Acórdão nº 1087/14.4T8CHV.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelASSUNÇÃO RAIMUNDO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório: Na Instância Central de ....., Juízo de Execução, Juiz 1, da Comarca de-------, corre termos a presente ação de execução para a prestação de facto que AA e mulher, BB, instauraram contra o Estado Português e contra a sociedade comercial “CC, S.A.”[1], com vista a obter destes o cumprimento da transação que celebraram na Acão Especial de Restituição de Posse n.º ...., nomeadamente, das cláusulas com o seguinte teor: “4º O Estado Português vincula-se a repor o tubo de 2” devidamente funcional no tanque e estábulo referidos na cláusula 2ª que antecede e, por ele, fornecer 2” de água aos AA, permanentemente, ou seja, enquanto na barragem houver água.”.

“6º Esse tubo de 2” sairá da parte de baixo do tubo de saída da água da barragem para rega e sempre de forma a que os AA. sejam dos últimos ou os últimos a ficar sem água no caso de haver escassez da mesma.”. Alegaram os Exequentes que, não obstante as interpelações feitas, os Executados não cumpriram a prestação a que se obrigaram, mantendo-se eles, Exequentes, privados da água a que têm direito, o que lhes causa prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, que, até à data da instauração da execução, liquidam pela quantia de PTE: 5.585.000$00, cujo ressarcimento igualmente peticionam. Por despacho de fls. 17 foi indeferido liminarmente o pedido de indemnização, seguindo os autos para a prestação de facto. Desse despacho agravaram os Exequentes, vindo a ser decidido pelo Tribunal da Relação do Porto que o recurso subiria a final.

Os Executados deduziram Embargos que foram julgados improcedentes, por decisões do Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, transitadas em julgado. Entretanto e não tendo os Executados cumprido a prestação, foi ordenada a nomeação de perito para avaliar o custo da prestação a realizar por terceiro - cfr. despacho de fls. 96. Em 19/01/2009, por requerimento de fls. 220 e sgs., os Exequentes vieram requerer a conversão da execução da prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa, alegando que perderam definitivamente o interesse que tinham na realização da prestação.

No mesmo requerimento deduziram o incidente de liquidação das indemnizações compensatória e moratória. Notificados deste requerimento, os Executados vieram opor-se.

O Estado Português contestou e, impugnando os factos invocados pelos Exequentes, concluiu, a final, pela improcedência do pedido de indemnização moratória e pela desadequação do pedido de indemnização compensatória - cfr. 239 e sgs..

A executada “CC, S.A.” contestou (cfr. fls. 246 e sgs.) e, opondo-se à conversão, defendeu que a única indemnização compensatória a que os Exequentes tinham direito seria a estabelecida na transação a título de cláusula penal, contrariando que os exequentes tenham sofrido quaisquer prejuízos. Refere ainda que tendo os Exequentes optado pela prestação de facto por outrem, não podem agora vir pedir a indemnização por danos.

O Estado Português veio ainda aos autos (cfr. fls. 277 e sgs.)dizer que o pedido de conversão da execução é inoportuno e extemporâneo já que as obrigações foram, entretanto, cumpridas, com a realização das obras pela DRAPN até finais de dezembro de 2008. Mais alegou que em finais de janeiro de 2009 foi tentada a ligação da nova conduta, mas esta foi recusada pelos Exequentes sem qualquer motivo; que em 6/04/2009 expediram um ofício a solicitar a sua presença na Junta de Freguesia para que se procedesse à ligação e fosse assinado o auto de entrega, mas os Exequentes persistiram na sua recusa. Termina pedindo a realização de vistoria para verificar o cumprimento do acordado.

Os Exequentes responderam impugnando o alegado.

Foi proferido despacho decidindo-se que a prestação apenas poderia ser prestada pelo Estado e não por terceiro e que o supramencionado requerimento do executado Estado Português era extemporâneo. - cfr. fls. 309.

Interposto recurso desta decisão, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 14/04/2011 (cfr. fls. 588 e sgs. – III vol.), transitado em julgado, decidiu: “1 – revogar o despacho liminar que não admitiu o pedido da indemnização moratória; 2 – determinar o prosseguimento dos autos para produção de prova dos fundamentos invocados para a conversão da execução; 3 - confirmar a extemporaneidade do requerimento apresentado pelo executado Estado Português.” Os autos prosseguiram termos com a realização de uma perícia com vista à determinação do valor da água e, frustradas as expectativas de obtenção de um consenso, procedeu-se ao julgamento, tendo a sentença proferida julgado a requerida conversão da execução de prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa e fixado: a) em € 15.000 (quinze mil euros) a indemnização moratória; e b) em € 840.476,79 (oitocentos e quarenta mil, quatrocentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos) a indemnização compensatória. Inconformada, a executada “CC” recorreu de facto e de direito para o Tribunal da Relação de Guimarães, concluindo pela revogação da decisão supratranscrita e a sua absolvição dos pedidos indemnizatórios, mais pugnando para que o valor da água seja reduzido para € 11.440,00 ou, se assim não se entender, para os € 23.460,00. O Estado Português também recorreu e pugnou pela revogação da referida decisão.

Contra-alegaram os Exequentes, concluindo pela improcedência de ambos os recursos. O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão com a seguinte decisão: “i) julgar totalmente improcedente o recurso de apelação da apelante “CC”; ii) julgar parcialmente procedente o recurso de apelação do apelante Estado Português, fixando a indemnização compensatória na importância de € 500.000 (quinhentos mil euros).

iii) No mais, confirmar e manter a decisão impugnada.

A referida “CC” suportará as custas do seu recurso de apelação.

Os Apelados/Exequentes suportarão, na proporção do vencido, as custas da apelação do “Estado Português”, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhes foi concedido.” Desta decisão interpôs revista para o Supremo Tribunal de Justiça a executada “CC, SA”, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões que se transcrevem: Ia. Sendo certo que a CC se obrigou d colocar um ramal de ligação de água, extraída da Barragem de M...., de modo a abastecer os prédios dos Autores, na transacção judicial que titula a presente execução, a verdade é que essa obrigação teria de ser cumprida nos termos e a expensas do Estado Português (.......), como foi, e não se obrigou também a fornecer aos Autores a água para rega dos campos e alimentação do gado, sendo esta última obrigação exclusiva do Estado Português, como se lê do texto da transacção.

2a. Ao desistir do abastecimento de água através do ramal atrás referido, optando por receber a indemnização pelo valor da água, os Autores não podem exigir à CC o preço da água, que é um bem público e que não está na disponibilidade da CC.

3a. A intervenção da CC na realização do ramal de abastecimento de água aos Autores foi meramente instrumental e sob a direcção do Estado Português, pelo que não tem culpa na escolha do modelo adoptado e que os Autores não aceitaram, com o beneplácito do Tribunal, 4a. Por isso, deve considerar-se único responsável pela indemnização o Estado Português, como dono da obra, como dono da Barragem de M.... e do sistema de rega e como autor do modelo de captação da água que a CC executou para abastecer os Autores, 5a. Ao não entender assim, o douto acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 483° do Código Civil, aplicável ao caso, por não ter a CC praticado nenhuma ilicitude e não ter culpa no facto danoso.

6a. Existe efectiva contradição entre o fundamento da decisão quanto ao valor, reduzindo-o para 500.000$00, e a decisão final considerando total improcedente o recurso da CC.

7a. Sendo o objecto da execução uma obrigação única e com o regime de solidariedade, mostra-se violado o disposto no artigo 412o n° 1 e 497° do Código Civil, que pressupõe que a obrigação tem a mesma dimensão, porque é exactamente a mesma, 8a. Por outro lado, ao estabelecer-se a redução do valor da indemnização e, mesmo assim, julgar-se totalmente improcedente o recurso da CC, onde esta defendia a diminuição daquele valor, está-se a cometer nulidade prevista no artigo 615° n° 1 alínea c) do CPC, criando-se uma contradição entre os fundamentos e a decisão.

9a. Além disso, existe duplicidade de critérios: a CC impugnou o valor indemnizatório, entendendo-o excessivo, e foi julgado totalmente improcedente o recurso; ao mesmo tempo, o Estado Português também impugnou o valor indemnizatório, entendendo-o excessivo, e foi julgado parcialmente procedente o seu recurso, 10a. E a exclusão das conclusões IX, X, XI e XII das alegações da apelação não se mostra devidamente fundamentada, verificando-se a nulidade do artigo 615° n° 1 alínea d) do CPC.

11a. Mostrou-se também violado o disposto nos artigos 10°, 1236° e 1237° do Código Civil e o disposto na Portaria 291/2003 de 8 de Abril, porquanto, o cálculo de indemnização por perda do valor ou rendimento anual da água deveria guiar-se pelo regime da remissão da renda perpétua, com perfeita analogia ao caso em apreço.

12a. E, em consequência, admitindo a quantidade anual de água disponível fixada pelo Venerando Tribunal a quo em 82.049,72 m3eo preço unitário de 0,0143/m3 também assente, o valor da indemnização deveria ser de 29.325,00 €.

13a. O critério alternativo da fixação da indemnização pelo valor patrimonial fiscal, também invocado pela CC, daria um valor indemnizatório de 23.460,00 € de acordo com o artigo 2o n° 1, artigo 3o n° 3 alínea b) e artigo 17° do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis, mas também não foi analisado pelo Venerando Tribunal a quo, o que constitui omissão de pronúncia.

14a. Esse critério, previsto expressamente na Lei para a avaliação de prédios rústicos, deve ser adoptado, caso se não aceite o critério da remissão...

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