Acórdão nº 00437/18.9BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelCristina da Nova
Data da Resolução11 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO S., S.A.

e Instituto da Segurança Social, I.P.

, impugnante e impugnada respetivamente, vêm recorrer da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação, por vício de violação da lei, das contribuições e cotizações, sobre rendimentos pagos a prestadores e que manteve a liquidação respeitante às gratificações de balanço pagos aos prestadores de serviços.

*Formula a recorrente S., S.A.

, nas respetivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem: «1.

O objecto da liquidação oficiosa ora em causa estava delimitado temporal e subjectivamente aos anos e aos concretos prestadores que constavam dos referidos mapas.

  1. Ao não limitar o âmbito da decisão aos enfermeiros A. e N., por ter considerado demonstrado que exercendo funções de chefia não eram prestadores de serviço, a sentença é indeterminada na tutela jurisdicional que efectivou.

  2. A sentença em crise ao decidir de forma indeterminada e genérica, conhece efectivamente de questões que não lhe foram colocadas e, por isso, não podia tomar conhecimento, sendo por isso nula nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

  3. Ao considerar procedente a impugnação apenas relativamente aos prestadores que não exerçam funções de chefia, o Tribunal apreciou e decidiu, na prática, sobre um objecto diverso do pedido e, como se referiu, de forma indeterminada, violando, por isso, o disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC.

  4. A sentença em crise é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPC.

  5. O presente recurso interposto da sentença proferida nos autos que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida anulando parcialmente a liquidação oficiosa operada pelo Instituto da Segurança Social, IP, ora Recorrido, considerando assim anulada a liquidação na parte que se refere às contribuições e cotizações dos meses de Janeiro a Maio de 2013, por caducidade e, quanto aos demais meses, no que se refere aos valores pagos aos prestadores de serviço que não exerçam funções de chefia.

  6. O recurso é limitado à decisão proferida quanto: (i) À ilegitimidade da intervenção do ISS para qualificar relações contratuais de trabalho subordinado (ainda que apenas para o efeito de incidência de contribuições e cotizações), e a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 256.º do Código dos Regimes Contributivos e do art.º 8.º, n.º 2, alínea c) (na redacção em vigor) da Portaria n.º 135/2012 de 8 de Maio (texto da Portaria n.º 102/2017, de 8 de Março), acolhida pela sentença; (ii) À qualificação das Gratificações de Balanço como remunerações sujeitas a incidência de contribuições e cotizações; (iii) Da limitação do vício de violação da lei aos prestadores de serviço que “não exerçam funções de chefia”.

  7. O ISS é um Instituto Público que se rege pela Lei - Quadro dos Institutos Públicos (Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro), pela respectiva Lei Orgânica (D.L. n.º 83/2012, de 30 de Março) e pelos respectivos Estatutos, aprovados pela Portaria n.º 135/2012, de 8 Maio.

  8. Nos termos do disposto no art.º 8.º, n.º 2, alínea a) da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro, os institutos públicos não podem ser criados para desenvolver actividades que nos termos da Constituição da República Portuguesa (CRP) devam ser desempenhadas por organismos de administração directa do Estado.

  9. Os institutos públicos não podem exercer actividades ou usar os seus poderes fora das suas atribuições (art.º 14.º, n.º 2 do citado diploma legal).

  10. A verificação do “enquadramento” das remunerações em causa pressupõe a definição da relação jurídica subjacente, qualificação essa que não cabe ao ISS fazer, uma vez que o enquadramento referido na lei não pode querer deixar de se referir às regras aplicáveis à situação concreta (v.g. taxa aplicável, isenções, etc.), e não à qualificação da relação jurídica em causa já que, só definida esta, é possível fazer o enquadramento.

  11. Fora dos casos de acção intentada pelos interessados na qualificação da relação laboral como de trabalho subordinado, é a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), um serviço central da Administração directa do Estado (art.º 1.º e 2.º do D.L. n.º 326-B/2007, de 28 de Setembro), a quem cabe promover a melhoria das condições de trabalho e a prevenção e controlo do cumprimento das normas em matéria laboral, no âmbito de relações laborais privadas.

  12. Cabe em exclusivo ao Ministério Público, após participação da ACT, instaurar a Acção de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho (art.º 15.º-A, n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro).

  13. Ao Recorrido só cabe instaurar o procedimento contra-ordenacional no âmbito do sistema da Segurança Social (art.º 2.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Lei n.º 107/2009 de 14 de Setembro).

  14. É da competência exclusiva dos Juízos do Trabalho a apreciação das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e das relações estabelecidas com vista à celebração do contrato de trabalho, das acções destinadas a anular actos e contratos celebrados por entidades responsáveis com o fim de se eximirem do cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da lei do trabalho (art.º 126.º da Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro – LOFTJ), cabendo também aos Juízos do Trabalho os recursos de decisões das autoridades administrativas em processos de contra-ordenação nos domínios laboral e da Segurança Social.

  15. É da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (art.º 212.º da Constituição da República Portuguesa).

  16. A liquidação oficiosa operada e impugnada, pressupõe a qualificação pelo ISS das relações contratuais de cada um dos prestadores, como sendo de trabalho subordinado, para só depois se proceder ao enquadramento contributivo respectivo.

  17. O contrato celebrado entre a Recorrente e os seus prestadores referidos na sentença, não pode ser considerado como sendo de trabalho para uns efeitos (por exemplo, para efeitos contributivos), e de prestação de serviços para todos os outros.

  18. Não existe qualquer disposição legal que confira ao Recorrido competência para qualificar os contratos celebrados entre as entidades beneficiárias e os prestadores de serviços, sendo que as correcções e regularizações propostas dependem exclusivamente dessa qualificação.

  19. A liquidação oficiosa objecto de impugnação, porque assente na qualificação jurídica das relações contratuais entre a Recorrente e os seus colaboradores, necessariamente constitui acto administrativo nulo, nos termos do art.º 161.º n.º 2 alínea a) do CPA, por usurpação de funções.

  20. A interpretação da alínea c) do n.º 2 do art.º 8.º da Portaria n.º 135/2012, de 8 de Maio e do art.º 256.º do Código dos Regimes Contributivos adoptada pela sentença em crise, no sentido de que cabe ao ISS, IP definir a qualificação de uma relação contratual como de trabalho subordinado, ainda que apenas para efeitos contributivos, é inconstitucional nos termos dos arts.º 13.º, 20.º, n.ºs 1 e 4 e 47.º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa, por violação, respectivamente dos princípios da igualdade relativamente às diferentes formas de prestação de serviços e de actividade, do direito de acção e de processo equitativo sem intervenção das partes contraentes e de liberdade de escolha da forma de exercer uma profissão nos quadros e regime legais disponíveis, mostrando-se ainda violado o art.º 212.º da CRP.

  21. Relativamente à regularidade do pagamento das prestações de balanço, não pode confundir-se o exercício a que as gratificações respeitam e o ano em que são pagas, quando o pagamento respeitante a um determinado exercício é faseado pelos vários anos seguintes.

  22. O requisito de regularidade, tal como definido no art.º 47.º do Código dos Regimes Contributivos (na versão em vigor até 31.12.2013), não se verifica quando se delibera pagar gratificações de balanço num determinado ano, mas se difere o pagamento efectivo por vários anos.

  23. Não ficaram provados os montantes pagos em 2010 e 2011 (Facto 22), nem a que anos diziam respeito os vários pagamentos constantes das folhas de remunerações dos colaboradores relativas aos anos de 2012 a 2016, uma vez que nos Factos 23 a 27 da matéria assente, apenas ficou provado que naqueles anos foram pagos valores de gratificações de balanço, e não que os montantes pagos nesses anos diziam respeito a cada um dos exercícios em causa per si, e não antes a pagamentos faseados de um valor global de determinado exercício anterior.

  24. As actas da Assembleia Geral dos sócios da sociedade holding, a S., SGPS, Lda (que domina a Recorrente) e o diferimento da aprovação de contas nas sociedades que consolidam contas, justificam a atribuição das gratificações, não podendo, por isso concluir-se que a atribuição de gratificações não está suportada pela correspondente documentação societária, neste caso do grupo onde se insere.

  25. A sentença em crise não atendeu à totalidade do Regime do Regulamento do Sistema de Avaliação de Desempenho em vigor na Recorrente, tal como não considerou a verdadeira natureza destas gratificações de balanço, já que, não corresponde à verdade que a prestação pecuniária em causa constituía um prémio de desempenho do trabalhador.

  26. Os colaboradores da Recorrente não têm direito às quantias em causa, já que a mesma pode pura e simplesmente deliberar a não atribuição de prémios (Facto 31 dado por provado), sem ter que o justificar.

  27. A disposição constante do Regulamento do Sistema de Avaliação de Desempenho que atribui um poder discricionário à Recorrente, não constitui uma mera cláusula de salvaguarda, na medida em que, mesmo que o trabalhador atinja/preencha cumulativamente os critérios referidos no n.º 4 do artigo 5.º do Regulamento, o que efectivamente aconteceu em vários anos antes e depois do referido Regulamento, é...

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