Acórdão nº 00833/13.8BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução14 de Março de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO STAL-Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local e Regional requereu providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo, prévia à instauração de acção administrativa especial, contra: Município de Anadia, Município de Aveiro, Município de Ílhavo, Município de Oliveira do Bairro, Município de São João da Madeira, Município de Sever do Vouga, Município de Vagos, e Município de Vale de Cambra, pedindo que seja decretada a providência, suspendendo-se a eficácia dos actos dos Requeridos que identificou.

Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi decidido assim: -declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277º alínea e) do Código de Processo Civil, quanto ao Requerido Município de Vale de Cambra; -indeferir a providência cautelar requerida.

Desta decisão vem interposto recurso.

Em alegação o Requerente concluiu o seguinte: a) Não estando aqui em causa qualquer inconstitucionalidade formal, não estando aqui em crise, o processo de tramitação legislativa mas, sim, o processo de aplicação da lei, o que resulta dos autos é que os Requeridos procederam à aplicação da lei em causa sem terem cuidado dos procedimentos concernentes à audição dos trabalhadores e das estruturas que os representam, o que emana dos autos é o desrespeito na aplicação da lei dos procedimentos contidos no artigo 135º do RCTFP; b) Não se pode sufragar a tese subjacente ao aresto recorrido segundo a qual, a preterição de procedimentos do artigo 135º, nº 2 do RCTFP, gerando um mero vício de anulabilidade, não merecer a dignidade da figura da evidência da procedência da pretensão formulada; c) Tal tese encerra o perigo de esvaziamento do campo de aplicação das normas do artigo 135º, nº 2, do RCTFP e seria pouco conforme ao princípio constante dos artigos 267º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa e 8º do Código do Procedimento Administrativo; d) Tal tese representa ainda um divórcio do princípio da legalidade constante dos artigos 3º da CRP e 3º do CPA; e) Ora, a comprovada inobservância dos procedimentos do artigo 135º nº 2 do RCTFP, pese embora a inexorabilidade da duração semanal e horária contida na lei aplicada, está longe de corresponder à preterição de uma mera formalidade não essencial; f) No âmbito do contrato individual de trabalho e, portanto, da aplicação do Código do Trabalho, a violação de normas em tudo semelhantes às do artigo 135º do RCTFP, designadamente as do artigo 217º do CT constitui contra-ordenação grave (cfr. artigo 217º, nº 6, do CT); g) A efectivação ou aplicação das leis, na maioria dos casos, não dispensa uma actividade intermediária da parte de entes públicos ou privados e até a alteração das normas do Código do Trabalho, sobre o regime da duração do trabalho obriga, naturalmente, a procedimentos por parte das entidades empregadoras no sentido de ajustar a realidade empresarial às novas regras; h) Do mesmo modo a aplicação da Lei nº 68/2013, não pode passar sem a intermediação das entidades de direito público, pelas razões que de seguida se passam a explanar; i) Pela necessidade de divulgação e informação aos trabalhadores da dita lei destinatários, dos novos deveres que passaram a enformar a relação jurídica de emprego público; j) Pela necessidade de ajustar as normas da nova lei às diferentes realidades dos serviços concretos, nomeadamente antecipando ou adiantando o período de funcionamento dos serviços, iniciar as jornadas de trabalho mais cedo ou mais tarde, em quanto tempo, uma hora, meia hora, reduzir, se possível, os intervalos; l) Decorrendo inexoravelmente do que se acaba de expor, que os actos que tenham como escopo a aplicação da lei em causa jamais se aplicariam de forma mecânica e decalcada, já que a mesma lei, limitou-se a alterar as normas do RCTFP referentes ao período de atendimento e período de duração semanal e diária do trabalho; m) Só assim não seria se a lei em causa, o que só por hipótese académica se admitiria pelo resultado incaracterístico a que conduziria, determinasse o(s) horário(s) concreto(s) na(s) sua(s) modalidade(s), em que a duração semanal e diária passaria a ser observada; n) Ou seja, pese embora a inexorabilidade do aumento da carga horária diária e semanal, impunha-se que aos visados, pela sua voz ou das estruturas que os representavam, tivessem oportunidade de sugerir a organização dessa carga horária da forma que melhor se compaginasse com as suas vidas e necessidades, entrando mais cedo, saindo mais tarde, reduzindo, se possível, intervalos evitando a precipitação de um horário muito diferente do até aí praticado; o) Pelo que o aresto recorrido viola as normas do artigo 120º, nº 1, do CPTA, também por interpretação menos conforme das dos artigos 3º e 267º, nº 5 da CRP, 8º do CPTA, 135º, nº 2 do RCTFP, 1º e 10º da Lei nº 68/2013.

Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se a sentença recorrida, cumprindo-se desta forma a lei e fazendo-se JUSTIÇA O Município de Vagos juntou contra-alegação, sem conclusões, terminando desta forma: Termos em que e nos mais de Direito, mantendo a Sentença recorrida e não concedendo provimento ao recurso dela interposto far-se-á J U S T I Ç A O Município de Aveiro também ofereceu contra-alegação, concluindo que: A.A Sentença recorrida decidiu bem, não tendo violado a alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA por interpretação menos conforme do n.º 2 do artigo 135.º do RCTFP, sequer violando as normas do artigo 3.º e n.º 5 do artigo 267.º da CRP, artigo 8.º do CPTA e artigos 1.º e 10.º da Lei n.º 68/2013.

Senão vejamos: B.Não resulta evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal, designadamente por não estar em causa a impugnação de ato manifestamente ilegal, para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

C.Por um lado, a citada evidência (entendida no sentido de procedência da pretensão principal) não se apresenta aqui de tal forma notória, patente, de modo a não necessitar de qualquer indagação, quer de facto quer de direito, por parte do tribunal, com vista ao assentimento da convicção a formular, a qual deve ser dada de imediato pela mera alegação da manifesta ilegalidade do ato; e, mais, a procedência do processo principal não resulta, de forma notória, quer da PI do Recorrente, quer das alegações de recurso, sem uma interpretação aprofundada da realidade factual em presença. É entendimento unânime, tanto da doutrina como da jurisprudência, que a faculdade constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, deve ser objeto duma aplicação restritiva, arraigada na demonstração inequívoca do preenchimento dos requisitos exigidos pelo citado preceito e diploma – o que não se verifica.

D.Andou bem a Sentença ao ter decidido não ser evidente, para este juízo perfunctório (a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA), a violação do disposto no n.º 2 do artigo 135.º do RCTFP, uma vez que e bem, levou em consideração dois aspetos: por um lado, que “o legislador em observação do disposto no artigo 56º da Constituição, aquando da proposta de Lei n.º 153/XII – que antecedeu a aprovação da Lei n.º 68/2013 – acionou os procedimentos previstos na Lei n.º 23/98, de 26 de maio, ouvindo as estruturas representativas” dos trabalhadores da Administração Pública e, por outro, “que o artigo 10.º da Lei n.º 68/2013, que sob a epígrafe “prevalência”, estatui que “O disposto no artigo 2.º tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

E.Ora, a Sentença em crise procedeu a uma correta apreciação e aplicação das disposições legais aplicáveis à realidade factual em presença, concluindo pela inevitável ausência de evidência da alegada violação do n.º 2 do artigo 135.º do RCTFP, com o que não poderia ter deixado de não decretar a requerida providência (para além do demais) pela não verificação do pressuposto enunciado na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

F.Assim foi porquanto, de facto, “(i) a alegação do Requerente não permitir face a cada um dos actos impugnados concluir pela evidente violação do artigo 135º n.2 do RCTFP, (ii) de se impor ao Tribunal uma avaliação sobre o âmbito de aplicação da Lei n.º 68/2013 e, bem assim, do alcance que a estatuição da prevalência (cfr. citado artigo 10º) teria sobre o próprio Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e, também, (iii) da necessidade de uma aferição circunstanciada relativamente aos factos que antecederam cada um dos actos impugnados”.

G.Adensa a explanação supra a consideração de que os despachos em crise foram proferidos apenas em cumprimento da Lei 68/2013, adaptando-a ao universo dos trabalhadores da autarquia e dos serviços municipalizados. Efetivamente, o novo período normal de trabalho não foi introduzido pelos citados despachos, mas sim ex novo pela Lei 68/2013, ou seja, a alteração do horário de trabalho em questão não resultou da iniciativa do Requerido, ora Recorrido, antes de imposição legal, incontornável na sua aplicação tal como resulta do artigo 10.º dessa lei. De facto, a alteração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas resultou de uma norma de natureza imperativa, emanada do poder legislativo, de cujos contornos se retira a clara intenção do legislador de ajustar, de imediato e por força da mesma lei, todos os horários praticados pelos trabalhadores no âmbito do RCTFP e do Decreto-Lei n.º 259/98, 18.08 e de impor a observância e aplicação por toda a Administração Pública do período normal de trabalho estipulado pelo artigo 2.º da Lei n.º 68/2013. Diploma este que, por essas razões, sempre seria aplicável independentemente de qualquer despacho, pois que, de uma forma ou de outra, sempre os trabalhadores visados teriam de passar a cumprir o novo período normal de trabalho...

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