Acórdão nº 33/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 33/2023

Processo n.º 911/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A. e B. e recorridos o Ministério Público e outros, foram interpostos os presentes recursos, ao abrigo da alínea b) e c) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 5 de maio de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 709/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento dos objetos dos recursos interpostos. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«9. Sendo dois os recorrentes, que apresentam requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade distintos, impõe-se uma apreciação separada.

10. A. pretende a apreciação da constitucionalidade do seguinte objeto:

i. «[N]ormas dos conjugadas artigos 283.°, n.° 3, alíneas c) (atual alínea d), na redação que lhe foi dada peia Lei n.° 94/2021, de 21 de Dezembro), e 358,°, n.°s 1 e 3 e 380.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que a omissão na Acusação e no Despacho de Pronúncia de imputação jurídico-penal, com indicação de todas as disposições legais aplicáveis, configura um mero lapso, podendo e até se impondo ao juiz de julgamento que proceda à correção ou retificação desse lapso/omissão, complementando a acusação/pronúncia através da imputação das disposições legais aplicáveis aos factos nelas descritos, ao abrigo do disposto no art.° 358.°, n.° 3 ou mesmo à luz do art.º 380.°, n.° 3, ambos do CPP»;

ii. «[N]ormas conjugadas dos artigos 283.°, n.° 3, alínea e c) (atual alínea d), na redação que lhe foi dada peia Lei n.° 94/2021, de 21 de Dezembro), 358.°, n.° 3 e 380.°, n,° 3, todos do Código de Processo Penal, no sentido de que o juiz de julgamento pode proceder, ex novo, à qualificação jurídica de factos descritos na Acusação ou Despacho de Pronúncia, imputando ao Arguido a prática de um crime pelo qual não vinha acusado nem pronunciado e que tal imputação, efetuada ex novo a final da audiência de discussão e julgamento se enquadra numa alteração não substancial dos factos, admissível nos termos do n.° 3, do art.º 358.°, ou até numa mera correção/retificação daquelas peças processuais admissível nos termos do art.º 380.°, n.° 3, do mesmo diploma legal, se traduz numa mera correção de um lapso e não afeta o direito de defesa do visado por tal alteração» e

iii. «[N]orma do artigo 283.°, n.° 3, alínea b), do Código de Processo Penal, no sentido de que a Acusação e a Pronúncia da qual constem todos os factos integradores do elemento subjetivo do tipo incriminador imputado, em todas as suas vertentes, nomeadamente o que concerne à consciência da punição, se traduz numa nulidade relativa, bem como o facto de no Acórdão condenatório não se ter dado como provado, nem como não provado, que o arguido agiu sabendo que a sua é proibida e punida por lei, se trata de um lapso manifesto e irrelevante da decisão condenatória que já vem da acusação/pronúncia e, como tal, sanada».

11. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há-de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Tal requisito não se pode dar como verificado quanto às normas enunciadas em i. e ii.

A terem sido aplicadas tais normas, foram-no no segmento do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em que se apreciou o recurso intercalar interposto pelo arguido A. sobre o despacho do Tribunal de 1.ª instância, datado de 29 de abril de 2021. Como tal, o momento processualmente adequado para dar satisfação ao ónus de suscitação prévia e processualmente idónea da inconstitucionalidade de tais normas seria a motivação desse recurso.

Em todo o caso, nem nas conclusões da motivação desse recurso, nem nas conclusões da motivação do recurso posteriormente interposto sobre o acórdão condenatório, o arguido, ora recorrente, observou o disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC. Em ambos os casos o recorrente identificou os artigos em apreço – artigos 283.º, n.º 3, alínea c), 308.º, n.º 2, 358.º, n.os 1 e 3, 359.º, n.os 1 e 3, 380.º, n.os 1 e 5 e 97.º, n.º 5, todos do Código de Processo Penal –, mas não enunciou o conteúdo da norma ou normas que considera serem inconstitucionais, antes remetendo para a «interpretação normativa (…) efectuada no Acórdão recorrido».

Este Tribunal tem vindo a entender que, quando «se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um tal sentido» (Acórdão n.º 106/99).

Em face do exposto, não se pode conhecer desta parte do objeto do recurso.

12. No que concerne à norma iii., cabe notar que a mesma comporta dois segmentos distintos: um primeiro relativo à natureza e regime da nulidade prevista no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal; e um segundo relativo à ausência de pronúncia probatória do Tribunal sobre determinado facto atinente ao conhecimento, pelo agente, da punibilidade da conduta imputada e do seu regime jurídico.

Quanto ao primeiro segmento, a questão coloca-se nos mesmos termos que se expuseram relativamente às normas i. e ii. Com efeito, nas conclusões do recurso interposto, o recorrente não suscitou, de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade da norma que agora define como objeto do recurso.

No que respeita ao segundo segmento, observe-se que apenas se pode tomar como interpretação de uma disposição legal uma proposição que tenha com a letra deste um mínimo de correspondência. Dito de outro modo: para que estejamos ainda perante uma verdadeira norma, extraída por interpretação de um ou vários preceitos, é necessário que a mesma encontre um mínimo de correspondência com o enunciado legal invocado. A não ser assim, o próprio conceito de «interpretação normativa» perderia a sua razão de ser, pois deixaria de traduzir um dos sentidos possíveis da lei (v. os Acórdãos 367/94 e 107/99). Ora, no caso vertente, não é possível extrair a norma a sindicar do preceito referido pelo recorrente, dado que este regula somente as nulidades da acusação. Sobre os vícios que possam afectar as decisões judiciais condenatórias, no que concerne à omissão de pronúncia relativamente a determinados factos tidos por relevantes para o apuramento da responsabilidade criminal de um arguido – designadamente não os dando nem como provados, nem como não provados –, não rege tal preceito, razão pela qual não pode ter-se como extraível do artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, uma norma nos termos da qual possa configurar «um lapso manifesto e irrelevante da decisão condenatória», já sanado, um caso em que o «no Acórdão condenatório não se ter dado como provado, nem como não provado, que o arguido agiu sabendo que a sua é proibida e punida por lei». Tal obsta a que possa ser apreciada no presente recurso, por não corresponder a uma verdadeira norma.

13. Apreciemos agora o recurso interposto pelo recorrente B..

O objeto é definido no requerimento da seguinte forma:

i. Artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que «o recorrente que pretenda ver o seu recurso de decisão que conheça a final do objecto do processo, apreciado em audiência no Tribunal da Relação não pode apresentar como pontos a discutir todos aqueles que invocou no seu recurso, sob pena de indeferimento da sua pretensão»;

ii. Artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que «o recorrente que pretenda ver o seu recurso de decisão que conheça a final do objeto do processo, apreciado em audiência no Tribunal da Relação deve, para além de especificar os pontos que pretende ver debatidos, apresentar uma exposição dos motivos, acrescidos e excepcionais, que justificam e o levam a requerer a audiência» e

iii. Artigo 127.º do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que «ainda que a prova produzida e as regras da experiência permitam ou não colidam com mais do que uma solução, nomeadamente com aquela que é apresentada peio arguido, se a decisão do julgador devidamente fundamentada, for uma das soluções possíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável».

14. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há-de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Tal requisito não se pode dar como verificado no que à norma descrita em i. diz respeito.

Com efeito, na reclamação para a conferência apresentada contra o despacho do relator, datado de 9 de março de 2022, o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade da norma do artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, nessa específica dimensão, isto é, de que não satisfaz a exigência de especificação dos pontos da motivação do recurso que o...

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