privativa da liberdade e na sua medida a pena a ser aplicada seja perto do limite mínimo.

      BB. Pelo que, face ao supra referido, o recorrente entende que a pena de prisão aplicada aos crimes que preveem a possibilidade de penas de multa deve ser alterada para uma pena não privativa da liberdade.

      CC. No entender do arguido a...

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