Acórdão nº 00302/10.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalhães
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 07 de fevereiro de 2014 [que julgou procedente a pretensão deduzida pelo Impugnante, ora Recorrido], onde foi decidido anular o acto impugnado, consubstanciado na liquidação de IRS relativa ao ano de 2008, no valor de €5.448,18.

No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 96 a 101 dos autos em suporte físico], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “EM CONCLUSÃO: 1. C.A.A.R. impugnou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativa ao ano de 2008 porquanto vive desde Setembro de 2006 em união de facto com V.M.C..

  1. Entre 2007 e 2009 o impugnante teve como domicílio fiscal (...), enquanto V.M.C., manteve o domicílio fiscal em (...).

  2. Contudo, a impugnação foi julgada procedente, sendo anulado o acto recorrido na decisão sob censura.

  3. Verifica-se que tal decisão não fez uma correcta apreciação da matéria de facto pois os pressupostos para a relevância da união de facto não se encontravam verificados (vivência em comum há mais de 2 anos, como preceitua o artigo 1º nº 2, da Lei 7/2001).

  4. Além disso, não se verificava a coincidência do domicílio fiscal para a declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativa ao ano de 2008 poder ser apresentada conjuntamente.

  5. Resulta, deste modo, violado o disposto no artigo 14.º n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Termos em que deve a decisão ser revogada, julgando-se improcedente a impugnação, Assim sendo feita JUSTIÇA!” * O Recorrido C.A.A.R. apresentou Contra-alegações [Cfr. fls. 113 a 120-verso dos autos em suporte físico], tendo elencado a final as conclusões que ora se reproduzem: “3. Conclusões:

  1. Deve ser rejeitado o recurso do M.º P.º na parte correspondente à impugnação da matéria de facto, por não estarem cumpridos os ónus processuais tipificados no artigo 685.°-B, n.°s 1 e 2, do CPC.

  2. Estando em causa os rendimentos de 2008, mesmo que a relação de união de facto se tenham constituído em Setembro de 2006, como se demonstrou - e o recorrente não contesta -, esse estado existe à data da verificação do facto tributário, o qual, no IRS, apenas se forma e se consolida no último dia do ano a que o imposto respeitar.

  3. Na data em que ocorre o facto tributário do imposto, já existia uma união de facto com mais de dois anos, sendo esse o momento a ter em conta na aferição da situação pessoal/familiar relevante para efeitos de incidência subjectiva do imposto, dispondo a lei, expressis verbis, que "a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite", artigo 13.º, n.° 7, do CIRS.

  4. "O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário" [...,] para as pessoas singulares, o local da residência habitual [art.º 19.ª n.º 1 al. a) da Lei Geral Tributária]".

  5. Tendo esse local da residência habitual sido o mesmo durante todo o período circunstancialmente em causa, o que está em causa é a substancialidade decorrente dessa realidade.

  6. Pelo que, atenta a intencionalidade do regime legal (traduzida essencialmente na "necessidade de o sujeito passivo e a A.F. estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direitos e deveres" e na preocupação de evitar situações fraudulentas), a derradeira e decisiva identidade a relevar é "a que resulta da residência habitual e não da residência declarada".

  7. A relevar-se em exclusivo uma dimensão puramente formal, o regime seria inexplicável sem que se comprometesse a razoabilidade do legislador: seria a prevalência da forma sobre a substância e a união deixaria de ser de "facto" para passar a ser meramente "de papel". Assim, h) A sentença interpretou correctamente o disposto no artigo 14.°, n.° 1, do CIRS, tendo determinado com exactidão o seu teor jurídico-normativo à luz da teleologia material da norma e da sua articulação com a axiologia do sistema tendo em conta os factos que devidamente foram apurados.

    Termos em que, com o devido suprimento de V. Exas., deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se, na íntegra, a douta sentença recorrida.” ** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu a pronúncia a fls. 132 a 134 dos autos em suporte físico, pelo qual sustentou, a final e em suma, que sendo o Ministério Público o Recorrente, que tendo subjacente o disposto no artigo 146.º do CPTA, ex vi artigo 2.º alínea c) do CPPT, que se dispensava de emitir Parecer no âmbito do presente recurso jurisdicional.

    *** Colhidos os vistos das Ex.mas Senhoras Juízas Desembargadoras Adjuntas, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

    ** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações - Cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) –, e que se centram em saber, em suma, se a Sentença recorrida fez uma errada apreciação dos elementos de prova constantes dos autos e se, ao decidir pela procedência da presente Impugnação, violou o disposto no artigo 14.º do CIRS, por não se encontrarem verificados os pressupostos para a relevância da união de facto, conforme dispõe o artigo 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.

    ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue: “III - Com interesse para a decisão da presente questão, dão-se como provados os seguintes factos: A - A Sra. V.M.C. nasceu na República dos Estados Federados do Brasil (cf. doc. a fls. 12 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

    B - Por despacho do Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, datado de 26.04.2006, foi o Impugnante nomeado Reitor da (…) conforme consta da publicação em DR II Série, n.° XX, de 23.05.2006 a pags. XXXX.

    C - Em 03.05.2006, o Impugnante aceitou a nomeação referida na alínea anterior (cf. doc. a fls. 72 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

    D - Em 23.12.2006, foi indicada como «Domicílio fiscal» constante do Impugnante a Rua (…), em (...) (cf. docs. a fls. 14 a 18 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

    E - Em 26.11.2007, a Sra. V.M.C. foi inscrita como contribuinte constando como seu «Domicílio fiscal» a Av. (…), em (...) (cf. docs. a fls. 14 a 18 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

    F - Em 25.01.2008 foi alterado o «Domicílio Fiscal» do Impugnante referida na alínea «D» para a Av. (…), em (...) (cf. docs. a fls. 14 a 18 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

    G - Em 14.03.2009, o Impugnante veio a contrair matrimónio com Sra. V.M.C. (cf. verso do doc. a fls. 71 dos autos, que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

    H - Em 24.05.2009, o Impugnante e a Sra. V.M.C. apresentaram via Internet a declaração modelo 3 de IRS e respectivos anexos naquela preenchendo a opção de «unidos de facto» (cf. docs. a fls. 13 a 21 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

    I - Em ofício dos serviços da Impugnada dirigido ao Impugnante, datado de 05.11.2009, retira-se que: V..

    Solicita-se a entrega da declaração de substituição IRS/2008, bem como requerimento pedindo a eliminação da declaração entregue com união de facto. Decorrido o prazo supra sem a regularização da situação o procedimento prosseguirá para a devida correcção [...]"(cf.

    doc. a fls. 11 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

    J - O Impugnante recebeu a «Demonstração de Liquidação de IRS», datada de 12.01.2010, relativamente aos rendimentos de 2008, no valor de € 5.448,18, com data limite de pagamento em 10.03.2010 (cf. doc. a fls. 10 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

    K - A petição inicial da presente impugnação foi remetida pelo Advogado do Impugnante para este Tribunal por correio registado expedido em 26.04.2010 (cf. fls. 2 a 23 dos autos).

    L - A partir de Setembro de 2006, o Impugnante e a Sra. V.M.C., passaram a viver na Av. (…), em (...).

    M - O casal referido na alínea anterior vivia nas duas cidades de (...) e (...), conforme as exigências profissionais do Impugnante.

    N - O imóvel na Av. (…) foi tido como a residência do casal, que se deslocava a (...) em virtude dos compromissos profissionais do Impugnante, O - O Impugnante e a Sra. V. C. viveram em comunhão de leito, mesa e habitação.

    * A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação, assim como naqueles que constam do respectivo processo administrativo (PA).

    Com interesse para a decisão a proferir nestes autos, não se demonstraram os demais factos alegados pelas partes. Assim, no que se refere ao alegado pelo Impugnante no art.° 9.º da p.i. não foram trazidos...

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