Acórdão nº 613/08 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução10 de Dezembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 613/2008

Processo 425/08

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

  1. Nos presentes autos, em que são recorrentes o Ministério Público, com natureza obrigatória, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da CRP e dos artigos 70º, n.º 1, alínea a) e 72º, n.º 3, ambos da LTC, e ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e recorrida A., S.A., foram interpostos recursos, respectivamente, em 17 de Janeiro de 2008 (fls. 197) e em 24 de Janeiro de 2008 (fls. 198), de sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 9 de Janeiro de 2008 (fls. 186 a 192), que desaplicou as normas constantes dos artigos 3º, n.º 3, alínea a), e 4º do Anexo I que consagra o Regime de Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovado Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, por as ter considerado inconstitucionais, por violação do princípio da legalidade tributária (no sentido da exigência de lei em sentido formal) consagrado nos nºs 2 e 3 do artigo 103º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa.

  2. Notificado para tal pela Relatora, o Ministério Público, na sua qualidade de recorrente, produziu alegações, das quais constam as seguintes conclusões:

    “1º

    A parte final da alínea i) do nº 1, do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa prevê a existência de uma terceira categoria tributária, ao lado das taxas “stricto sensu” e dos impostos, permitindo incluir nas contribuições financeiras a favor de entidades públicas as “taxas colectivas” que funcionam como contrapartida do serviço prestado – embora em termos não estritamente individualizáveis – por uma entidade pública a favor de um círculo ou categoria de pessoas, que beneficiam colectivamente da actividade daquela.

    A taxa de regulação e supervisão, criada e regulada pelos artigos 50º, alínea b), e 51º dos Estatutos Anexos à Lei nº 53/05, de 08/11, e pelos artigos 3º, nº 3, alínea a), e 4º do Regime de Taxas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 103/06, de 7 de Junho, insere-se na figura dos referidas “taxas colectivas”, estando consequentemente sujeita a reserva de lei parlamentar apenas quanto ao respectivo “regime geral”.

    Os traços fundamentais de tal taxa resultam, em termos bastantes, da Lei nº 53/05, suportando o respectivo desenvolvimento em diploma editado pelo Governo, no exercício da sua competência legislativa própria.

    Termos em que deverá proceder o presente recurso.” (fls. 221 e 222)

  3. Por sua vez, igualmente notificada para tal, a recorrente ERC produziu alegações, das quais constam as seguintes conclusões:

    A. A decisão recorrida não pode manter-se na nossa ordem jurídica porquanto – ao contrário do que concluiu sumariamente o tribunal a quo - a taxa de regulação e supervisão constitui uma verdadeira taxa, criada de acordo com as regras constitucionais e no estrito e rigoroso cumprimento da lei, designadamente do disposto na Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, no D. L. n.º 103/2006 e na Portaria n.º 653/2006, de 29 de Junho.

    B. Em cumprimento do preceituado no artigo 39.º da CRP, incumbe à ERC a tarefa de proceder à regulação do sector da comunicação social o que, naturalmente, exige uma intervenção dituturna em garantia do pluralismo, da liberdade de expressão dos cidadãos e da liberdade de imprensa dos meios de comunicação social, do equilíbrio entre valores contrapostos e entre os interesses do mercado e as finalidades do serviço público ou as exigências da actuação na esfera pública.

    C. A distinção entre as figuras da taxa e do imposto tem sido objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional e assenta, em síntese, nos critérios estruturais da bilateralidade e da proporcionalidade a que a taxa de regulação e supervisão dá integral cumprimento.

    D. A letra do artigo 4.º do D.L. n.º 103/2006 é, por si só, elucidativa quanto à existência de uma contraprestação e quanto à respectiva natureza: mediante o pagamento da taxa de regulação e supervisão, os operadores beneficiam de um serviço público que se consubstancia na regulação e supervisão do sector onde se insere, i.e., na monitorização e acompanhamento contínuo e regular, que assegura aos regulados – como a ora recorrida – a conservação das condições institucionais de pluralismo, liberdade de expressão e até de concorrência, indispensáveis ao cumprimento das garantias constitucionais em sede de liberdade de imprensa ou comunicação social.

    E. Concretamente, a recorrida beneficiou desta contraprestação por parte da ERC.

    F. No que se reporta ao critério da proporcionalidade, não subsistem quaisquer dúvidas que a relação entre o valor a pagar a título de taxa e o serviço concretamente prestado pela ERC se orienta por uma pauta de estrita proporcionalidade, ou que – delimitando o critério pela negativa como se faz na jurisprudência prolatada pelo Tribunal Constitucional – não se verifica, in casu, uma «desproporção manifesta ou flagrante» entre o custo do serviço e a sua utilidade para os meios de comunicação social

    G. Com efeito, o cálculo da taxa de regulação e supervisão é efectuado por reporte a um escrupuloso catálogo de categorias de meios de comunicação social e subcategorias de acordo com a diferente intensidade das actividades de regulação e supervisão postuladas em cada situação, o que implica que pagará mais, a título de taxa, quem obriga a ERC a uma actividade mais intensa de regulação e supervisão.

    H. Para mais, o facto de o legislador ter estabelecido uma taxa anual para a remuneração global dos serviços de regulação e supervisão em nada belisca a natureza de taxa do tributo em apreço nos presentes autos, nem tão-pouco o transmuta num «imposto de repartição», pois nada impede que se opte por um modelo de pagamento global de um conjunto de serviços em detrimento de uma quantificação casuística do valor a pagar.

    I. Todavia, ainda que não entendesse que a taxa de regulação e supervisão se consubstancia numa verdadeira taxa – hipótese levantada à cautela por mero dever de patrocínio – a receita em causa apenas poderia ser incluída na terceira categoria tributária prevista na CRP: «contribuições financeiras a favor de entidades públicas» (cf. al. i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP), categoria esta que tem agora na Constituição um tratamento em tudo igual e paralelo ao que é dado pela Lei Fundamental às taxas.

    J. Na verdade, com a consagração deste terceiro tipo de tributos, o legislador constitucional veio assim dar cobertura ao conceito de parafiscalidade, admitindo a existência de figuras híbridas que partilham a natureza dos impostos e, ao mesmo tempo, a natureza das taxas, facto que resulta logo da leitura dos trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1997 quanto ao tratamento e natureza que o legislador constitucional...

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