Acórdão nº 24/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Data08 Fevereiro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 24/2023

Processo n.º 719/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 23 de setembro de 2020 que, entre o mais, indeferiu a reclamação apresentada pela ora recorrente contra o acórdão proferido pelo mesmo tribunal em 03 de junho de 2020, no qual foi decidido, além do mais, julgar improcedente o recurso apresentado pela ora recorrente, mantendo-se a decisão proferida pelo Juiz 1 do Juízo Central Criminal de Viseu do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, que a condenou pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de quatro anos e nove meses de prisão efetiva, bem como, julgando parcialmente procedente o pedido de declaração de perda de vantagens, no pagamento ao Estado, solidariamente com outros arguidos, da quantia de € 930,00 (cfr. fls. 5947 a 6013).

2. Pela Decisão Sumária n.º 787/2022, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto, pelos seguintes motivos:

«4. Nos termos relatados, a recorrente manifesta a intenção de sindicar dois enunciados interpretativos distintos, sendo eles:

- «O artigo cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende ver apreciada reconduz-se ao disposto no artigo 425°, n.º 4, do CPP que estatui:

"E correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.° e 380.°, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento."

Com o presente recurso pretende ver-se aferida a constitucionalidade da norma do 425°, n.° 4, do CPP, com referência ao disposto no n.º 4 do artigo 20.° e n.º 2 do art. 32°, ambos da C.R.P., quando interpretada no sentido de que impugnada a matéria de facto, a Relação, em via de recurso, pode-se limitar a subscrever ipsis verbis os motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão de 1.ª instância, sem efectuar o exame critico das provas indicadas para formar aquela convicção, mantendo a decisão sobre a matéria de facto da primeira Instância, mesmo nos casos de se verifica não existir regularidade e validade processual da valoração das provas, e bem assim quando as conclusões obtidas pela primeira Instância não são congruentes com os seus resultados e se ajustam aos critérios gerais de argumentação lógica, segundo as regras de experiência comummente admitidas, é uma interpretação ilegal, porque desconforme com a referida norma, mas também, inconstitucional, porque violadora do principio do "processo justo e equitativo", contido no n.º 4 do artigo 20.° da C.R.P, e do princípio in dúbio pro reo, vertido no art. 32.°, n.º 2, l.ª parte, da CRP.»;

e

- «(…) pretende-se que seja apreciada inconstitucionalidade ou ilegalidade do disposto no art. 50° do CP que estatui:

"1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."

Deste modo, pretende ver-se aferida a constitucionalidade da norma do 50°, n.º 1, do CP, com referência ao disposto no artigo 18° da C.R.P., quando interpretada no sentido de que uma pena aplicada a um crime de tráfico de estupefacientes nunca pode ser suspensa na sua execução, por uma questão de prevenção geral, é uma interpretação ilegal, porque desconforme com a referida norma, mas também, inconstitucional, porque violadora do "princípio da proporcionalidade" consagrado no artigo 18° Constituição da República Portuguesa.».

5. A decisão aqui recorrida reconduz-se ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 23 de setembro de 2020 – cfr. fls. 5819 e 5820 dos autos – a qual, no que ora releva, tem o seguinte teor:

«Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

No acórdão proferido por esta Relação foi decidido julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos (…) e A..

Notificados do mesmo, os arguidos (…) e A. vieram reclamar para a conferência formulando os seguintes pedidos:

(…)

A.: “(...) reforma do douto Acórdão proferido, substituindo-o por outro que dando aplicação aos princípios constitucionais absolva a arguida A., ou se assim se não entender, suspenda a pena que lhe foi aplicada na sua execução.” 

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta manifestou-se pela total improcedência do peticionado.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre apreciar

Vejamos:

Determina o artigo 613°, n° 1 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal (…) que “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, ou seja, como explica o Professor José Alberto dos Reis, in CPC Anotado, V, página 127 “dirimido o conflito, ainda que este respeite a questão processual, e porque o poder jurisdicional só está conferido ao juiz como mero instrumento legal para o decidir, deixa (o mesmo) de estar habilitado logicamente com o poder que já exerceu”, pois esta “esgotou-se” e “fica, (...) por regra, precludida a possibilidade legal de o juiz definir no mesmo processo em novos termos a relação jurídica apreciada, salvo em caso e por virtude do decidido em recurso da sua decisão2”.

Contudo, este “esgotamento” não corresponde à absoluta impossibilidade de ele próprio corrigir a sua decisão: quando esteja em causa um acórdão proferido em recurso, pode fazê-lo de acordo com o disposto no artigo 425°, n° 4 que, para além do mais, nos diz que é correspondetemente aplicável o disposto nos artigos 379° e 380°.

Em suma, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa, não podendo o mesmo reponderar a solução encontrada mas apenas intervir nos termos do disposto no artigo 425°, n° 4.

Posto isto, vejamos:

Da leitura das reclamações resulta claramente que os arguidos/reclamantes discordam da nossa decisão e pretendem que o acórdão seja alterado em conformidade com os seus desejos, ou seja, que os absolva ou então que seja suspensa a execução das respectivas penas de prisão.

Todos eles apresentam como fundamento para o pedido de absolvição, a errada apreciação da prova em sede de julgamento em 1ª instância e a “adesão” desta relação ao decidido sem que no nosso acórdão tivesse sido cumprido o disposto no n° 2 do artigo 374° do Código de Processo Penal, “adesão” essa que por todos é qualificada como nulidade prevista no artigo 379°, n° 1, alínea a., do mesmo diploma.

Ora, se é evidente que o que se pretende com as reclamações é uma ilegal incursão pela decisão de fundo inserta no acórdão que a ter lugar violaria necessariamente o disposto no o artigo 613°, n° 1 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal, não é menos evidente que os reclamantes não atentaram que esta Relação não apreciou o recurso na vertente matéria de facto, uma vez que todos eles incumpriram o disposto no artigo 412.º, n.ºs 3, alínea b. e 4.

E se não apreciou o recurso por questões formais, também não poderia ter decidido por mera adesão aos fundamentos da 1.ª instância! Como é óbvio!

Temos assim que a alegação dos reclamantes relativamente ao recurso da matéria de facto não só nunca constituiria qualquer nulidade, como também não encontra no acórdão a mínima sustentação, ou seja, é mera ficção.

E pelas mesmas razões, não faz qualquer sentido a alegação de inconstitucionalidade de uma mera “adesão” aos argumentos da 1.ª instância, quando nem sequer este tribunal se pronunciou sobre a questão, ou seja, para além de invocarem a despropositada inconstitucionalidade de uma decisão judicial e não de uma norma, invocam a inconstitucionalidade de algo que nem sequer consta do acórdão.

E a falta de fundamento das diversas reclamações mantém-se na parte restante, visto a pretensão de reverter a decisão reclamada na parte em que não satisfez os pedidos de suspensão da execução das penas (…), constituir mera vontade de, em violação do disposto no artigo 613°, n° 1 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal, alterar a decisão desta Relação.

Face ao exposto, Vão indeferidas as reclamações apresentadas pelos arguidos (…) e A..».

6. Isto dito...

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