Acórdão nº 44/23 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 44/2023

Processo n.º 1219/2022

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele tribunal, de 28 de setembro de 2022.

2. Pela Decisão Sumária n.º 17/2023, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é sindicada pelo recorrente.

O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual «é vedado ao Tribunal ad quo conhecer do vício que enferma a factualidade, dada como provada, porque entende que são factos suscetíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado».

Note-se que o recorrente extrai a norma cuja constitucionalidade pretende controverter do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que regula os poderes cognitivos do Tribunal de recurso quanto à impugnação da matéria de facto no âmbito da chamada revista alargada, ou seja, da sindicância da matéria de facto que tenha por base somente o texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», sem necessidade de apreciação das provas produzidas em audiência de julgamento. E configura a norma, na leitura inconstitucional que imputa ao Tribunal recorrido, no sentido de consagrar uma não permissão de conhecimento dos vícios previstos nesse preceito, quando o acervo factual dado como provado – e no qual assenta a condenação do arguido numa pena criminal – se traduz em «imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado».

Ora, em momento algum o Tribunal da Relação de Coimbra adere a uma interpretação do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no sentido de que, num quadro factual com tais características, ao tribunal ad quem estaria vedado conhecer do vício de que enfermaria a decisão recorrida, na parte concernente à matéria de facto. O que o Tribunal da Relação de Coimbra diz é coisa bem diferente: que, no caso concreto, esse vício não se verifica, por a decisão recorrida ser suficientemente concretizada a respeito da conduta do arguido, especificando, entre outros aspetos, «a quem era vendido o estupefaciente; a respetiva natureza, quantidade e custo do mesmo; os contactos que antecediam as transações; a identificação do período de tempo durante o qual o arguido/recorrente vendeu a cada «cliente»; a apreensão ao arguido e a alguns dos compradores de produto estupefaciente, neste último caso por aquele fornecido; o relacionamento entre o recorrente e o arguido B..., nomeadamente no que se reporta às quantidades e qualidade do produto por aquele a este encomendado; a frequência das ditas encomendas; o preço pago».

Ora, ao incluir na norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada um elemento que não foi efetivamente acolhido na decisão recorrida, o recorrente afastou-se irremediavelmente da ratio decidendi, devendo salientar-se que não cabe ao Tribunal Constitucional, no âmbito de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, reapreciar a factualidade dada como provada no acórdão do Tribunal de 1.ª instância e aferir se a mesma está ou não suficientemente concretizada. O recurso de constitucionalidade tem apenas por objeto a eventual inconstitucionalidade de normas, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98). Nessa medida, eventuais erros de julgamento ou vícios processuais que afetem as decisões das instâncias constituem matéria subtraída aos poderes cognitivos deste Tribunal.

Conclui-se, pois, que a norma que constitui objeto do presente recurso não foi aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi, o que justifica a presente decisão, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

3. De tal decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, apresentando a seguinte argumentação:

«A., notificado da douta decisão sumária que decidiu não conhecer do recurso tempestivamente apresentado, vem, nos termos do n.° 3, do artigo 78.º-A da LTC, reclamar para a conferência.

Fundamentos:

1. A douta decisão, na preclara argumentação que tece, adianta que o Tribunal Constitucional 2. 2. Acrescenta que, nessa confluência, uma vez que o recurso apresentado não reúne as condições de admissibilidade plasmadas no artigo 78.º, A n.° 1 , da LTC opta pela drástica posição da rejeição liminar do esforço apresentado.

3. Dir-se-á que a posição adotada exorna o raro brilho das soluções incontornáveis.

4. Todavia, para a recorrente emerge uma perplexidade que obsta à respetiva adesão, integral e sem reservas, ao decidido.

5. Na verdade, o atual n.° 5 do artigo 97.º do Código de Processo Penal densifica, em termos inexoravelmente irrefutáveis, a necessidade de existência de um peculiar específico dever de fundamentação de todas as decisões exaradas no âmbito de um processo penal, quer do ponto de vista factual, quer de outro estritamente jurídico.

6. Ora, tal dever de fundamentação emerge, assim, legalmente plasmado e tem inequívoca dimensão constitucional, face à disposição contida no n.° 1, do artigo 205.º, da Constituição da República Portuguesa.

7. De facto, de acordo com o referido comando constitucional, um momento impregnado da solenidade peculiar a uma decisão tirada em sede do direito punitivo por excelência tem de - obrigatória...

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