Acórdão nº 25/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 25/2023

Processo n.º 986/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. A., S.A., interpôs recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do regime dos artigos 6.º, 70.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 71º, n.º 1, 72.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 75.º, n.º 1, e 75.º-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, de 14 de abril de 2022, que negou provimento ao recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa.

As normas em causa são os artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da "Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético'', criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em vigor durante 2016 através do artigo 6.º da Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro, (relativa à prorrogação para esse ano de receitas previstas no Orçamento do Estado para 2015).

No entendimento da Recorrente, as normas referidas violam os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da equivalência, emanações do princípio da Igualdade (artigo 13.º, da Constituição), da tributação das empresas pelo lucro real (n.º 2 do artigo 104.º), ele próprio uma decorrência da capacidade contributiva e da Igualdade, da proporcionalidade (n.º 2 do artigo 18.º), da livre iniciativa (artigo 61.º), da propriedade privada (artigo 62.º) e da não consignação (n.º 3 do artigo 105.º).

A recorrente, A., S.A., propôs no Tribunal Tributário de Lisboa, 1.ª Unidade Orgânica, Impugnação Judicial contra o indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada contra o ato tributário de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) referente ao exercício do ano de 2016 no montante de €14.638.874,81.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação judicial improcedente.

Inconformada, a impugnante recorreu para a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo – Norte que, por acórdão de 14 de julho de 2022, lhe negou provimento.

2. Deste acórdão a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.

Foi proferida decisão sumária, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, por se entender que o objeto do presente recurso integrava questão simples, já tratada, de forma constante, pela jurisprudência constitucional.

A decisão sumária teve a seguinte fundamentação:

« 4. A compaginação constitucional do regime jurídico da CESE quanto a incidência subjetiva (artigo 2.º), objetiva (artigo 3.º), estatuto de isenções (artigo 4.º), alocação de receita ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) (artigo 11.º, n.º 1), natureza e regras relativas ao seu funcionamento e articulação com outras entidades públicas (artigo 11.º, n.ºs 2 a 5), para com os princípios da capacidade contributiva e da tributação segundo o lucro real (artigos 13.º e 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), bem como da equivalência e da proporcionalidade (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 266.º da Constituição da República Portuguesa) são objeto de amplo consenso na jurisprudência deste Tribunal.

Todas estas questões foram debatidas e apreciadas no Acórdão do plenário do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, que decidiu “Não julgar inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83º-C/2013, de 31 de dezembro”, posicionando-se pela conformidade para com Constituição das normas ora sindicadas, bem como da CESE cujo regime legal delas deriva. Foi entendimento adotado neste aresto que a CESE escapa ao conceito (e regime jurídico próprio) do imposto (por não constituir receita destinada a satisfazer toda a despesa pública) e da taxa (que se entende contrapartida de uma prestação pública de que beneficia o obrigado tributário), sendo qualificável como contribuição financeira a entidades públicas (v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015) e, como tal, inserindo-se num tertium genus que não partilha o regime jurídico de nenhuma daquelas duas classes de tributos (v. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 152/2013, 365/2008 e 613/2008). Alocada ao financiamento de Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) (artigo 11.º, n.º 1 do regime jurídico da CESE) e destinada a financiar “mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético” (artigo 1.º, n.º 2), a CESE acha-se construída de acordo com uma ótica interna de despesa, justificando a incidência contributiva sobre os operadores no setor energético por a atividade financiada se repercutir positivamente na sua atividade (bilateralidade genérica, potencial ou difusa).

Devendo ser qualificada como contribuição, não como imposto, mais foi entendimento do Tribunal Constitucional que a CESE não enfermava de vício de inconstitucionalidade material, designadamente por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República) na vertente de obrigação de equivalência (ou de justiça fiscal na incidência e quantificação da contribuição). A CESE compreende-se por ter abrangido os operadores no setor energético com a participação nos custos de estabilização do sistema coevo ao ramo económico em que operam. A constituição de uma entidade administrativa (o FESSE), dotada de órgão executivo autónomo, que tem por única missão obter e preservar a estabilidade e equilíbrio do setor energético e que, para esse propósito, absorve todas as receitas libertadas pela CESE, é, de si, evidente penhor do cariz comutativo e bilateral do tributo, acentuando a importância do objetivo que preside à contribuição.

O debate prosseguiu ainda, porém, para avaliar a compaginação constitucional do artigo 12.º do regime jurídico da CESE, que estabelece a desconsideração da contribuição como custo fiscal para efeitos de IRC (cfr. artigos 17.º, n.º 1 e 23.º-A, n.º 1, alínea q), ambos do CIRC). Sobre esta matéria específica debruçou-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 301/2021, que concluiu pela inexistência de vício de inconstitucionalidade material também quanto a esta norma.

Em essência, o problema subjacente era o mesmo, estando o juízo de censura constitucional do artigo 12.º do regime jurídico da CESE dependente da sua qualificação como imposto sobre o rendimento, não como contribuição financeira, pelo que a questão colocada estava desprovida de autonomia face à temática antes apreciada. Não obstante, o Tribunal Constitucional fez também ver que a propósito da arguida violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa) neste âmbito, haveria que levar em conta a operatividade do instituto enquanto instrumento tributário de captação de receita: a conexão necessária entre contribuição e benefício (difuso) obtido (tributo comutativo) apenas se poderia entender alcançável se a CESE participasse na sustentabilidade do setor energético sem implicar uma diminuição da receita de IRC, como seria o caso se fosse admitida como custo a abater a ganhos no exercício fiscal. Não fosse assim e o tributo ficaria desprovido de boa parte do seu alcance contributivo efetivo, produzindo um efeito marginal de mera transferência entre fontes de receita.

Cabe também notar que este entendimento tem sido repetidamente reiterado pelo Tribunal Constitucional. Os exemplos são muito numerosos mas, por proximidade com a temática destes autos, assinalamos que, com relação à CESE lançada para o exercício de 2016, debruçaram-se sobre a constitucionalidade do seu regime de incidência e isenção, natureza jurídica (artigos 2.º-4.º e 11.º) e desconsideração como custo fiscal (artigo 12.º), os acórdãos com os n.ºs 436/2021, 513/2021, 532/2021, 464/2021, 732/2021, 756/2021 e 231/2022, em todos os casos renovando-se o sentido decisório daqueles dois arestos e a doutrina neles contida, sem divergência assinalável.

5. A recorrente suscita ainda como parâmetros de constitucionalidade os princípios constitucionais da livre iniciativa (artigo 61º), da propriedade privada (artigo 62º) e da não consignação (n.º 3 do artigo 105º).

Sobre os mencionados parâmetros, apenas o alegado “da não consignação”, que a recorrente alega acomodar-se no nº3 do artigo 105º da CRP, não se encontra tratado na mencionada jurisprudência.

O princípio da não consignação de receitas, foi tratado no Acórdão nº 452/87 (que versa uma questão da afetação ou consignação em sentido amplo de receitas municipais), nos seguintes termos:

«[A] regra da não consignação de receitas é um princípio de natureza legal, que não uma imposição constitucional (cf. artigo 108.º da Constituição). Por isso, o legislador é livre de a consagrar ou não.

Simplesmente, o legislador, para o efeito, tem de ser a Assembleia da República ou o Governo munido de autorização legislativa, uma vez que a consagração (ou não) do princípio da não consignação de receitas se inscreve, seguramente, no «regime geral de elaboração e organização dos orçamentos [...] das autarquias locais» [alínea p) do n.º 1 do artigo 168.º].

(...)

A consignação de receitas vem a ser, segundo a doutrina corrente, a afectação de determinada receita a uma determinada despesa, por tal forma que esta apenas poderá ser satisfeita se e na medida em que o montante (cobrado) dessa receita o possibilite (duplo cabimento). E, por outro lado, aquela receita não pode ser destinada a outras despesas, a menos que se verifique um excesso dela sobre a despesa a que foi afectada (cf. J. J. Teixeira Ribeiro, Lições..., cit., pp. 49 e segs., Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Coimbra, 1987, p. 324, e Sabino Teixeira, «Consignação...

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