Acórdão nº 398/21.7T8CBT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório E... Company intentou ação declarativa com processo comum contra R... - Valor e Tratamento de Resíduos, S.A.

; AA; F... - Companhia de Seguros, S.A.

; pedindo a condenação dos réus no pagamento à autora da quantia de 8.351,60€, acrescida de juros de mora, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito alega, em síntese, que se encontra sub-rogada na posição da sua segurada, a tomadora do seguro do veículo ..-XZ-.., podendo reclamar dos réus os valores atinentes à indemnização que pagou à sua segurada pelos prejuízos sofridos no referido veículo, por força do contrato de seguro que abrange a responsabilidade por danos próprios e a que aquela tinha direito a título de compensação pelos danos patrimoniais decorrentes do sinistro ocorrido no dia 11 de agosto de 2021, nas instalações da 1.ª ré, nas circunstâncias alegadas, e que causou danos no veículo no valor de 7.302,53€ e de 1.049,07€ pelo aluguer de viatura de substituição durante o tempo de imobilização.

Citados, os réus R... e AA apresentaram contestação, invocando, além da incompetência material do tribunal; que o sinistro está abrangido no âmbito do contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual, celebrado pela 1.ª ré com a ré F... - Companhia de Seguros. Mais alegaram que o acidente ocorreu dentro das instalações da 1.ª ré, que são de acesso condicionado, não tendo o 2.º réu, apesar de conduzir com a máxima atenção e cuidado, previsto a presença do veículo ligeiro naquele local, que se tratava de uma zona de circulação e não de estacionamento. Terminam, pugnando pela improcedência da ação quanto ao 1.º e 2.º réus.

A 3.ª ré - F... - Companhia de Seguros, S.A., - também apresentou contestação, alegando que o acidente ocorreu numa via destinada ao trânsito de veículos e aberta ao trânsito público, quando a máquina, obrigada a matricular, se encontrava em circulação, recaindo sobre a 1.ª ré a obrigação de segurar a máquina industrial no seguro automóvel obrigatório, âmbito que está excluído do contrato de seguro celebrado. Além disso, sempre há que descontar o valor correspondente à franquia, da responsabilidade do segurado, e ainda os danos indiretos, causados, como seja, o dano resultante do aluguer de viatura de substituição.

Foi dispensada a realização de audiência prévia, julgada improcedente a exceção de incompetência material do tribunal e proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e seleção dos temas da prova.

Realizou-se a audiência final, após o foi proferida sentença (de 26-10-2022) julgando a ação procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva: «(…) Pelo exposto, julga-se a ação procedente, por provada, e, em consequência: - Condena-se a Ré F... - S.A. no pagamento, à Autora E... Company, da quantia 7.516,44€ (sete mil, quinhentos e dezasseis euros e quarenta e quatro cêntimos), a que acrescem juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento; - Condena-se a Ré R..., S.A. e o Réu AA, solidariamente, no pagamento, à Autora E... Company, da quantia de 835,16€ (oitocentos e trinta e cinco euros e dezasseis cêntimos), a que acrescem juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Custas pelos Réus, por terem ficado vencidos, na proporção do decaimento, o qual se fixa em 90% para a Ré F... - Companhia de Seguros e 10% para os Réus R... e AA (art. 527º, nº 1 e 2 do CPC).

(…)».

Inconformada, veio a 3.ª ré - F... - Companhia de Seguros, S.A. - interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1) A Ré, ora apelante, não pode aceitar a douta sentença recorrida, uma vez que entende que os danos reclamados pela Autora não estão cobertos pelo contrato de seguro invocado.

2) Nos termos do disposto nos arts. 1.º e 32.º da Lei do Contrato de Seguro, Decreto-Lei nº 72/2008, para sabermos qual o risco que o segurador sobre temos necessariamente de recorrer ao que consta da apólice.

3) Analisado o contrato de seguro invocado, verificamos que o mesmo não garante os danos “Decorrentes de acidentes provocados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório automóvel, quando ocorram em circunstâncias abrangidas pela respetiva obrigação de segurar”, estando excluídos da cobertura do contrato “quaisquer danos relacionados e/ou derivados de «Responsabilidade Civil Automóvel»”.

4) Conforme resulta da matéria de facto provada, o acidente objeto dos presentes autos ocorreu quando a máquina retroescavadora da segurada da apelante, circulava por uma via destinada ao trânsito de veículos existente nas instalações daquela, em ..., acabando por embater, nessas circunstâncias, num veículo automóvel que ali se encontrava estacionado.

5) Pese embora se tratar de uma máquina retroescavadora, o sinistro descrito ocorreu quando essa máquina se encontrava em circulação, com funções de transporte, num arruamento que, sendo privado, permite a presença de pessoas estranhas à organização da proprietária da máquina, ainda que devidamente autorizadas.

6) A máquina não se encontrava a carregar e a despejar resíduos, nem o embate ocorreu quando a máquina se encontrava a movimentar-se para recolher resíduos do solo, mas sim quando os transportava para outro local, o que traduz necessariamente que o acidente ocorreu quando a máquina exercia as funções de autolocomoção e de transporte.

7) Assim, impendia sobre a segurada da apelante, nos termos do disposto no 4.º, nº 1, do Decreto-Lei nº 291/2007, celebrar um seguro de responsabilidade civil através do qual transferisse a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros em consequência da circulação daquela máquina.

8) O facto de se tratar de uma máquina destinada a circular numa via privada também não afasta, por si só, essa obrigação, uma vez que a mesma se destina precisamente ao trânsito de pessoas e veículos, sendo frequentada por outras pessoas e veículos, nomeadamente, outros trabalhadores da co-Ré e fornecedores.

9) A máquina industrial da co-Ré interveniente no sinistro é um veículo a motor, atento o disposto no art. 109.º, nº 2, do C. Estrada, sujeito à obrigação de matricular por parte da sua proprietária, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 107/2006 que prevê o Regulamento de Atribuição de Matrícula a Máquinas Industriais.

10) Deste modo, deve ser proferido acórdão que revogue a douta sentença recorrida e que, relativamente à ora apelante, julgue a ação totalmente improcedente.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se acórdão que, relativamente à ora apelante, julgue a ação totalmente improcedente e a absolva do pedido, como é de JUSTIÇA».

Os réus R... - Valor e Tratamento de Resíduos, S.A., e AA, apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação e consequente manutenção da sentença recorrida, o mesmo sucedendo com a autora.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.

Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II.

Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente apelação circunscreve-se a aferir se a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito ao considerar verificadas as condições contratuais de acionamento da cobertura do risco no âmbito do contrato de seguro celebrado entre as rés F... - Companhia de Seguros e R... e titulado pela apólice n.º ...37, em detrimento da exceção invocada pela 3.ª ré a propósito da exclusão contratual prevista no art.º 6.º, n.º 1, al. l) das respetivas Condições Gerais.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

  1. Fundamentação 1.

    Os factos 1.1.

    Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I.

    supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida: 1. A L... - Comércio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos Unipessoal Lda. celebrou com a E..., S.A. um contrato de locação do veículo ligeiro de passageiros, com marca e modelo ..., de matrícula ..-XZ-.., através do qual cedeu à E..., S.A. o gozo temporário desse veículo.

    1. A E..., S.A. celebrou com a Autora E... , seguradora do grupo L..., um contrato de Seguro do Ramo Automóvel, titulado pela Apólice n.º ...58, relativo ao veículo ligeiro de passageiros ..., de matrícula ..-XZ-.., através do qual transferiu para a Autora a responsabilidade civil pelos danos emergentes da sua circulação perante terceiros, bem como dos danos próprios sofridos.

    2. A Ré R..., no âmbito do contrato de concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de tratamento e recolha seletiva de resíduos urbanos, contratou um seguro de responsabilidade civil com a Ré F... - Companhia de Seguros S.A., aqui 3.ª Ré, titulado pela apólice n.º ...37, através do qual esta “garante o pagamento das indemnizações que, de acordo com a legislação em vigor, possam ser exigidas ao Segurado, a título de responsabilidade civil extracontratual, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, resultantes de lesões materiais e/ou corporais causadas acidentalmente a terceiros no decurso da exploração da atividade da empresa segurada”, na qual se inclui “todos os trabalhos realizados dentro ou fora das instalações da empresa, desde que relacionados com a laboração da mesma”.

    3. O capital seguro da responsabilidade, em Agosto de 2020, era de 20.000.000,00€.

    4. O contrato de seguro referido em 3 prevê ainda que fica a cargo do segurado uma franquia de 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de €500,00 e máximo de €2.000,00, por sinistro.

    5. De acordo com o artigo 6º, nº 1 das...

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