Acórdão nº 00121/17.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução15 de Setembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: LFCF Recorrido: Freguesia de ML; Ministério da Administração Interna Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou “improcedente o pedido de intimação das entidades requeridas para se absterem de colocar obstáculos ao exercício pelo requerente do direito à informação e à liberdade de imprensa, como jornalista, e de participação na Assembleia de Freguesia de ML como deputado eleito, com todas as consequências legais.”.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação [ Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.]: “1. Por não terem sido impugnados pelos requeridos, deverá ser aditada ao elenco dos factos considerados provados a matéria de facto alegada nos artigos 5.º a 12.º do requerimento inicial.

2. O recorrente não esteve em momento algum a praticar em simultâneo os actos materiais próprios das actividades de jornalista e deputado da assembleia de freguesia, uma vez que se limitou a accionar uma câmara de gravação digital de som e imagem e se dirigiu depois para o seu lugar na assembleia, para participar nesta, sem necessidade de voltar a tocar na câmara até final dos trabalhos.

3. Como tal, nem sequer se levantaria a questão do exercício em simultâneo das duas actividades.

4. Como acto preparatório de uma futura notícia, a simples recolha de imagens não é susceptível de colocar em causa a isenção que um jornalista é obrigado a manter.

5. De qualquer modo, não têm os recorridos qualquer competência de tutela da actividade jornalística, que compete à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, nem de fiscalização do modo como o recorrente exerce o seu mandato de deputado.

6. O secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista emitiu parecer no sentido de não haver qualquer incompatibilidade entre as duas funções.

7. O simples acto de iniciar o funcionamento de uma câmara digital de gravação de som e imagem não é susceptível de perturbar os trabalhos da assembleia, caindo por isso fora dos poderes de moderação e disciplina do presidente da assembleia.

8. O facto de o recorrente manter uma câmara digital em funcionamento no fundo da sala enquanto ocupa o seu lugar de deputado da assembleia de freguesia não tem a virtualidade de impedir ou prejudicar a sua participação activa nos trabalhos da assembleia.

9. A isenção que é legalmente imposta ao jornalista pelo seu Estatuto, enquanto isenção em sentido técnico jurídico, não se confunde com o parti-pris ideológico de um político e este parti-pris não se confunde com falta de isenção.

10. Mesmo que, de alguma forma, o recorrente tivesse incumprido algum dos comandos dos artigos art.º 4.º, 3, a), do Estatuto dos Eleitos Locais ou o art.º 14.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto do Jornalista, não seria esse incumprimento bastante para fazer ceder a protecção conferida pelos artigos 37.º, 38.º e 48.º da Constituição da República Portuguesa.

11. Não há qualquer incompatibilidade, natural ou sancionada por lei, contra o exercício de funções em simultaneidade (ou aparente simultaneidade, como no caso) de jornalista e deputado de uma assembleia de freguesia.

12. São inconstitucionais as normas em que se baseia a sentença recorrida para estabelecer a incompatibilidade que declara (art.º 4.º, 3, a), do Estatuto dos Eleitos Locais e o art.º 14.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto do Jornalista), por violação dos artigos 37.º, 38.º e 48.º e seguintes da Constituição da República Portuguesa, na interpretação de que estes direitos constitucionais são incompatíveis entre si e que não pode um jornalista ligar uma câmara de filmar, montada num tripé, ao fundo de uma sala onde se irá realizar uma assembleia de freguesia, antes do seu início, e depois ocupar o seu lugar de deputado e participar ativamente nessa assembleia de freguesia enquanto deputado.

13. Viola a douta sentença recorrida o artigo 4.º, 3, a), do Estatuto dos Eleitos Locais e o art.º 14.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto do Jornalista, assim como os artigos 37.º, 38.º e 48.º e seguintes da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que deverá ser revogada a douta sentença recorrida, sendo os recorridos condenados no pedido formulado no requerimento inicial.”.

A Recorrida Freguesia de ML contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, concluindo dever o recurso improceder.

O Recorrido Ministério da Administração Interna contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, cujos pontos aqui se vertem: “Inconformado com o teor da Sentença, do TAF de Viseu, de 26/04/2017, através da qual foi julgado improcedente o pedido de intimação das entidades requeridas para se absterem de colocar obstáculos ao exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa, como jornalista, e de participação na Assembleia de Freguesia de ML como deputado eleito, vem o Recorrente LFCF interpor o presente recurso jurisdicional, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

Contudo, a Douta Sentença Recorrida foi proferida em conformidade com a Lei não padecendo de qualquer vício ou nulidade.

Pois, e tal como ali é referido “(…) atenta a matéria provada não se vislumbra qualquer violação dos mencionados direitos, liberdades e garantias, porquanto ao Requerente não foi vedado nem inibido o legitimo exercício da atividade de jornalista. O que lhe foi vedado foi o exercício em simultâneo de membro local eleito para a Assembleia de Freguesia poder gravar e colher imagens na qualidade de jornalista (…)” No que respeita à atuação da GNR, a mesma, tal foi defendido tanto pelo Tribunal de Tondela como pelo Tribunal da Relação, não constituiu nenhuma ação ilegal, sendo ao invés legitima “(…) quer a proibição de gravação dos trabalhos sucedidos na assembleia, nas circunstâncias acima descritas, quer a subsequente ordem que, no mesmo sentido, lhe foi regularmente transmitida por militar da GNR (…)”,- cfr. doc. 6 do PA.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE ESTE RECURSO.

O que se pede por ser de JUSTIÇA!”.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, em termos que se dão por reproduzidos.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas [ Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, nas quais deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.] e a decidir [ Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.], se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto e ainda da matéria de direito, com violação do artigo 4º, nº 3, alínea a), do Estatuto dos Eleitos Locais e o artigo 14º, nº 1, alínea a), do Estatuto do Jornalista, assim como os artigos 37º, 38º e 48º e seguintes da Constituição da República Portuguesa.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte: «1) Na sequência das eleições autárquicas do ano de 2013, foram eleitos, entre outros, na Freguesia de ML, concelho de Tondela, o Requerente, pelo Partido Socialista, que exerce as funções de membro da Assembleia de Freguesia e os Senhores JAOL, que exerce as de Presidente de Junta e o Senhor HGR, que exerce as funções de Presidente da Assembleia de Freguesia, estes dois pelo Partido Social Democrata (Cf. Diário da República, I Série, n.º 249, de 13 de Dezembro de 2013, pág. 6778 - (464)).

2) O requerente é director da publicação trimestral AGC, propriedade da Casa do Povo de ML.

(Doc. 1 junto com o requerimento inicial) 3) O autor é equiparado a jornalista e é detentor do cartão de identificação TE1176, conforme se pode confirmar pela consulta ao site da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (www.ccpj.pt/jornalistas/cej/php). (Doc. 2 junto com o requerimento inicial) 4) Desde então e nos termos do artigo 11.º, n.º 1 da Lei 75/2013 de 12 de Setembro, que a Assembleia de Freguesia tem reunido ordinariamente nos meses de Abril, Junho, Setembro e Novembro ou Dezembro.

5) Em 21 de Dezembro de 2013, os eleitos locais daquela freguesia aprovaram nos termos do artigo 10.º, nº 1, al. a) daquela lei, o Regimento da Assembleia de Freguesia de ML, que regula e tem regulado desde então o funcionamento daquele órgão.

6) Desde que foi eleito em 2013 que o Requerente tem exercido as suas funções de eleito local, vogal da Assembleia de Freguesia de ML.

7) Em Dezembro de 2015, na Assembleia ordinária da Assembleia do dia 21, o Requerente montou e colocou a funcionar para colheita de som e imagem uma câmara de filmar, para gravar a assembleia.

8) Nenhum pedido de gravação foi feito chegar ao presidente da Assembleia de Freguesia ou à mesa para tanto.

9) O presidente daquela Assembleia, HGR, na sua qualidade de presidente da Assembleia de Freguesia ou à mesa para tanto questionou de quem era a máquina, ao que o Requerente responder ser dele.

10) O presidente da Assembleia de Freguesia pediu-lhe que a desligasse e...

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