Acórdão nº 19/23 de Tribunal Constitucional, 08 de Fevereiro de 2023

Data08 Fevereiro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 19/2023

Processo n.º 1068/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., recorrente nos presentes autos, foi condenado, em 20 de fevereiro de 2015, em processo que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Velho sob o n.º 165/13.1GAMMV, pela prática de dois crimes de ameaça agravada, dos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), um crime de introdução em local vedado ao público, dos artigos 191.º, um crime de coação agravada, dos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a) e um de ofensa à integridade física simples, do artigo 143.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, com execução suspensa, com obrigação de pagar à lesada 1.550,00 €, no prazo de um ano contado desde o trânsito em julgado.

Em 16 de novembro de 2018, o ora recorrente foi condenado, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 189/16./GAMMV, por um crime de ameaça, do artigo 155.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 153.º, n.º 1, e um crime de injúria, do artigo 181.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena única de 1 ano, 1 mês e 15 dias de prisão, suspensa com sujeição a deveres e regras de conduta.

Em 7 de janeiro de 2020, foi proferido despacho, no processo n.º 165/13.1GAMMV, revogando a decisão de suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora aplicada naqueles autos.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 10 de fevereiro de 2021, negou provimento ao recurso.

1.1. Em 3 de março de 2021, apresentou requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, abreviadamente, «LTC») (cf. fls. 147-161).

1.2. Em requerimento entregue no mesmo dia 3 de março de 2021, o ora recorrente dirigiu ao tribunal a quo, ao abrigo dos artigos 380.º e 425.º do Código de Processo Penal, um pedido de aclaração, do acórdão prolatado a 10 de fevereiro de 2021, em que arguiu a sua «evidente ausência de fundamentação quanto à matéria constante de alegações e referentes aos princípios constitucionais violados pelo Despacho de suspensão da revogação da pena de prisão», bem como a sua nulidade por omissão de pronúncia (cf. fls. 160-161).

1.3. O recurso interposto para o Tribunal Constitucional foi admitido, por despacho do relator, a 27 de abril de 2021 (cf. fls. 169), notificado ao ora recorrente, via Citius, por ofício de 28 de abril de 2021 (cf. fls. 171).

1.4. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de maio de 2021, foi julgado parcialmente procedente o requerimento do arguido quanto ao pedido de retificação do erro material cometido quanto à indicação da data em que foi aplicada a pena de prisão, e indeferido, na parte em que suscitava a falta de fundamentação e omissão de pronúncia (cf. fls. 178-179).

1.5. Os autos foram remetidos a este Tribunal, por despacho de 11 de outubro de 2021, exarado a fls. 192, «na sequência do recurso interposto e admitido», com informação dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça de que, por lapso, tal não tinha sido considerado no despacho que determinou a remessa da reclamação, apresentada ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal (cf. fls. 192 e 196).

1.6. Por decisão sumária n.º 228/2022, proferida a 23 de março de 2022, foi decidido não tomar conhecimento do recurso, essencialmente, com a seguinte fundamentação:

« (…)

[c]omo resulta do iter processual anteriormente transcrito, o ora recorrente, a 3 de março de 2021, deduziu recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, na sequência da notificação do acórdão prolatado no Tribunal da Relação de Coimbra a 10 de fevereiro de 2021, que negou provimento ao recurso deduzido do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora aplicada (cf. ponto I., 1.1. supra).

Simultaneamente (i.e., ainda no mesmo dia), o recorrente veio apresentar, perante o tribunal recorrido, um pedido de aclaração, de arguição de nulidade e falta de fundamentação do mesmo acórdão, na parte aqui relevante, por entender que o mesmo não se tinha pronunciado «quanto à matéria constante de alegações e referentes aos princípios constitucionais violados pelo Despacho de suspensão da revogação da pena de prisão» (cf. ponto I., 1.2. supra).

Resulta, por isso, inequívoco que o recorrente ainda pretendia obter do tribunal recorrido uma nova pronúncia quanto às questões ali invocadas, mormente a respeito da alegada violação dos princípios constitucionais pelo despacho objeto de reclamação. E, porventura, caso fosse julgado procedente o requerido, a decisão do tribunal a quo poderia conduzir a uma alteração da decisão recorrida, quanto às questões que integram o objeto do presente recurso.

Note, aliás, que, da tramitação processual dos autos, transparece que ainda estaria pendente uma reclamação deduzida para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal (cf. ponto I., 1.5. supra), o que reforça a ideia que o acórdão recorrido (que constitui objeto formal do presente recurso), no momento em que foi deduzido o recurso de constitucionalidade, não constituía, na ordem jurisdicional respetiva, uma decisão final das instâncias, quanto à composição deste concreto litígio, o que torna o recurso intempestivo, por não se mostrar cumprido o pressuposto constante do n.º 2 do artigo 70.º da LTC.

3.2. Importa recordar, como antes se referiu, que a admissão do recurso no tribunal recorrido não vincula o Tribunal Constitucional (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC), competindo ao relator, nos termos previstos no artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, em exame preliminar dos autos, aferir da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.

Ora, sendo o recurso deduzido ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a tempestividade do recurso deve ser aferida por referência à data da respetiva interposição. Ou seja, atendendo à data de apresentação do requerimento respetivo no tribunal a quo (neste sentido, entre outros, os Acórdãos n.ºs 735/2014, 601/15, 670/2018 ou 165/2019).

Cumpre ainda esclarecer que este regime não agrava a posição do processual do recorrente, uma vez que, obtida a posição final das instâncias, não veria precludida a possibilidade de aceder ao Tribunal Constitucional, renovando (ou recolocando) a sua pretensão, por força do regime previsto no n.º 6 do artigo 70.º ou no n.º 2 do artigo 75.º da LTC, caso se mostrassem reunidos os respetivos pressupostos.

Conclui-se, assim, que o recurso de constitucionalidade, que tinha por objeto o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de fevereiro de 2021, apresentado a 3 de março de 2021, não foi deduzido relativamente a uma decisão final ou definitiva das instâncias, pelo que não se mostrava cumprido o pressuposto do prévio esgotamento dos recursos ordinários (cf. n.º 2 do artigo 70.º da LTC), o que inviabiliza o conhecimento do respetivo objeto.

4. Mas, ainda que, a este respeito, não fosse acolhido o entendimento acabado de expor, claramente prevalecente na jurisprudência deste Tribunal, sempre se antevê que o presente recurso não podia ser objeto de conhecimento, por não se mostrarem reunidos outros dos pressupostos de admissibilidade do recurso, deduzido ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

Com efeito, relativamente à primeira questão de constitucionalidade invocada – e única previamente suscitada perante o tribunal recorrido –, que incide sobre «a interpretação que se extraia do disposto no art.º 56.º, 77.º n.º 1 e 78.º n.º 1 do Código Penal no sentido de que e a pena de prisão suspensa na sua execução pode ser englobada em cúmulo jurídico de penas, sem que ocorra qualquer das circunstâncias [crê-se que, por lapso, se escreveu 17] previstas no art.º 56.º do C.P. ou, sem que exista qualquer comportamento posterior negligente ou doloso por parte do condenado que indique que a pena suspensa não atingiu os seus fins ou, sem que exista decisão fundamentada no sentido da pena suspensa ou das penas parcelares que a componham englobem tal cúmulo jurídico, tudo, por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito, na sua vertente da confiança e segurança jurídicas e da legalidade, do princípio da proporcionalidade, do princípio da culpa e da fundamentação das decisões judiciais (art.ºs 1.º, 2.º, 18.º n.º 2, 27.º n.ºs 1 e 2 e 205.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa)», é manifesto que a mesma não constitui a ratio decidendi do decisum a quo.

Como reconhece o recorrente que...

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