Acórdão nº 00229/12.9BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução17 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*1 – RELATÓRIO SCMFB vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 20 de Dezembro de 2016, e que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum intentada contra o Município de Carregal do Sal e onde solicitava que deveria o Réu ser condenado: a) a reconhecer que a A. é agente de direito e, assim, que possui o direito a exercer o cargo de técnico de 2.ª classe da área de Engenharia Florestal, com todas as consequências legais, mormente as anulatórias do ato de declaração de caducidade notificado a 14 de Março do corrente ano de 2012; b) ou, quando assim se não entender, deve o Município de Carregal do Sal ser condenado a reconhecer a necessidade de ocupação do posto de trabalho em causa, com recurso à constituição de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, determinando: i. a alteração do mapa de pessoal do órgão ou serviço, de forma a prever aquele posto de trabalho; ii. a imediata publicitação de procedimento concursal para recrutamento de trabalhador com relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado para o posto de trabalho em causa; c) no caso de improvimento do pedido principal, deve o Município de Carregal do Sal ser condenado a pagar à A., pela caducidade do contrato resolutivo a termo, a compensação a que se refere o artigo 252.º n.º 3 da Lei n.º 59/2008, de 11/09, no valor de € 4.860,864, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a caducidade do contrato e até efetivo e integral pagamento, com todas as legais consequências.

Em alegações a recorrente concluiu assim: 1. Em primeiro lugar, não consta dos factos provados pela sentença a celebração, em 13/07/2004, do Protocolo entre o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento e Pescas e a Associação Nacional de Municípios, denominado pelas Partes contratantes de “Protocolo relativo ao exercício de novas competências pelos Municípios no âmbito da protecção da Floresta”.

  1. Tal facto – celebração do Protocolo e respetivo conteúdo – resulta provado pelo documento n.º 7 junto pela A. em sede de pi., sendo essencial para a decisão da causa de pedir atinente à nulidade do contrato a termo por força da inverídica motivação que o alicerça.

  2. Assim, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto aos factos, por insuficiência da matéria de facto dada como provada, impondo-se que o Tribunal ad quem dê como provada a celebração do Protocolo e seu teor (proémio e respetivas cláusulas), relevando-os na decisão de mérito.

  3. Em segundo lugar, decorre dos factos provados que a Recorrente foi contratada para exercer funções no Gabinete Técnico Florestal (GTF) e para assegurar o seu normal funcionamento, GTF esse que se destinava a apoiar a Comissão Municipal de Defesa da Floresta contra incêndios, sendo da responsabilidade da Câmara Municipal (art. 5.º, n.º 5 da Lei n.º 14/2004).

  4. A Lei n.º 14/2004 comete à Comissão Municipal atribuições a longo prazo a prosseguir no âmbito da circunscrição territorial municipal, não assumindo a Comissão um pendor temporário ou excecional, razão pela qual também não é temporário o GTF que dá apoio àquela Comissão.

  5. Ademais, a existência e funcionamento da Comissão Municipal e respetivo GTF inserem-se no âmbito do Sistema de Prevenção e Proteção da Floresta contra Incêndios, sobre o qual versa o Protocolo referido na conclusão 1), que determina que as competências para a operacionalização do Sistema de Prevenção e Proteção cabem aos Municípios, através da constituição das Comissões Municipais e seu funcionamento (assegurado, recorde-se, pelos GTF), mais prevendo a atribuição de meios financeiros para esse efeito (transferência de verbas).

  6. Assim, as competências atinentes ao GTF foram entregues (materialmente) ao Município pelo Protocolo e pela Lei n.º 14/2004, e, só posteriormente (e formalmente), pela Lei n.º 20/2009, de 12/05, passando, desde a celebração do Protocolo, a integrar-se no conjunto normal ou comum de atividades do serviço.

  7. Em suma, diversamente do que julga o Tribunal a quo, a necessidade permanente do serviço em contratar a A. para exercer as funções de técnica-superior no GTF não surgiu com a entrada em vigor da Lei n.º 20/2009, mas com todo o procedimento, todas as atuações e formalidades anteriores, e, determinantemente, com a criação e colocação em funcionamento do GTF.

  8. Contudo, ainda que se admitisse que a transferência das atribuições florestais para os Municípios só ocorrera em 2009, ainda assim, a contratação da A. assumir-se-ia como necessidade permanente a partir dessa data até 2012, pois a partir de 2009, o exercício de funções pela A., no Município, passou a enquadrar-se necessariamente no âmbito da Lei n.º 20/2009.

  9. Não pode, pois, entender-se estar em causa a celebração de um contrato com fundamento no desenvolvimento de um projecto não inserido nas actividades normais dos serviços, pois então teríamos que saber que projeto era esse, que foi concretamente desenvolvido, apenas e só, entre 2006 (no mínimo) e 2012.

  10. Em suma, a sentença proferida pela Tribunal a quo enferma de erro de julgamento por violação dos arts. 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Lei n.º 14/2004, 14.º, n.º 4 da Lei n.º 59/2008 e 93.º do regime do contrato de trabalho em funções públicas aprovado por esta última Lei, impondo-se a sua revogação. Sem conceder quanto ao que vimos de expor: 12. Em terceiro lugar, o motivo justificativo do termo deve ser feito com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado – cfr. art. 131.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 /08, aplicável ex vi do art. 2.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2004 (o que se aplica, igualmente, à renovação do contrato da A. de 17.03.2009, já que o art. 14.º, n.º 3 da Lei n.º 59/2008 exige uma especial fundamentação para a renovação).

  11. Ora, nada no contrato celebrado entre as Partes em 18/04/2006 vem concretizado ou especificado quanto ao motivo justificativo, não referindo quaisquer razões concretas e objetivas relacionadas com o termo: entre o mais, se as funções da A. eram dirigidas a um projeto concreto e temporário, qual era exata e concretamente esse projeto que funda o termo aposto ao contrato e qual o seu terminus ou o facto que o determinaria.

  12. Assim, o contrato celebrado pelas Partes em 18.04.2006 é nulo, bem como são nulas, quer autónoma, quer derivadamente, as subsequentes renovações, incorrendo a sentença, a este passo, em erro de julgamento, por violação dos arts. 131.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2003 (Lei n.º 99/2003), ex vi art. 2.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2004, da al. i) do n.º 1 do art. 9.º da Lei 23/2004 e do art. 14.º, n.º 3 da Lei n.º 59/2008, devendo ser revogada por este Tribunal ad quem.

  13. Em quarto lugar, o Tribunal a quo entende, numa perspetiva puramente legalista e errónea, que a figura do agente putativo não tem aplicabilidade no nosso ordenamento jurídico, quando é ampla a doutrina, jurisprudência e praxis administrativa que mobiliza e aplica este instituto.

  14. Além do mais, neste âmbito, estamos no domínio dos princípios jurídicos, podendo-se afirmar que os efeitos putativos decorrem da necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais e de realização dos princípios da proteção da confiança (que, desde logo, exige que a confiança que o beneficiário depositou na manutenção do seu status quo não seja postergada), do suum cuique tribuere, da igualdade e até da realização do interesse público.

  15. Sendo que o facto do recurso à figura do agente putativo não estar ipsis verbis consagrado em lei não tolhe, jamais, a sua mobilização, pois o que está em causa é o reconhecimento de um conjunto de expetativas legítimas (na manutenção do posto de trabalho), consolidadas na esfera jurídica da Recorrente, por força da celebração de um contrato pela Administração, que, embora nulo, produziu efeitos durante lapso de tempo considerável (mais de cinco anos), de forma pacífica e publicamente.

  16. Posto isto, na situação em apreço, atendendo a que a Recorrente agiu como se verdadeira técnica na área de Engenheira Florestal se tratasse, instalando-se nos lugares de perfeita boa fé e com plena aquiescência do Município do Carregal do Sal, exercendo o conteúdo funcional respetivo, de forma pacífica, contínua, pública e sem oposição de quem quer que seja, o que veio sucedendo há mais de cinco anos (tudo isto como, aliás, o Tribunal a quo considerou por provado nos pontos 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11) e 12) da fundamentação de facto da sentença), impunha-se que o Tribunal a quo tivesse concluído pela aplicação do instituto do agente putativo e, assim, pelo reconhecimento da Recorrente como agente de direito, adquirindo, dessa forma, o direito a manter o lugar que vinha ocupando.

  17. Deste modo, em erro de julgamento, mostra-se violado o instituto do agente putativo e os princípios que lhe subjazem (os princípios da proteção da confiança, da boa-fé, da igualdade da realização do interesse público e até da dignidade humana – cfr. arts. 1.º, 2.º e 266.º, n.º 1 e 2 da CRP e arts. 4.º, 6.º, 8.º e 10.º do CPA), devendo a decisão ser revogada.

  18. Em quinto lugar, ainda a propósito da aplicação da figura do agente putativo, a questão que se coloca não se prende com a convertibilidade do contrato de trabalho a termo resolutivo em contrato de trabalho por tempo indeterminado, pois a proibição legal da conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado não se aplica ao caso vertente, na medida em que o contrato é nulo.

  19. Nesta medida, ao discorrer sobre a inconvertibilidade do contrato de trabalho e, a esse propósito, até sobre as modalidades de constituição de vínculo laboral público, a sentença é nula por excesso de pronúncia (cfr. al. d), parte final, do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA), ou então, a não se...

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