Acórdão nº 242/12.6TMLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelANA RESENDE
Data da Resolução31 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista 242/12.6TMLSB.L1.S1 ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I- RELATÓRIO 1. Em 5.02.2012, AA veio instaurar ação de alimentos definitivos contra BB, requerendo a prestação a tal título da quantia mensal de 2.325,00€.

1.1. Alega para tanto que contraiu casamento com o R. em 0.00.1980, embora separados de facto desde 15.05.2008, continuam a residir na casa de morada de família, com a manutenção da vigência da sociedade conjugal, encontrando-se interposta ação de divórcio pela A. contra o R.

A A. é doméstica e está impossibilitada de auferir qualquer remuneração proveniente de atividade profissional, devido a ter sofrido um acidente de viação de que resultaram graves lesões na coluna, com submissão a duas intervenções cirúrgicas em 28.10.1998 e 5.05.2000, ficando muito limitada, não podendo fazer esforços, andar de transportes públicos, sendo-lhe atribuída uma IPP de 36,42%, recebendo apenas 177,00€ de rendimento de inserção social, desde 9.11.2009.

Na sequência das sequelas referidas, a A. teve de se submeter a nova cirurgia em 11.04.2011, e desde que teve alta, em 1.07.2011, apresenta incapacidade para as atividades da vida diária, estando dependente de terceiros, continuando a submeter-se a tratamentos, com dispêndio nos mesmos e transportes.

A A. vive sozinha em casa, uma vez que o R aparece esporadicamente para dormir.

O R, que é médico, satisfaz as prestações do empréstimo bancário referente à casa de morada de família, pagando a água, o gás, eletricidade, despesas de supermercado mediante recibo e conforme entende, e o condomínio.

A A. devido ao seu estado de saúde, necessita de apoio financeiro, quer para alimentos, quer para custear os tratamentos indicados.

1.2. Citado, veio o R. contestar invocando que continua a suportar integralmente os encargos da vida familiar, incluindo os que respeitam exclusivamente às necessidades da A., devendo os autos ser apensos à ação de divórcio ou suspensos face à relação de prejudicialidade existente.

Mais alegou que a A. no âmbito de uma colaboração em regime de voluntariado, em 1992, conheceu um ex-jogador de futebol, passando o relacionamento a ser mais assíduo e próximo a partir de 1994, mudando aquela de atitude, passando a demonstrar enfado para com o R., desconsiderando-o e desvalorizando-o.

Apesar de a A. negar um relacionamento extraconjugal, em 2007 foi informado que tal acontecia, há muito tempo e de conhecimento público, sendo vistos em vários lugares com atitudes românticas e manifestações de intimidade, como se fossem marido e mulher, e assim percecionados pelas pessoas que os observavam.

A relação extraconjugal que a A. manteve e eventualmente mantém é intolerável e inadmissível para o R., compromete de modo irremediável a vida em comum e a manutenção do vínculo conjugal, mantendo-se o R. a viver na casa de morada de família até ser dado destino à mesma, tendo contudo vidas separadas.

1.3. Em 23.06.2014, o R. veio apresentar articulado superveniente, reportando o trânsito em julgado da sentença de divórcio em .../.../2013, pelo que com a dissolução do casamento devia ser extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, não sendo óbice ao requerido o disposto no art.º 2016, do CC, que confere direito a alimentos a ex-cônjuges, inexistindo os respetivos pressupostos, tendo em conta o comportamento dado como provado da A., no atendimento do relacionamento amoroso que a mesma estabeleceu com outrem, desrespeitando e humilhando o R., não devendo assim ficar adstrito à obrigação de prestar alimentos.

1.4. A A. veio responder, essencialmente referindo que não há lugar à apreciação do cônjuge culpado pelo divórcio.

1.5. Também a A. veio apresentar articulado superveniente, em 2.07.2014, alegando que desde Março de 2014 o R. deixou de pagar todas as contas da A., sendo ajudada financeiramente por amigos e familiares, não podendo alimentar-se, nem tomar a medicação de que necessita, pedindo a fixação de alimentos a título provisório, no montante de 1090,00€, mantendo-se o R. responsável pelo pagamento da prestação do empréstimo associado à casa de morada de família, até à prolação da sentença e respetivo trânsito em julgado.

1.6. Em sede de audiência prévia, em 27.04.2015, a A. reduziu o seu pedido para o período a partir de abril de 2014, e para o valor mensal 1.225,00€, sendo admitida a redução do pedido e a circunscrição do objeto do litígio ao período ao temporal acordado pelas partes.

1.7. Foram pedidas e realizadas perícias médico-legais.

2. Realizou-se o julgamento, concluído em 30.06.2021, sendo proferida sentença, em 30.12.2021, que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o R. a pagar à A.

o valor de 450,00€ a título de pensão de alimentos mensal, vencidas, e as vincendas desde Novembro de 2018, sobre tais montantes acrescendo juros de mora à taxa legal aplicável, desde a data da notificação da sentença, paga pelo R à A. até ao dia 8 do mês a que diga respeito, e atualizada anualmente de harmonia com a taxa de inflação publicada pelo INE, sendo a primeira atualização devida em Janeiro de 2023.

2.1. Inconformado veio o R. interpor recurso de apelação, sendo proferido o Acórdão da Relação de Lisboa de 21.06.2022, que concedendo provimento ao recurso, revogou a sentença, absolvendo o R. do pedido de alimentos.

  1. Ora inconformada. veio a A interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: (Transcritas) A) A A recorrente é parte legitima para a interposição do presente recurso de revista e a decisão é recorrível para este Tribunal nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 671.º, 674 n.º 1 e 2, n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil e n.º 2 do artigo 42.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário.

    1. O nosso sistema jurídico permite que os Julgadores se socorram da equidade. Esta mais não é que “(...) um método facultativo que o julgador tem ao seu dispor para que possa decidir sem aplicação de regras formais, ainda que essa decisão tenha de ser tomada “ à luz de diretrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas estritas”. Ac STJ 1087/14.4T8CHV.G1.S1, 6ª SECÇÃO de 10.12.2019: sublinhado nosso.

    2. A decisão judicial resultante da aplicação de equidade pode e deve ser alterada se comprometer a ideal segurança da aplicação do direito, da razoabilidade, do princípio constitucional da igualdade relativa e do princípio da proporcionalidade (cfr. arts. 8.º, n.º 2 e 3, do Código Civil, e 13.º, 18.º da Constituição da República Portuguesa) não podendo este critério ser de livre-arbítrio e nem pode ser contrária ao conteúdo expresso da norma.

    3. De acordo com a separação de poderes existente num Estado de Direito, foi impedida a correção ou retificação da lei pelo juiz, cabendo ao poder legislativo realizar tal atividade (art.ºs 164 d), e) e seguintes, 201 a), b), 205, 206, 208 n.º 1 e 266 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), não podem pois existir decisões contra legem, sob pena de ser esta uma inaceitável violação do princípio da legalidade e uma violação gritante do Estado de Direito Democrático (art.ºs 205, 206, 208 n.º 1 e 266 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).

    4. A equidade não é uma realidade alternativa que liberta o juiz das amarras da lei e por isso não pode a mesma ser invocada para se agir, ou decidir, contra preceito positivo claro e previsto na lei.

    5. A lei há muito afastou o conceito de culpa do divórcio, e o Acórdão chamando-lhe agora “responsabilidade ou contributo do ex-cônjuge para a degradação e rutura do casamento” acabou por aplicar o conceito revogado, subvertendo toda a letra e espírito da lei vigente, repristinando de forma subliminar o art.º 1787.º, afastado pela lei 61/2008 de 31.10.

    6. O acórdão assenta numa narrativa dos factos incorreta, pois considera que a A manteve uma relação extra conjugal durante 13 anos (!!!) isto é, assume (sem qualquer base factual) que a A traiu o R desde que conheceu a pessoa em questão em 1992! No entanto, a sentença de divórcio de que se socorre nada refere quanto a estas datas exceto que se conheceram em data não apurada mas entre 1992 e 1994 (quesito 1.23) e falavam ao telefone e trocavam mensagens, nada mais (quesito1.24). O acórdão quanto às datas é pois conclusivo, sem qualquer sustentação e infundamentado.

    7. Mas ainda que tal relação extraconjugal tivesse ocorrido e independentemente da duração da mesma, certo é que o R manteve igualmente uma com a CC, violando igualmente o dever de respeito pelo que, sendo tal violação dos deveres conjugais recíproca jamais poderia ser valorada nos autos e, a sê-lo, teria de considerar a responsabilidade de ambos em igual medida e com iguais consequências(art.º 1671 n.º 1 Código Civil).

    8. Ao contrário, o Acórdão considera que o R teve justificação para trair ( cfr. pág 24 2.º parágrafo, pág 26, 1.º Parágrafo.) parecendo defender o conceito de justiça prevalecente noutras eras, em que o dever de a fidelidade era apenas imposto à mulher e o seu incumprimento gerava sempre penalizações severas (apenas) para a esposa o que é inaceitável nos tempos que correm e carece de sustentação jurídica no Direito Português vigente.

    9. Os deveres de fidelidade, respeito, de residir na casa morada de família são mútuos, recíprocos e a sua violação desconsiderada relevante independentemente da autoria do desvio às normas jurídicas e ao sexto mandamento e isso mesmo conforme se encontra consagrado nos Artºs 1671º e 1672º do Código Civil pelo que claramente a infidelidade de um dos cônjuges não legitima idêntico comportamento do outro.

    10. Entende o Acórdão que se a A/recorrente porque traiu primeiro é indigna (!) pois violou os deveres de fidelidade e respeito e que o pobre R. já portanto pode violar os deveres de fidelidade, respeito e coabitação mantendo uma amante e levando essa terceira pessoa para as casas usadas pela família há décadas e onde eram abundantemente conhecidos pela comunidade em redor. As consequências do comportamento ficaram reservadas para...

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