Acórdão nº 01154/15.7BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Setembro de 2021
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 24 de Setembro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório A Ordem dos Notários, devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa, intentada por V.
, tendente à condenação daquela a “pagar à Demandante a quantia de 76.170.57€, através do Fundo de Compensação, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos e ainda custas judiciais, e demais encargos”, enquanto “prestação de reequilíbrio” atendendo ao facto do seu Cartório Notarial ser deficitário, inconformada com a Sentença proferida em 22 de janeiro de 2021, no TAF de Aveiro, na qual a ação foi julgada “parcialmente improcedente”, tendo sido determinado o pagamento à Autora de 36.745,61€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, tendo concluído nas correspondentes alegações: “I. Constitui entendimento do Tribunal a quo que os Senhores Notários titulares das licenças de Cartórios Notariais deficitários terão sempre direito ao recebimento de uma prestação de equilíbrio, independentemente da respetiva falta de empenho e diligência profissional, porquanto, alegadamente, o único requisito legal de que depende tal recebimento é aquela natureza deficitária dos Cartórios Notariais; II. Uma interpretação meramente declarativa do disposto no artigo 61º, nº 1, do Decreto-Lei nº 27/2004, de 4 de fevereiro, poderia conduzir, de facto, a tal conclusão; III. Porém, a douta sentença recorrida não logrou interpretar adequadamente o preceito legal em apreço, tendo em consideração os cânones interpretativos do ordenamento jurídico português, designadamente, o disposto no artigo 9º, nº 1, do Código Civil; IV. De acordo com o referido preceito legal e à luz dos ensinamentos da doutrina (vide, por todos, JOÃO BAPTISTA MACHADO), a intenção legislativa que presidiu à instituição do Fundo de Compensação e da prestação de reequilíbrio a que se reportam os artigos 54º e seguintes do Decreto-Lei nº 27/2004, de 4 de fevereiro, consistiu em reforçar a solidariedade entre os membros da Ordem dos Notários, assegurando a manutenção da equidade dos rendimentos dos notários que, pela sua localização, não produzam rendimentos suficientes para suportarem os encargos do cartório, conforme os artigos 3º, nº 1, alínea g), e 54º do Decreto-Lei nº 27/2004, de 4 de fevereiro, e o preâmbulo do Decreto-Lei nº 26/2004, da mesma data, sendo que as contribuições para o Fundo de Compensação, por parte dos Senhores Notários, possuem caráter obrigatório; V. É inquestionável que os valores que juridicamente presidiram à criação do Fundo de Compensação e, consequentemente, à própria concessão e pagamento das prestações de reequilíbrio previstas no artigo 61º do Decreto-Lei nº 27/2004, de 4 de fevereiro, se reportam à garantia da implementação de serviços notariais em todo o território nacional, em benefício dos cidadãos, bem como à solidariedade profissional entre todos os Senhores Notários; VI. Por outro lado, tendo em consideração o elemento sistemático, é evidente que as prestações de reequilíbrio a que se refere o artigo 61º, nº 1, do Decreto-Lei nº 27/2004, de 4 de fevereiro, se reconduzem, sobretudo, aos princípios da solidariedade, da equidade e, sobretudo, da justiça entre os Senhores Notários, de forma a assegurar a dignidade exigida pela profissão, independentemente da localização dos respetivos Cartórios Notariais; VII. Conforme as lições da doutrina (vide, por todos, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA), decorre do princípio constitucional da justiça estabelecido no artigo 266º, nº 2, da CRP que as entidades administrativas (in casu, a Recorrente) devem pautar a respetiva atividade por certos critérios materiais ou de valor, constitucionalmente plasmados, como é o caso do princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da efetividade dos direitos fundamentais, o princípio da igualdade e o da proporcionalidade, sendo que apenas com a sua observância se poderá alcançar uma solução justa das questões que àquelas entidades cumpre resolver; VIII. No cumprimento das atribuições da Ordem dos Notários, designadamente, no reforço da solidariedade entre os seus membros, conforme o disposto no artigo 3º, nº 1, alínea g), do Decreto-Lei nº 27/2004, de 4 de fevereiro, o referido princípio da justiça material entre os Senhores Notários pressupõe que estes, no exercício da sua atividade, coloquem o empenho e a diligência exigíveis pela profissão, motivo pelo qual, à luz do disposto no artigo 62º, nº 1, do mesmo diploma, compete ao CFDD promover ações de avaliação dos cartórios deficitários, com o objetivo de apurar a factualidade relevante para ajuizar a justiça da concessão das prestações de reequilíbrio entretanto pagas aos Senhores Notários; IX. Tal desiderato é plenamente convocável no caso sub judice na medida em que, sendo obrigação de todos os Senhores Notários contribuírem para o Fundo de Compensação, a atribuição de prestações de reequilíbrio, financiadas por este e, por inerência, por toda a classe profissional, a outros Senhores Notários que, por ausência de diligência ou de empenho profissionais, não obtenham os rendimentos mínimos exigíveis para a assegurar a continuidade da sua profissão, levaria invariavelmente a uma distorção dos valores que presidiram à criação do referido Fundo, em desfavor da real solidariedade profissional entre Notários e, ademais, à violação dos postulados do princípio constitucional da justiça; X. Pelo que, à luz das demais normas previstas no Decreto-Lei nº 27/2004, de 4 de fevereiro, mas, também, à luz do princípio constitucional da justiça, impõe-se, desde logo, levar a cabo uma correta interpretação que faça corresponder o pensamento legislativo ao enunciado textual do artigo 61º, nº 1, do referido diploma legal, no sentido de que os Senhores Notários titulares de licenças de Cartórios Notariais deficitários terão direito a uma prestação de reequilíbrio, desde que demonstrem, através de qualquer meio de prova admitido em direito, que colocam no exercício da respetiva atividade o empenho e a diligência profissionais exigíveis; XI. A interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 61º, nº 1, do Decreto-Lei nº 27/2004, de 4 de fevereiro, no sentido de que qualquer Notário terá direito a uma prestação de reequilíbrio pela mera verificação da situação deficitária a que se reporta o artigo 59º do referido diploma legal, incluindo nas situações em que tal situação deficitária se deva «a falta do empenho profissional que colocam no exercício da profissional, ao abstencionismo, à falta de otimização dos recursos existentes, à gestão ineficiente do próprio serviço, a inexistência de investimentos em informatização etc», i.e., causas imputáveis aos Senhores Notários, descarta, de forma manifesta, os subsídios interpretativos providenciados pelo ordenamento jurídico e, em bom rigor, conduz a uma chocante violação do princípio da justiça; XII. A título de exemplo, conceba-se a situação de um Notário que, no âmbito da respetiva atividade profissional, celebra apenas uma escritura por semana, cobrando um montante de honorários de € 150,00, ausentando-se do respetivo Cartório Notarial no demais período de trabalho para se dedicar a outras atividades; o Notário em causa perfará, assim, um montante de honorários mensal de € 600,00, cumprindo, de acordo com o entendimento da douta sentença recorrida, os requisitos legalmente previstos para receber do Fundo de Compensação (composto pelo conjunto das contribuições de todos os Notários), a título de prestação de reequilíbrio, o montante de € 14.400,00; XIII. Pense-se, num outro exemplo, num Notário que, não obstante fature um montante de honorários mensal de € 30.000,00, decida celebrar contratos de trabalho com cinco funcionários do seu Cartório, pagando-lhes um montante global de € 4.500,00 a título de salário bruto, acrescido das contribuições devidas à Segurança Social, pelo que liquidaria despesas mensais com as remunerações dos referidos funcionários no montante global de € 27.843,75; ora, de acordo com o entendimento da douta sentença recorrida, na medida em que o Notário em apreço apenas apresentaria um rendimento de € 2.156,25, terá legalmente direito a receber do Fundo de Compensação, a título de prestação de reequilíbrio, o montante de € 12.843,75; XIV. Por último, pense-se num Notário que, pelo singelo motivo de insistir em não adquirir uma fotocopiadora que permita a digitalização de documentos em lote, por desejar manter a sua antiga fotocopiadora de 1990 (que permite apenas a digitalização do lado frente de cada documento, o qual deverá ser, página após página, frente após verso, inserido no referido equipamento para o efeito), despende três quartos do seu horário de trabalho a digitalizar documentos de forma manual, não tendo disponibilidade para atender os pedidos dos cidadãos e, nessa medida, apenas consegue faturar um montante de honorários mensal de € 4.000,00; ora, também este hipotético Notário, à luz da tese da douta sentença recorrida, terá direito legal a exigir do Fundo de Compensação (e das contribuições mensais de todos os Notários), a título de prestação de reequilíbrio, o pagamento do montante mensal de € 11.000,00; XV. As situações supra descritas afiguram-se plenamente lícitas à luz da interpretação meramente declarativa da norma ínsita no artigo 61º, nº 1, do Decreto-Lei nº 27/2004, de 4 de fevereiro, operada pela douta sentença recorrida, em claro prejuízo do património autónomo que constitui o Fundo de Compensação, defraudando, no entender da ora Recorrente, todas as finalidades que presidiram à respetiva criação de assegurar a equidade e a justiça entre os Senhores Notários e, reflexamente, entorpecendo a solidariedade profissional entre estes, uma vez que aqueles Notários que não colocam na respetiva atividade o empenho e a diligência exigíveis contraem, efetivamente, uma dependência daqueles outros Notários que, outrossim, se...
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