Acórdão nº 00116/13.3BEMDL-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 23 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:* I. RELATÓRIO 1.1.
O Município (...) intentou contra o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT) a presente ação administrativa especial de impugnação de ato e de condenação à prática de ato devido, na qual indicou como contrainteressada a sociedade concessionária do sistema multimunicipal de abastecimento de águas e saneamento “Águas (...), S.A.”.
1.2.
A 07/05/2013, a Contrainteressada apresentou contestação na qual se defendeu por exceção, invocando a inimpugnabilidade do ato e a caducidade da ação. Defendeu-se ainda por impugnação.
1.3.
A 08/07/2013, a autora replicou.
1.4.
Em 13/01/2017, o TAF de Mirandela proferiu despacho saneador em que julgou improcedentes as exceções invocadas pela Contrainteressada, definiu o objeto do litígio, fixou os temas da prova e ordenou a notificação das partes para nos termos do disposto no artigo 598.º do CPC, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentarem os respetivos requerimentos de prova.
1.5.
A 22/06/2017 teve lugar a audiência prévia, na qual os mandatários do Autor e da Contrainteressada arguiram a falta de notificação da contestação do réu, que aquele invocou ter apresentado por correio eletrónico no dia 07 de maio de 2013, tendo o Tribunal a quo dado sem efeito a mesma e ordenado a notificação da contestação do MAMAOT.
1.6. Por despacho proferido no mesmo dia (22/06/2017) o TAF de Mirandela constatou não se encontrar “ junto ao processo qualquer contestação do Ministério” e ordenou que o Réu fosse notificado para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos a cópia da contestação em causa, bem como do documento comprovativo do seu envio, de modo a esclarecer as dúvidas suscitadas “ quanto a saber se a contestação referida pelo ilustre representante do Ministério [em sede de audiência prévia] será a contestação referente ao presente processo ou eventualmente referente a outro processo que, por lapso se terá pensado eventualmente respeitar aos autos”.
1.7.
Em 23/06/217, o Réu MAMAOT juntou aos autos cópia da contestação e de documento destinado a comprovar o envio da contestação, através de correio eletrónico, no dia 07/05/2013, a que corresponde, no SITAF, o documento n.º 007289096.
1.8.
Em 18/07/2017, o Autor através do requerimento a que corresponde, no SITAF, o documento n.º 007289098, invocou a intempestividade e a inadmissibilidade da apresentação da contestação junta pelo Réu MAMAOT.
1.9.
A 22/01/2020, o TAF de Mirandela proferiu despacho no qual julgou improcedente a invocação pelo autor da intempestividade da apresentação da contestação apresentada pelo réu.
1.10.
Inconformado com referido despacho, o Autor interpôs o presente recurso jurisdicional, apresentando alegações que concluiu nos seguintes termos: “I. O presente recurso vem interposto do douto Despacho saneador do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que foi proferido no dia 22 de janeiro de 2020 no âmbito da ação administrativa especial acima identificada.
II.
A ora Recorrente não se conforma com a parte do Despacho Saneador recorrendo, na parte que julgou totalmente improcedente as alegações da ora Recorrente, relativamente à intempestividade e inadmissibilidade legal da contestação apresentada pelo Recorrido.
III.
O Tribunal no douto Despacho Saneador fez uma errónea interpretação e aplicação da legislação aplicável, conforme nas alegações se demonstrou e infra se conclui.
IV.
Desde logo porque o Tribunal a quo no douto Despacho Saneador citou o artigo 22 da Portaria 118/2008, julgando estar a citar a Portaria 642/2004.
V.
Em consequência, o Tribunal a quo entendeu não ser aplicável a Portaria 642/2004 ao presente caso, quando ao citar o artigo 22 da Portaria 118/2008 apenas poderia ter concluído que a Portaria 118/2008 não se aplicava ao caso sub judice.
VI. Mas, se tivesse o Tribunal a quo analisado a Portaria 118/2008, o mesmo concluiria que esta não altera o âmbito de aplicação da Portaria 642/2004 no que às ações administrativas diz respeito, pelo que a mesma se manteve aplicável, e, em decorrência, qualquer peça processual submetida via correio eletrónico teria que cumprir os requisitos da Portaria 642/2004. Em consequência o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito, ao considerar que a Portaria 624/2004 não é aplicável ao caso sub judice VII. De igual forma andou mal, com o devido respeito, o Tribunal a quo ao declarar como cumpridos os requisitos do Decreto-Lei 28/92 (regime do uso da telecópia), caso se “considerasse aplicável a Portaria 642/2004”, por remissão do artigo 10º desta.
Senão vejamos: VIII. De acordo com o despacho proferido sobre e logo a seguir à Audiência Prévia ocorrida a 22 de junho de 2017, “não se encontra junto ao processo qualquer contestação do Ministério e que a contestação que o titular se recordava não respeita ao presente processo, sendo de uma outra matéria que nada tema ver com os presentes autos” (sublinhado nosso).
IX.
A cópia da contestação junta aos autos pelo Recorrido no dia 23 de junho de 2017, bem como o putativo comprovativo do envio da contestação através de mensagem de correio eletrónico no dia 7 de maio de 2013 é apenas um simples e mero e-mail, o qual não foi cronologicamente validado através da aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea (“MDDE”) (cfr. alínea a) do número 2 e número 3 do artigo 3º da Portaria 642/2004) nem tão pouco o Recorrido apresentou uma mensagem de confirmação da receção emitida pelo destinatário da mensagem do correio eletrónico (cfr. número 3 do artigo 7º da Portaria 642/2004).
X.
O Recorrido não fez prova nem do envio da contestação nem, por conseguinte, da sua receção pela secretaria do Tribunal.
XI.
Conforme referido, Tribunal a quo para justificar a não aplicação da Portaria 642/2004 cita o artigo 2º da Portaria 118/2008 julgando estar a mencionar o artigo 2º da Portaria 642/2004.
XII.
Esta confusão de diplomas do Tribunal a quo implica que os demais argumentos utilizados não prossigam, por partirem de premissas erradas. Aliás, XIII.
Se dúvidas houvesse quanto à aplicabilidade da Portaria 642/2004 aos processos administrativos após a sua revogação parcial pela Portaria 118/2008, o Supremo Tribunal de Justiça veio esclarecer que “se fosse vontade do legislador afastar definitivamente o correio eletrónico das formas de envio a juízo de peças processuais escritas, bastaria ter revogado globalmente a Portaria 642/2004” 6 6 Cfr.
Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, op. cit., loc. cit.
Assim, XIV. “Note-se que a Portaria 114/2008, de 6/8 – cfr. o respectivo art. 27v, al. a) -, apenas revogou a Portaria 642/2004 para as ações cíveis declarativas e executivas, pelo que se encontra em vigor para as ações administrativas e tributárias” 7 7 Cfr. Acórdão do TCA Sul, op. cit., loc. cit.
XV.
Ainda que o Tribunal a quo admita que o seu entendimento da não aplicabilidade da Portaria 642/2004 possa estar errado, o mesmo argumenta que seria sempre aplicável o artigo 10º da Portaria 642/2004, o qual considera ser aplicável à apresentação de peças processuais por correio eletrônico simples o regime estabelecido para o envio através de telecópia (Decreto-Lei 28/92, de 27 de fevereiro (regime do uso da telecópia).
XVI.
Mesmo que assim fosse, deveria ter-se em consideração que o número 6 do artigo 4º do referido diploma considera “a data que figura na telecópia recebida no tribunal o dia e hora em que a mensagem foi efetivamente recebida na secretaria judicial até prova em contrário”.
(sublinhado nosso) XVII.
Sendo que no presente caso o Recorrido não fez prova “do dia e da hora em que a mensagem foi efetivamente recebida na secretaria judicial” através de uma mensagem de confirmação da receção emitida por parte do destinatário da mensagem de correio eletrônico.
XVIII.
Face à ausência da contestação, do comprovativo MDDE e da mensagem de confirmação da receção emitida por parte do destinatário da mensagem de correio eletrónico, não pode o Tribunal afirmar, com a certeza e segurança jurídicas necessárias que tal mensagem de correio eletrónico tenha sido remetida e consequentemente rececionada no dia 7 de maio de 2013.
XIX.
O Recorrido não apresentou o meio de prova legal e processualmente exigível para prova de um facto (comprovativo de envio tempestivo da contestação ou da sua receção pelo Tribunal), cujo ónus lhe cabia por força de despacho judicial, mantendo-se a dúvida acerca do conteúdo e da tempestividade da apresentação da contestação que o Recorrido alega ter remetido aos autos.
XX.
Como é sabido, nos termos do disposto no artigo 414.º2 Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o...
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