Acórdão nº 00056/20.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução15 de Julho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1.

QUINTA (...), LDA, pessoa coletiva número (…), com sede em (…), instaurou a presente ação administrativa contra o IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I. P.

,(IFAP, I.P.) com sede na (…), pedindo a anulação do ato administrativo, datado de 15/10/2019, proferido pelo Presidente do Conselho Diretivo do IFAP, I. P, que determina a restituição, pela Autora, do valor de € 31.151,64 (Trinta e Um Mil Cento e Cinquenta e Um Euros e Sessenta e Quatro Cêntimos), correspondente a parte do apoio recebido no âmbito da Operação n.º 020000907735 do PRODER/Ação 3.1.1 – Diversificação de Atividades de Exploração Agrícola.

Alega, para tanto, em síntese, que desde o momento da sua constituição, são sócias e gerentes da A., casada com F. e A., casada com J., ambas no regime da comunhão de adquiridos.

A Autora foi constituída com o único propósito de sustentar a candidatura ao apoio comunitário apresentado no âmbito do concurso 17/3.1.2 do PRODER, tendo-lhe sido concedido o subsídio de €46.909,40 num investimento de € 93.818,47, e assinado o respetivo contrato de financiamento.

A Autora executou todos os trabalhos previstos no projeto aprovado, o que foi controlado e validado pelo IFAP, IP que pagou a ajuda concedida em três momentos distintos, o último em 31/01/2015.

Procedeu, inclusivamente à criação de um posto de trabalho, que foi assumido pela sócia gerente A., que passou desde então a realizar todas as tarefas relacionadas com a execução do projeto, auferindo a partir de 08/06/2015, a remuneração definida em assembleia de sócias.

Sucede que, em finais de 2017, na sequência de uma alegada ação de controlo, a Autora foi notificada para efeitos de audiência prévia, da intenção do IFAP, IP reclamar a restituição de parte da ajuda financeira concedida, no valor de € 9.381,85, com fundamento em incumprimento da legislação aplicável por não ter promovido a criação de um posto de trabalho, uma vez que o posto de trabalho relativo à gerente A. já existia aquando do início do projeto.

A autora, nessa sequência, exerceu o direito de defesa mas não obteve resposta.

Sucede que, cerca de um ano após, a autora foi novamente notificada de um projeto de decisão, para audiência prévia, em que, para além da questão relativa ao posto de trabalho, que o IFAP manteve não ter sido criado pela autora, se invocou a existência de despesas não elegíveis, correspondentes a um conjunto de faturas do fornecedor “Carpintaria (...), Lda” pelo facto desta sociedade ser detida pelos cônjuges dos sócios da beneficiária ( autora), e tal revelar a existência de relações especiais nessas transmissões, tornando inelegíveis as respetivas despesas.

A Autora exerceu o respetivo direito de defesa, vindo, porém, a decisão final a considerar que foram praticadas as duas apontadas irregularidades.

A Autora, para além de invocar a prescrição da obrigação de restituir as quantias reclamadas, sustenta que o ato impugnado assentou em pressupostos erróneos, invocando, por um lado, que procedeu à efetiva criação de um posto de trabalho, não sendo essa circunstância invalidada pelo facto de a pessoa abrangida ser gerente da sociedade e por outro lado, que em nenhuma das normas constantes do regulamento de aplicação das ações do tipo ao abrigo do qual foi atribuído o financiamento se estabelece a ligação entre relações especiais e inelegibilidade da despesa.

1.2. Citado, o IFAP, I. P. contestou defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, que a decisão impugnada é legal, uma vez que a autora não procedeu à criação líquida de um posto de trabalho, tendo simplesmente deliberado remunerar a gerência e, por outro lado, atendendo às relações especiais existentes com o fornecedor “Carpintaria (...), Lda”, à luz do regulamento da medida, impunha-se que as despesas relativas a esse fornecedor fossem consideradas não elegíveis, dado que existem sócios comuns em ambas as entidades.

Sustenta ainda que não ocorreu qualquer prescrição do procedimento, atendendo às causas de interrupção e ao prazo concretamente aplicável.

Conclui, pugnando pela improcedência da ação.

1.3. Proferiu-se despacho saneador, no qual se fixou o valor da presente causa em 31.151,64 €, considerou-se inexistirem factos com relevo para a decisão a proferir que permaneçam controvertidos, dispensando-se a realização de outras diligências instrutórias e ordenou-se a notificação das partes para, querendo, apresentarem as respetivas alegações, o que ambas fizeram, mantendo, no essencial, a posição que já resultava dos respetivos articulados.

1.4. Em 28.02.2021, o TAF de Braga, proferiu sentença em que julgou parcialmente procedente, por provada, a ação administrativa de impugnação do ato, sendo o seu dispositivo do seguinte teor: Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente a presente ação administrativa e, em consequência: a) Anulo o ato administrativo impugnado nestes autos, somente na parte em que considerou não elegíveis as despesas apresentadas pela autora relativas às faturas emitidas pela sociedade “Carpintaria (...), Lda.” no âmbito da operação n.º 020000907735 do PRODER/Ação 3.1.1 – Diversificação de Atividades de Exploração Agrícola; b) Mantenho a decisão administrativa no respeita à devolução da quantia relativa à não criação de um posto de trabalho.

**Condeno ambas as partes no pagamento das custas processuais devidas, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 30% para a autora e em 70% para a entidade demandada – cf. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e artigos 6.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, e tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais”.

1.5. Inconformado com a decisão assim proferida, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: “1ª A fundamentação do acto administrativo contenciosamente impugnado na acção administrativa a que respeitam os presentes autos, não poderia ser alterada na contestação, neles, apresentada pelo IFAP, por o seu mandatário forense, subscritor dessa peça processual, não dispor dos poderes especiais necessários para o efeito, por isso, também não tendo, na contestação apresentada, modificado e/ou alterado o conteúdo substantivo do acto administrativo impugnado; 2ª Por outro lado, a Mº Juiz a quo, ao considerar provado em 22. da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida a integralidade do conteúdo substantivo do acto administrativo contenciosamente impugnado, também aí deu por provado todos os seus fundamentos de facto e de direito; 2ª Como tal, achando-se provado em 22. da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida que o fundamento de direito invocado pelo IFAP para justificar a inelegibilidade de despesas foram as normas constantes dos pontos 3 e 4 do Anexo III do Regulamento de Aplicação da medida em causa, tal 4ª Todavia, a verdade é que a realidade substantiva e material das relações especiais em causa, se traduz na circunstância de o capital social da «Carpintaria (...), Lda», sendo detido por pessoas casadas, sob o regime de comunhão de bens adquiridos, com as detentoras do capital social da A., tal circunstância configura a constituição de «relações pessoais» estabelecidas entre cônjuges, das quais resultaram as transacções documentadas pelas facturas em causa.

6ª E tal fundamento de direito do acto administrativo contenciosamente impugnado - “Despesas que resultem de transações entre cônjuges, parentes e afins em linha reta, entre adotantes e adotados e entre tutores e tutelados” previstos no ponto 3) do Anexo III do Regulamento de Aplicação – acha-se provado nos autos (Facto Provado 22); 7ª Ora, mostrando-se provado nos autos que a entidade emitente das facturas 1/3624, 1/3625, 1/3626, 1/3662, 1/3702, 1/3692, 1/3717, 1/3721, 1/3795, 1/3802 - «Carpintaria (...), Lda», era detida pelos cônjuges das sócias da A.; e que o capital social da «Carpintaria (...), Lda» é detido por pessoas casadas, sob o regime de comunhão de bens adquiridos, com as detentoras do capital social da A. – «relações pessoais» essas, que a própria A. admite em 20. da sua Pronúncia de 06/02/2019 (fls. 12 a 23 do PA) não haverá dúvida alguma que as despesas documentadas nas facturas 1/3624, 1/3625, 1/3626, 1/3662, 1/3702, 1/3692, 1/3717, 1/3721, 1/3795, 1/3802, emitidas à A. (QUINTA (...) Lda) por «Carpintaria (...), Lda», resultaram de “transações entre pessoas coletivas com relações de participação e com sócios comuns” – os cônjuges – não podendo ser elegíveis para o financiamento da Operação por força do disposto no artº 10º do Regulamento de Aplicação aprovado pela Portaria nº 520/2009, de 14 de Maio, na redacção dada pela Portaria nº 149/2013, de 18 de Abril, pelo que, como tal, tais despesas teriam de se considerar «não elegíveis» nos termos prescritos em tal Regulamento de Aplicação; 8ª Nessa medida, a Mª Juiz a quo, ao ter julgado procedente o invocado erro nos pressupostos do acto administrativo contenciosamente impugnado na parte relativa à inelegibilidade de despesas, incorreu em erro na subsunção do direito à factualidade provada na Fundamentação de Facto da Sentença recorrida, em violação do disposto no artº 10º do Regulamento de Aplicação aprovado pela Portaria nº 520/2009, de 14 de Maio, na redacção dada pela Portaria nº 149/2013, de 18 de Abril.

***Termos em que, com o douto suprimento, deverão proceder todas as conclusões extraídas das alegações do presente recurso e, por via de tal procedência, ser-lhe concedido provimento, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra decisão que julgue improcedente a acção administrativa a que respeitam os presentes autos, assim se fazendo JUSTIÇA” 1.6. A autora não contra-alegou.

1.7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando pela improcedência da apelação.

1.9. Prescindindo-se dos...

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