Acórdão nº 02770/06.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que foi julgada procedente a impugnação judicial contra a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, relativos ao exercício de 2002, no montante global de € 42.804,15, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões: «A.

A presente impugnação vem interposta contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2002, que teve por base correcções técnicas à matéria tributável declarada, processadas em sede de acção inspectiva, assentes na desconsideração de notas de crédito no valor de €391.879,44, emitidas pela impugnante à sua cliente B.....

. B.

Nos termos da douta sentença, a procedência da presente impugnação ficou a dever-se a erro sobre os pressupostos de facto da correcção ao lucro tributável, uma vez que “(...) as facturas que foram objecto de anulação não tinham que ser consideradas para efeitos de proveitos (...)”.

C.

Com o devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido por entender que a sentença a quo incorreu em erro de julgamento no tocante à apreciação que fez da matéria de facto.

D.

Considera a Fazenda Pública que a questão decidenda nos presentes autos redunda na admissibilidade da anulação de facturas por via de emissão de notas de crédito quando dos autos resulta a efectiva prestação dos serviços descritos.

E.

Contudo, da douta sentença a quo emerge que a tónica foi colocada no recebimento das facturas diminuídas das notas de crédito emitidas, como manifestação da sua não aceitação posterior.

F.

Primordialmente, quanto à prova testemunhal produzida, embora os factos trazidos pelas testemunhas ao conhecimento do Tribunal se encontrem incluídos do segmento decisório da douta sentença sob recurso e os depoimentos tenham sido pormenorizadamente abordados sob o título Motivação da decisão de facto, o certo é que não foi levado ao probatório nenhum facto provado com origem na prova testemunhal. Contudo, da análise da sentença retira-se que a prova testemunhal foi relevante para a decisão de procedência sob recurso.

G.

Nestes termos, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a valoração da prova testemunhal, por considerar obscura a determinação da exacta factualidade que se deu por fixada, o que origina erro de julgamento sobre a matéria de facto.

H. Uma vez que transcorre da interpretação da decisão a quo que os serviços em causa nas facturas e notas de crédito foram considerados como prestados, então jamais o recurso a notas de crédito descaracterizaria o proveito registado nas facturas emitidas, o que também materializa erro de julgamento sobre a matéria de facto.

Desenvolvendo, I. Na verdade, as notas de crédito apenas podem ser utilizadas de forma legítima para corrigir facturas emitidas se os serviços não tiverem sido prestados e, como resulta dos autos, os serviços foram prestados.

J. Ora, o risco da necessidade de trabalhos a mais corre, naturalmente, por conta do dono da obra, a cliente da impugnante, que poderia ter recusado esses trabalhos, e não o fez, anuindo na emissão das facturas e procedendo à sua contabilização. Pelo que, não poderá ser a mera negociação, posterior, entre duas empresas pertencentes a um mesmo grupo económico a ditar quais os proveitos fiscalmente relevantes para efeito de tributação em sede de IRC, muito menos com o argumento tardio da falta de previsão inicial em orçamentos ou por falta de redução a escrito de alterações.

K. A caracterização dos proveitos ou ganhos de um sujeito passivo de IRC, nos termos do art. 20º do CIRC, deve resultar da materialidade das operações. Se os serviços foram prestados e a cliente, embora entenda que não deve pagá-los, por motivos relacionados com formalismos inerentes à sua orçamentação, registou na sua contabilidade, em imobilizado, as obras realizadas de modo integral, o proveito verifica-se independentemente de parte das facturas emitidas não ter sido paga, facto que não justifica a sua anulação por via de notas de crédito.

L.

Acresce que, se no decorrer da obra houver trabalhos realizados a mais, sempre teria de haver lugar à emissão de facturas de valor superior ao inicialmente orçamentado, e as notas de crédito levaram à correcção, para menos, da facturação (elaborada em conformidade com autos de medição).

M.

Seguindo a linha de raciocínio subjacente à tese da impugnante, julgada procedente, caso a mesma tivesse cumprido os formalismos alegadamente violados para com a cliente, não haveria razão para a recusa do seu pagamento, o que também impõe o reconhecimento do proveito.

Ora, N.

O reconhecimento de proveitos para efeitos de IRC é independente do seu recebimento e as facturas emitidas com base em autos de medição foram aceites pela cliente, pelo que constituem proveito independentemente da formalização em sede de orçamento/comunicação posterior.

O. Caso estivéssemos a abordar a mesma realidade entre entidades não integradas num mesmo grupo económico, a resolução do litígio emergente do não pagamento destas facturas, jamais se resolveria com recurso a notas de crédito (, e antes com recurso à via judicial.

P.

Atendendo ao supra exposto, conclui a Fazenda Pública que estamos perante notas de crédito que não têm subjacente qualquer materialidade, devendo ser reputadas de falsas.

Q.

Assim, com as devidas adaptações, a jurisprudência assente relativamente a facturas falsas terá aplicação no presente caso, visto que em ambas as situações, o objectivo final consiste na diminuição, por meios artificiosos, do lucro tributável, por via da redução dos proveitos ou por via do empolamento dos custos, que não poderão ser aceites.

R.

Considerando que os serviços foram prestados e não anulados, impõe-se questionar a materialidade inerente à emissão das notas de crédito e devendo existir uma equiparação entre a distribuição do ónus da prova em caso de não aceitação de custos com fundamento em facturas falsas e em caso de não aceitação de diminuição de proveitos.

S.

Feita a prova de que os serviços foram prestados, não existe fundamento para a anulação das facturas emitidas por via de emissão de notas de crédito. Ficando assente que não existe materialidade que justifique a sua emissão, está demonstrada a simulação.

T.

Assim, competiria ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente nos proveitos declarados na determinação da respectiva matéria tributável, nos termos que decorrem do artigo 20º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT também não tem aplicação, porque não é administração tributária quem está a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação. Pelo que, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação da diminuição de proveitos em que alega ter incorrido e que pretende ver reflectidos no apuramento do lucro tributável.

U. Quanto à prova produzida pela administração tributária, como resulta dos Factos provados, relevantes para a boa decisão da causa, o próprio relatório de inspecção encontra-se parcialmente transcrito e dado por reproduzido, assim se tendo por provados os méritos probatórios do seu conteúdo; nestes termos, administração tributária logrou provar abundantes indícios demonstrativos de que às notas de crédito contabilizadas pela impugnante e cuja diminuição de proveitos pretendiam titular não subjazem as operações que nelas se referem, por os serviços terem sido prestados.

V. E, o esforço probatório da impugnante, além de não se mostrar reflectido nos factos provados, não foi de molde a justificar a emissão de notas de crédito, porque assume que houve trabalhos a mais e que a sua conduta foi o resultado de uma negociação posterior onde apenas se concluiu pela falta de formalização inerente a alguns dos serviços prestados, conjugado com o seu não pagamento.

W. Portanto, a este propósito resulta, na perspectiva da Fazenda Pública que a matéria de facto trazida aos autos contribui para a improcedência da presente impugnação, porque as notas de crédito emitidas pela impugnante não titulam operações reais, não se aceitando como diminuição dos proveitos fiscais o valor mencionado nas mesmas.

X.

Do exposto se infere que a sentença recorrida, fez uma aplicação inadequada do disposto no artigo 20º do CIRC, incorrendo em erro de julgamento no tocante à apreciação que fez da matéria de facto.

Termos em que, e pelo muito que V. Exas. doutamente suprirão, se requer seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

» 1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 493 SITAF, no sentido da procedência do recurso 1.4.

Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 707º, n.º 4 do Antigo Código de Processo Civil (ACPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Atenta a data em que foi proferida a sentença objeto de recurso – ano de 2013/ fevereiro – será levada em consideração a redação do Código de Processo Civil resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, por força do artigo 7.º, n.º 1, da Lei n. 41/13, de 26 de junho.

Questões a decidir: As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, por errada valoração da prova testemunhal e documental, falta de fundamentação de facto, contradição entre decisão e fundamentação de facto e erro de julgamento decorrente...

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