Acórdão nº 02579/17.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 22 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO 1.1.
C.
, residente na Avenida da (…), intentou a presente ação administrativa contra a ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS, pessoa coletiva n.º (…), com sede na Avenida (…), pedindo que a ação seja jugada procedente, e consequentemente:” A) Ser o despacho proferido, em 29/06/2017, pela Ex.ma Sra. Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados considerado nulo, com todas e as devidas consequências, ordenando-se consequentemente à Ré a deferir o pedido do autor e a proceder à inscrição do autor como contabilista certificado; B) Subsidiariamente, Ser o despacho proferido, em 29/06/2017, pela Ex.ma Sra. Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados considerado anulável, com todas e as devidas consequências, ordenando-se consequentemente a Ré a deferir o pedido do autor e a proceder à inscrição do autor como contabilista certificado...”.
Alegou, para tanto, em síntese, que o ato impugnado padece o vício de violação de lei, decorrente da ofensa à liberdade de escolha de profissão (na sua dimensão constitucional de liberdade de acesso a uma atividade profissional), e de vício procedimental respeitante à preterição da audiência prévia.
Juntou oito documentos, arrolou uma testemunha, e requereu que fosse inquirido em sede de declarações de parte.
1.2.
Citada, a Ré apresentou contestação, tendo-se defendido por exceção, invocando a intempestividade da prática do ato processual (caducidade do direito de ação) e por impugnação, refutando os argumentos aventados na petição inicial, pugnando pela total improcedência da presente ação, por não provada.
1.3.
O Autor apresentou réplica, requerendo a ampliação da causa se pedir.
1.4.
O Réu pronunciou-se sobre a requerida ampliação da causa de pedir.
1.5.
Notificadas as partes para apresentarem alegações escritas, ambas usaram de tal faculdade.
1.6.
Em 31 de agosto de 2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu despacho saneador -sentença, no qual fixou o valor da ação em € 5.000,01, constando do mesmo o seguinte segmento decisório: «Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, julgo verificada a exceção dilatória respeitante à intempestividade da prática do ato processual de propositura da presente ação administrativa (caducidade do direito de ação); e, em consequência determino a absolvição da Ré da instância [cf. art. 89.º, n.º 2, e n.º 4, alínea k), do CPTA; cf. art. 578.º do CPC, aplicável ex vi do art.1.º, in fine, do CPTA].
Custas a cargo do Autor, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal e indo a mesma reduzida a metade [cf. art. 527.º, n.
os 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi do art. 13.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e do n.º 3, do art. 31.º do CPTA; cf. arts. 1.º, 2.º, 3.º, 6.º, n.º 1, e, 14.º-A, e, ainda, a Tabela I-A, todos do RCP, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto - alterado pela Lei Lei n.º 27/2019, de 28 de Março -, aplicáveis ex vi dos arts. 1.º, in fine e 189.º, ambos do CPTA].» Registe e notifique.» 1.7.
Inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões: « A. O Recorrente não se conforma com a douta Sentença que absolveu a Ré Ordem dos Contabilistas Certificados da instância, a qual fundamenta, no essencial, que a presente ação administrativa deveria ter sido proposta no prazo de três meses, conforme se encontra consignado no n.º 2 do art.º 69.º do CPTA.
B. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da douta Sentença proferida nos presentes autos, especificamente prende-se com o facto de saber se os vícios invocados pelo Autor na ação administrativa são (ou não) conducentes à mera anulabilidade do ato impugnado.
C. Em 23 de Novembro de 2017, o Autor deu entrada da presente ação administrativa, tendo formulado petitório com o seguinte teor, a saber: Nestes termos e nos mais de direito consagrados, deve a ação ser julgada procedente e consequentemente: B) Ser o despacho proferido em 29/06/2017 foi pela Exma. Sra. Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados considerado nulo, com todas e as devidas consequências, ordenando-se consequentemente à Ré a deferir o pedido do autor e a proceder à inscrição do autor como contabilista certificado. (...) D. Ora, temos que o pedido principal do Autor na ação aqui em discussão prendeu-se com a declaração de nulidade do ato administrativo praticado pela Exma. Sra. Bastonária da OCC.
E. E tal pedido de nulidade sustenta-se, para além do mais, no facto do autor, aqui recorrente, entender que o ato ofende o conteúdo essencial do direito de liberdade de escolha de profissão, na sua dimensão de liberdade de acesso a uma atividade profissional, enquanto direito constitucionalmente consagrado no art.º 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, F. Dispõem os art.º 161.º e 162.º do CPA o seguinte: Art.º 161.º - Atos nulos 1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2 - São, designadamente, nulos: (...) d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental; Art.º 162.º - Regime da nulidade (...) 2 - Salvo disposição legal em contrário, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos (...) G. Depois, dispõe ainda o art.º 58.º, n.º 1, do CPTA que a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo.
H. A verdade é que a exigência de determinadas habilitações para a inscrição como contabilista, com assento normativo no disposto no art.º 2.º, n.º 1, alínea b) do Regulamento de Inscrição, Estágio e Exame Profissionais (RIEEP), constitui uma restrição admissível no acesso à profissão, na veste de pressuposto subjetivo de qualificação e capacidade pessoal, por não violar os padrões constitucionais expressos nos artigos 18.º n.º 2 e 47.º n.º 1 CRP.
I. No entanto não é a própria exigência de habilitações que está em causa; é antes a limitação que a OCC faz “da qualidade do ensino público” e a desconsideração / não ponderação do interesse público e dos interesses privados em presença.
J. Isto porque, o autor/recorrente é detentor de duas habilitações académicas de licenciatura, ministradas por estabelecimento de ensino superior público, criadas nos termos da lei e reconhecidas pela Ordem como adequada para o exercício da profissão aquando do ingresso nas mesmas.
K. O autor podia, como ainda o pode, instaurar ação administrativa para impugnação de atos nulos / de condenação à prática de ato devido, na medida que a mesma não está sujeita a prazo, atenta a invocada nulidade do ato.
L. A decisão da OCC - ato impugnável - tem eficácia externa e é suscetível de lesar direitos, ou interesses legalmente protegidos do autor - Art.º 51.º, n.º 1, CPTA.
M. O autor alegou na sua demanda, em síntese, que o ato administrativo padeceria de diversos vícios, a saber: vício de violação de lei, ofensa à liberdade de escolha de profissão e vício procedimental respeitante à preterição da audiência prévia.
N. E, o Venerando Tribunal recorrido fundamentou a douta Sentença, essencialmente, nos seguintes termos: «(...) a presente ação administrativa de condenação à prática do ato devido deveria ter sido proposta no prazo de 3 (três) meses, conforme se encontra consignado no n.º 2, do art.º 69.º do CPTA. Ora, não obstante o Autor pretender que se declare nulo ou anulável a decisão proferida pela Bastonária da Ré, em 29 de Junho de 2017, certo é que os vícios por si invocados (i) vício de violação de lei, i) ofensa à liberdade de escolha de profissão e i) vício procedimental respeitante à preterição da audiência prévia) são conducentes à mera anulabilidade do ato impugnado.
Pelo que, tendo o Autor sido notificado, em 04 de julho de 2017 (..) dispunha do prazo de 3 (três) meses, para intentar a competente ação administrativa (..). Pelo que, ao ter intentado a presente ação, somente, em 23 de novembro de 2017 (..) há muito que se mostra caduco o seu direito de propor tal ação administrativa. Ou seja, verifica-se a exceção dilatória respeitante à intempestividade da prática do ato processual, conducente à absolvição da Ré da instancia.» O. Ora, o “conteúdo essencial de um direito fundamental” previsto no artigo 161.º. n.º 2 alínea d) do NCPA, reporta-se ao núcleo duro de um direito, liberdade e garantia ou análogo, à ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária – assim o entendeu o Tribunal Central Administrativo Norte, no seu Acórdão proferido em 17-11-2017, no âmbito do processo 00014/16.9BEPRT, disponível para consulta in www.dgsi.pt P. Sendo que tal vício gera a nulidade do ato administrativo quando, em consequência desse ato seja afetado a essência do valor fundamental que justificou a criação do direito em causa, sem o qual o mesmo não pode subsistir.
Q. A ato impugnado tem a virtualidade de ofender o conteúdo essencial do direito fundamental ao trabalho do Recorrente (artigos 47.º e 58.º da CRP) e do princípio fundamental da igualdade (artigo 13.º CRP), o que se subsume, juntamente com os demais vícios invocados, a causas de violação de lei geradoras de nulidade.
R. E, assim sendo, a acção administrativa especial dos autos não haveria que ter sido proposta no prazo de três meses a contar da notificação do ato, sob pena de caducidade do direito de ação.
S. Repita-se que o autor/recorrente é detentor de duas habilitações académicas de licenciatura, ministradas por estabelecimento de ensino superior público, criadas nos termos da lei e reconhecidas pela Ordem como adequada para o exercício da profissão aquando do ingresso nas mesmas.
T. Ao não permitir a sua inscrição como contabilista certificado, contrariamente aos preceitos e requisitos definidos...
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