Acórdão nº 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO Na acção executiva para pagamento de quantia certa proposta por “Panorama Jubilante, SA” contra AA, BB e CC, o executado AA veio deduzir oposição mediante embargos de executado.

Alegou o embargante que os executados deveriam ser absolvidos da instância por falta de título executivo suficiente (a), ou caso assim não se entendesse, por falta de procedibilidade da acção (b), ou por nulidade da cessão de créditos relativa ao executado celebrada entre a “Caixa Económica Montepio Geral” e a exequente, por violação do disposto nos artigos 14º, nº1, e 18º, nº1, alínea c) e nº 2, alínea c) do Decreto-Lei nº 272/2012, de 25 de Outubro, 582º, nº1, do Código Civil e 28º, nº1, do Decreto-Lei nº 74-A/2017, de 23 de Junho (c).

A embargada contestou, dizendo, em resumo, que é falso que o executado não tenha sido integrado no PERSI pelo incumprimento destes contratos, que a Caixa Económica Montepio Geral não estava obrigada a integrar o PERSI face a novos incumprimentos contratuais e a cessão de créditos realizada é válida. Mais afirma que o executado embargante procedeu à doação do imóvel que deu em garantia dos seus créditos à executada BB, procedendo a este negócio sem o conhecimento ou consentimento da Caixa Económica Montepio Geral, em clara violação da cláusula décima do primeiro contrato executado e nona do segundo contrato executado, e a título gratuito e em claro incumprimento contratual o executado dissipou o seu património.

A sociedade exequente pede assim que os embargos de executado sejam julgados totalmente improcedentes.

* Por decisão de 06/12/2021, o Tribunal indeferiu o pedido de intervenção provocada da “Caixa Económica Montepio Geral – Caixa Económica Bancária, SA”.

* Em sede de despacho saneador, o Juízo de Execução ...

julgou os embargos de executado procedentes e declarou extinta a execução.

* A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão, interpondo recurso de apelação, tendo a Relação de Évora proferido acórdão que culminou com a seguinte “ Decisão: Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se improcedentes a oposição mediante embargos e determina-se o prosseguimento da execução.

Custas a cargo do recorrido nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.”.

Por sua vez inconformado, veio o Executado/Recorrido/embargante AA interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES 1. Nos presentes autos, a Exequente Panorama Jubilante S.A. propôs ação de execução contra o Recorrente e BB e CC, reivindicando o pagamento integral dos créditos que detém sobre o Recorrente, € 107.274,82 (cento e sete mil, duzentos e setenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), por conta da cessão de créditos ocorrida em 12 de julho de 2019, de que foi cedente a Caixa Económica Montepio Geral.

  1. Por sentença de 8 de março de 2022, o Juiz de Execução do Tribunal de ... julgou procedentes os embargos de executado intentados pelo Recorrente, absolvendo-o da instância e declarando a extinção da mesma, por falta de procedibilidade do título, porquanto a Caixa Económica Montepio Geral cedeu os créditos que detinha sobre o Recorrente, após o incumprimento do contrato e antes de o integrar no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, a que estava obrigada, por força do disposto no artigo 14.º do mesmo diploma, cedendo os créditos à Exequente, que nem sequer é uma instituição de crédito, em violação da proibição de cessão de créditos prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido Decreto-Lei.

  2. A Exequente recorreu da decisão e o Tribunal a quo, por acórdão de 30 de junho de 2022, deu provimento ao recurso, revogando a decisão do Tribunal de primeira instância com base em dois fundamentos: 1) mesmo não sendo a Exequente uma instituição de crédito, e não tendo a Caixa Económica Montepio Geral integrado o Executado no PERSI antes da cessão de créditos, isso não constitui impedimento ao prosseguimento da execução desde que a cessionária tivesse observado um procedimento similar ao PERSI, considerando que a Exequente cumpriu essa obrigação, sob pena de a dívida se tornar incobrável; 2) os Executados BB e CC não se poderiam aproveitar da excepção de defesa por falta de procedibilidade da execução, uma vez que não tinham qualquer relação com a instituição bancária mutuante ou com a Exequente nem a sua posição seria alterada se efectivamente o PERSI tivesse sido iniciado e seguidamente declarado extinto.

  3. A decisão recorrida extravasa o objeto das conclusões vertidas pela Exequente no seu recurso para o Tribunal a quo.

  4. A Exequente invoca como razões para a não inclusão do Executado no PERSI a prática de actos susceptíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito, por força da doação da fração cujas hipotecas garantem os créditos, nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e também a violação de deveres de boa fé consagrados no artigo 4.º, n.º 2, do diploma, por alegada diminuição do valor da fração.

  5. O Tribunal a quo, após afirmar que a lei não determina que as circunstâncias invocadas pela Exequente são impeditivas da integração do Executado no PERSI, labora sobre a possibilidade de cessão de créditos para entidades que não são instituições de crédito e quais as consequências da não integração do Executado no PERSI.

  6. Por outras palavras, a Exequente pretendeu contornar a decisão da primeira instância dizendo que o Executado não podia ser integrado no PERSI porque violava o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 17.º e o princípio da boa fé plasmado n.º 2 do artigo 4.º do diploma; o Tribunal a quo, considerou que deveria ter havido lugar à integração e entrou na análise da possibilidade da cessão de créditos, questão que não foi tratada nas conclusões do Recurso da Exequente.

  7. O acórdão recorrido é assim parcialmente nulo, por excesso de pronúncia, na parte em que se pronuncia sobre a cessão de créditos e sobre a possibilidade de a Exequente encetar um processo similar ao PERSI, tudo nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

    Sem prescindir, 9. O Tribunal a quo reconhece que, tratando-se de instituição de crédito, sempre que um cliente bancário se encontre em situação de incumprimento, e uma vez verificados os pressupostos, o mesmo tem de ser integrado no regime do PERSI como antecedente da instauração da acção de execução, sob pena de exceção dilatória atípica ou inominada, por falta de condição de procedibilidade.

  8. O Tribunal a quo conclui que a Caixa Económica Montepio Geral estava obrigada a integrar o Executado/Recorrente no PERSI como antecedente da instauração da acção de execução, sob pena de exceção dilatória atípica ou inominada, por falta de condição de procedibilidade.

  9. Não sendo a cessionária uma instituição de crédito, o Tribunal a quo entende que ela não se encontra abrangida pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e que, como tal, é possível o prosseguimento da ação de execução desde que sejam asseguradas ao devedor garantias idênticas às previstas naquele diploma, pois caso contrário a dívida do Executado/Recorrente tornar-se-ia incobrável.

  10. O Tribunal a quo invoca os elementos racional, histórico e sistemático, afastando o elemento gramatical, para assim poder colmatar aquilo que entende ser uma lacuna que tem de ser preenchida, e assim criar uma norma que permita, uma vez feita a cessão de créditos, proceder à cobrança da dívida.

  11. Do teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e dos seus artigos 14.º a 16.º e 18.º, n.os 1 e 2, resulta que a principal preocupação do legislador, senão mesmo a única, consiste na proteção dos clientes bancários contra eventuais abusos cometidos pelas instituições de crédito na concessão de crédito, sendo suas concretizações a obrigatoriedade de integração do cliente bancário em incumprimento no PERSI, a proibição de resolução do contrato de crédito em incumprimento na vigência do PERSI, a propositura de ações judiciais em vista da satisfação do crédito, a cessão total ou parcial do crédito ou a transmissão a terceiro da posição contratual na vigência do PERSI.

  12. Admitir a existência de uma lacuna a ser resolvida no sentido de o intérprete criar uma norma que permita o prosseguimento da execução, tal como o faz o acórdão recorrido, é deixar entrar pela janela o que se impediu de entrar pela porta, contornando a intenção que esteve subjacente ao regime criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, configurando tal solução uma clara fraude à lei.

  13. A questão já foi tratada nos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.01.2022 (processo n.º 5520/18.8T8VNF-A.G1) e do Tribunal da Relação de Coimbra de 8 de março de 2022 (processo n.º 824/20.2T8ANS.C1), que, perante situações exatamente iguais à dos autos, foram unânimes em considerar que a entidade bancária está proibida de ceder os seus créditos a terceiro que não seja uma instituição de crédito, sob pena de ser encontrada uma via expedita para contornar a lei, o que representaria uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada.

  14. A decisão recorrida é ainda mais chocante tomando em consideração que cedente e cessionária são entidades profissionais, a primeira uma instituição de crédito, a segunda uma entidade cujo negócio...

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